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Os impactos da cultura organizacional nos negócios


Por Sérgio Diniz, ibefiano, presidente da Triple A – Advisor e conselheiro certificado pelo IBGC

Temos visto, tanto no passado recente quanto no momento atual, várias empresas passando por dramáticas transformações, não apenas para sobreviver à recente crise, mas também para manter suas organizações viáveis para o futuro no pós-crise. No entanto, o que percebemos com frequência e na prática é que muitas vezes o fator da cultura corporativa é deixado de lado, apesar de ser, juntamente com a estratégia, uma das principais alavancas para mudanças.

As companhias não esquecem da cultura. Pelo contrário, a cultura tem sua inércia: quem pode esquecer isso são os Conselheiros e executivos “C-Level” ao fazerem seus planos, tanto internos quanto nas ações que afetam outras companhias (e culturas!), neste caso em especial nas fusões e aquisições.

Lembramos que cultura não é simplesmente uma barreira, se mal compreendida. Na verdade, pode e deve ser um potencializador das mudanças, se bem utilizada. Segundo a consultoria Deloitte, o impacto da cultura nos negócios é difícil de não ser notado: 82% dos que responderam à pesquisa “2016 Global Human Capital Trends” acreditavam que a cultura é uma vantagem competitiva potencial¹.

Já escrevemos recentemente sobre como Conselhos e Executivos devem monitorar as estratégias², bem como algumas lições sobre a crise³, porém de pouco adiantam elaboradas estratégias e uma execução impecável, ou pior ainda, buscar implantar ações “a fórceps”, ignorando o fator cultural. Há também a possibilidade de mudar a cultura, se necessário. Vamos esboçar a seguir alguns fatos importantes a serem considerados e algumas experiências práticas.

O que é cultura corporativa?
Há várias definições, não é tão fácil assim sintetizar seu significado. Mas compilando várias delas, arriscamos dizer que é a ordem social tácita de uma organização, uma amálgama de seus valores, visão, missão e aspectos cotidianos de como as pessoas agem, se comunicam, interagem e da atmosfera criada no ambiente de trabalho. É como as coisas funcionam de fato, os sistemas de recompensa, formal e informal, que fazem a companhia se mover, seja para o bem ou para o mal da mesma.

Por isso deve ser assunto prioritário de Conselhos e dos “C-levels”, normalmente e principalmente o CEO, mas também CHRO, COO e muitas vezes também do moderno CFO, que vem ganhando cada vez mais papel de destaque nas organizações. O comportamento da liderança impacta diretamente na formação da cultura, afetando a performance organizacional, o atendimento a clientes, o engajamento de funcionários e sua retenção¹. Cultura pode (e deve) ser medida e pode sim ser aprimorada para alavancar a estratégia.

Não vamos aqui nos aprofundar em como medir a cultura e as metodologias: há muitos especialistas, coisa que tenho a pretensão de ser, e trabalhos escritos a respeito. Mas para prosseguirmos, podemos considerar que mais comumente, e dependendo dos autores, podem haver entre sete (O’Reilly, Chatman e Caldwell, estudiosos norte-americanos) e, mais recentemente, oito⁴ tipos básicos de cultura. No último caso, elas são divididas em duas dimensões básicas – como as pessoas interagem e a resposta organizacional a mudanças, subdivididas em 8 características:

 

Não há cultura boa ou ruim por si só, cada uma tem seus pontos fortes e fraquezas. Cultura boa é a que funciona para aquele mercado, para determinada estratégia e momento. Há, porém, tendências de predominância de determinadas culturas por tipo indústria ou mercado: a cultura corporativa no setor de Tecnologia é bem diferente daquela da área de Saúde, por exemplo. A cultura é também fator de diferenciação na contratação de talentos, cada vez mais demandados, e há empresas que fazem disso seu diferencial competitivo.

O mais importante é entender que, em geral, as empresas têm uma cultura dominante e uma secundária, de acordo com o modelo acima, independentemente do tamanho da empresa. Não dá para ter todas as características juntas, já que algumas são conflitantes entre si, especialmente e se estiverem em polos opostos, o que pode causar confusão ou desvios dos objetivos se não forem bem gerenciadas. Há vários casos reais de culturas conflitantes em uma mesma empresa, algumas até sobrevivem assim.

Enquanto que, como dito anteriormente, há de fato a percepção de que a cultura é importante para a maioria das empresas, apenas 28% das respostas à Deloitte¹ na pesquisa citada indicaram que as empresas entendem bem sua cultura, e somente 19% acreditam possuir a cultura adequada. Ou seja, há muito ainda a fazer no que tange a cultura corporativa.

A cultura pode ser o fator de sucesso ou fracasso em tempos de incerteza ou de mudanças constantes

Vimos em nossa experiência exemplos claros de empresas que falharam durante a crise recente, e algumas continuam falhando no presente, pois, dentre outros motivos, havia demasiado apego à tradição (“Order” e “Safety” no quadro acima) e pouca capacidade de aprendizagem (“Learning” – ouvimos frequentemente: “sempre fizemos assim!”), particularmente, mas não restrito, a empresas familiares. Já outras, que sobreviveram bem à turbulência, podem ter parte do sucesso creditado por saberem manter a estratégia e o foco (com um forte estilo de “Results” – foco na execução e atingimento de metas), ainda que isso possa ter estressado bastante a organização em um ambiente de crise.

Por isso não há receitas prontas, mudar ou não mudar a cultura.  O topo da pirâmide organizacional é quem tem que saber se a cultura existente é adequada ou não às novas situações e buscar mudá-la, aperfeiçoá-la, se necessário.

Não só na crise, mas em qualquer mudança, a cultura deve ser avaliada. Até mesmo empresas que crescem rápido ou têm ciclos acelerados podem ser afetadas, seja positiva ou negativamente. Acompanhamos uma empresa do setor de agronegócios em 2017 que, por várias circunstâncias do mercado e problemas nos competidores (o “escândalo das carnes”), experimentou um crescimento vertiginoso durante dois anos, com múltiplos aumentos em suas vendas.

Dentre outros efeitos colaterais, essa empresa, que tinha características de “Learning” (agilidade, inovação) e “Authority” (velocidade de decisão e resposta), ficou muito fragilizada, quase entrando em colapso financeiro (estrangulamento do fluxo de caixa dado o rápido crescimento) por falta de um melhor balanceamento das ações, voltadas demasiadamente ao crescimento, em detrimento de criação e manutenção de controles e da criação de uma estrutura sustentável. Tivemos que sensibilizar os sócios para que implantassem várias mudanças e, do ponto de vista cultural, entendemos como desejável mais ênfase em uma cultura que fomentasse “Results”: melhoria na forma de execução e atingimento de outras metas que não fossem apenas vendas, bem como melhorar o foco para operações com rentabilidade mais garantida.

Ou seja, a cultura pode ser também um grande passivo quando desalinhada à estratégia⁴.

Fusões e aquisições (“M&A”)
Muitas vezes o impacto cultural é menosprezado, podendo destruir valor ao invés de criá-lo. Vamos a outro exemplo.

Acompanhei bem de perto um caso em que a empresa compradora tinha uma forte cultura de resultados (“Results”), e sua operação era baseada em volumes e baixos custos, ao passo que a empresa adquirida tinha uma cultura mais voltada à inovação (“Learning”) e era focada em agregar valor a projetos: volume versus valor. Apesar das duas empresas serem do mesmo ramo de atividade, atuavam de maneira distinta, com produtos e serviços distintos. Porém, durante a integração, a cultura da compradora foi imposta à empresa adquirida e o valor combinado acabou ficando aquém do esperado. Houve, em nosso entendimento, uma destruição de parte do valor potencial, com perda de pessoas chave que detinham o conhecimento (“Learning”) pelo qual parte da carteira de clientes pagava um prêmio nos serviços, que minguaram.

Em M&A é fundamental que os aspectos culturais sejam estudados antes, com muito cuidado, para evitar surpresas e planejar o futuro!

Por outro lado, uma fusão ou aquisição pode ser o momento ideal de se criar uma nova cultura, ou ajustar a existente, buscando complementariedade de forças e acelerando o processo de integração.

O que pode ser feito para obtenção de melhores resultados utilizando a cultura como base?

Não há receita de bolo, cada situação neste assunto é única. Mudanças culturais são complexas pois envolvem pessoas, sujeitas a emoções e dependentes de interações pessoais. Há, porém, algumas práticas que tendem a dar bons resultados.

A criação de uma nova cultura é uma delas. Isso pode sim ser desenhado, fazer parte do plano estratégico do Conselho e alinhado com o CEO (cultura não é tarefa só de RH, a responsabilidade é de cima!), buscando aproximar a companhia de novos mercados desejados, ou buscando maior flexibilidade e aprendizagem em um novo ambiente de mudanças, por exemplo.

Para isso, porém, é necessário primeiramente entender em profundidade a cultura, tanto a atual quanto a desejada, a qual deve ser apoio para a execução da estratégia pretendida. A cultura deve ser medida, existem ferramentas para isso.

Há também várias técnicas para a quebra de barreiras comportamentais existentes, então isso não deve ser empecilho. Não há desculpa para a “falta de tempo” quando se fala em estratégia. O ser humano é baseado em rituais, então novos rituais devem ser criados para alinhamento das novas estratégias⁵.

Outro aspecto importante é a escolha de líderes alinhados à cultura que se deseja incutir, e também, fundamentalmente, aos planos de remuneração e bonificação, premiando as atitudes desejadas e, obviamente, punindo o desalinhamento.

Novas estruturas organizacionais ajudam a implantar novas culturas e reforçar a cultura desejada. Tudo isso pode estar alinhando desde o planejamento estratégico, valores fundamentais (“core values”), processos, sistemas e ferramentas, como o “Balance Score Card” 6, agregando, assim, mais valor para todos os “stakeholders”.

Em nossa experiência, a reestruturação de empresas seria bem mais fácil se a maioria compreendesse a relevância do impacto cultural nas empresas.

Bibliografia
¹ Artigo “Shape culture – Drive strategy”, por Marc Kaplan, Ben Dollar, Veronica Melian, Yves Van Durme, Jungle Wong, February 29, 2016, Deloitte Insights (https://www2.deloitte.com/insights/us/en/focus/human-capital-trends/2016/impact-of-culture-on-business-strategy.html)
² Artigo “Como os conselheiros podem contribuir no monitoramento da execução da estratégia das empresas”, de Sérgio Diniz e Roberto Faldini, publicado por IBEF SP em 28 de julho de 2017 (https://ibefsp.com.br/publicacoes/como-os-conselheiros-podem-contribuir-no-monitoramento-da-execucao-da-estrategia-das-empresas/)
³ Artigo “O CFO e a crise: algumas lições práticas, de Sérgio Diniz, publicado por IBEF SP em de 24 de outubro de 2016 (https://ibefsp.com.br/publicacoes/o-cfo-e-a-crise-algumas-licoes-praticas/)
⁴ Artigos “The Leader’s Guide to Corporate Culture: How to Manage the Eight Critical Elements of Organizational Life”, por Boris Groysberg, Jeremiah Lee, Jesse Price and J. Yo-Jud Cheng, e “What`s Your Organization’s Cultural Profile?”, Harvard Business Review, January-February 2018, HBR Reprint R1801B.
⁵ “Fazendo a estratégia acontecer: como criar implementar as iniciativas da organização”, Fernando Luzio, São Paulo: Cengage Learning, 2010
6 “The execution premium: linking strategy to operations for competitive advantage”, Robert S. Kaplan, David P. Norton, Harvard Business School Publishing Corporation, 2008.
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