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Apesar de a legislação ainda ter problemas para o investidor-anjo, já é possível apostar em startups com atenção aos procedimentos legais
Com a sala lotada, a Comissão de Controladoria e Contabilidade, sob a liderança de Paula Raya, contou, no dia 24 de abril, com a palestra “Investindo em Startups – Visão Legal”, apresentada pela advogada Adriana Piraíno Sansiviero, do escritório PSF – Piraíno Sansiviero Ferraz.
De acordo com Adriana, no final de 2016, a publicação da LC 155, foi um importante avanço para investimentos em startups, pois trouxe regras específicas para o investimento anjo (receita proveniente de pessoas físicas que investem percentual de seu patrimônio em empresas nascentes com alto potencial de crescimento), para o contrato de participação e seus respectivos prazos de resgates, transferência e conversão de capital. A lei, que alterou LC 123/2006 (que institui o estatuto da Microempresa, Empresa de Pequeno Porte, além de disciplinar o Simples Nacional), passou a prever a criação, a existência e a função do investidor-anjo.
Segundo Adriana, a norma possibilitou um aporte atípico de capital, pois não integra o capital social da empresa (também não é mútuo) e nem compõe a receita para fins de enquadramento como ME/EPP. Porém, é conversível em capital.
Na prática, pela legislação, agora o investidor-anjo não é considerado sócio, nem tem poder de gestão ou de voto na direção da empresa. Porém, ele não responde por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, não se aplicando a ele o artigo 50 do Código Civil, onde a cobrança de dívidas pode recair nos bens particulares dos sócios das empresas.
Muita aguardada a regulamentação da lei, que passou a proteger o investidor-anjo, ela acabou decepcionando. “A Instrução Normativa 1719/17, da Receita Federal do Brasil, passou a prever a tributação de imposto de renda sobre o “lucro” do investidor e, no resgate, da correção monetária do valor investido, o que acabou desestimulando seu uso até o momento. Não é correto tributarem a correção monetária, pois não é ganho ou acréscimo patrimonial”.
Adriana explica que o Projeto de Lei do Senado n. 494/2017, atualmente na Comissão de Assuntos Econômicos desta Casa, propõe alterar novamente a LC 123/2006, especificamente para tratar sobre a tributação incidente na remuneração do investidor-anjo.
Adequação normativa e mudanças – Antes de surgir um direito formal para esse tema, as operações já eram realizadas por intermédio das normas já existentes: Constituição Federal, Código Civil e também pela Classificação Nacional de Atividades Econômicas, que são os códigos que determinam quais são as atividades que as empresas estão autorizadas a executar. Para adequação de um tema tão novo a normas mais tradicionais, Adriana diz que é preciso criatividade para adaptação do negócio ao que a lei prevê ou não proíbe.
Ao mesmo tempo, sabe-se que o costume leva à discussão de mudanças e a novas normas, como já ocorreu com crowdfunding (plataformas colaborativas para que sejam cadastrados projetos que necessitam de diversos colabores para a sua realização) e contrato de participação. “Além de toda essa complexidade, também é preciso uma conciliação entre elementos contábeis, do direito societário, tributário, trabalhista e contratual, o que torna essencial a presença de um advogado”, diz Adriana.
Negociação equilibrada – A advogada lembra que o empreendedor e o investidor precisam buscar um balanceamento, pois ambos são igualmente importantes: um tem a ideia e o outro, o dinheiro. “Encontrar o equilíbrio pode ser um desafio maior do que em transações convencionais. Para isso, há a necessidade de adaptação dos documentos societários convencionais. Nenhum negócio é bom se apenas um lado estiver satisfeito’’.
Como para o empreendedor é mais difícil ter acesso às fontes convencionais de financiamento, ele precisa do investidor. “Ele sabe que crescimento seria limitado apenas com os recursos próprios. Por outro lado, para o ingresso do investidor, ele precisará pagar um “preço”, já que sua liberdade será limitada a certas regras, que visam maior segurança financeira e jurídica, além de transparência e poder de negociação como contrapartida do aporte”.
A negociação se dará em várias etapas. Geralmente, os primeiros aportes no projeto do empreendedor são realizados por familiares e amigos. Na sequência, os anjos investem, seguidos por operações de venture capital e private equity. No processo de negociação, uma das etapas é a avaliação.
O processo de negociação também envolve um documento vinculante ou não vinculante. Na prática, se vinculante, para abertura das informações do projeto para o investidor, são colocadas duas condições: ou ele compra ou paga uma multa. Essa penalidade serve para tirar o apetite dos fundos, que apostam em várias startups ao mesmo tempo e desistem de parte dos projetos.
Há ainda a necessidade da diligência legal ou due diligence, que envolve a busca de informações sobre a empresa. “Todas essas etapas são importantes para evitar o litígio. Sabemos que a justiça melhorou muito em termos de celeridade com o processo eletrônico, mas ainda temos problemas. Nem todos os juízes são técnicos para julgar questões comerciais. Dessa forma, é melhor usar a arbitragem, que conta com pessoal mais técnico nessa matéria. De qualquer forma, a sentença arbitral precisa ser homologada na justiça”, explica Adriana, ao dizer que alguns contratos preveem a multa de desistência. “Nesse caso, não é necessário passar pela arbitragem”.
A advogada explica que na maioria dos casos de startups adotam-se os contratos de mútuo conversível, que se trata de um empréstimo (mútuo), cujo valor da dívida pode se converter (conversível) em participação societária futura.
Além do contrato mútuo conversível, de compra e venda de ações/quotas ou contrato de “participação”, os documentos societários utilizados são o acordo de confidencialidade (para ambos os lados pode ser importante o sigilo) e o term sheet, que é um resumo das condições que vão levar o contrato. Também estão previstos os atos constitutivos ou alterações ao estatuto ou contrato social e o acordo de quotistas ou acionistas.
Perspectivas dos dois lados – Do lado do empreendedor, entre as maiores preocupações estão a obrigatoriedade de aportes (prioridade número um); o direito de condução estratégica e operacional do negócio e a definição e desenvolvimento do objeto social, definição da linha de produtos etc; cláusula de “não concorrência” para limitar que o investidor faça outros investimentos em atividades concorrentes e a ideia seja preservada; a remuneração – Pró-labore; e se houver obrigação de venda conjunta (drag along) exigida pelo investidor, tenha a fixação de um valor mínimo para drag along ser aplicável.
Outra questão levantada na comissão é qual a melhor estratégia para desenvolver o projeto, pois muitos empreendedores são focados no negócio e nem sempre estão preparados para lidar com as exigências das atividades relacionadas à gestão empresarial. Assim, é preciso avaliar se é melhor investir em um empreendedor ou se é melhor introduzi-lo no negócio da empresa, agregando-o ao negócio e aproveitando o capital humano de diferentes áreas já existentes na corporação para colaborar no desenvolvimento daquela nova ideia no mercado. Porém, nesse caso, também é preciso ter atenção à cultura empresarial.
Segundo Adriana, do lado do investidor, merece atenção o vesting das ações vinculado à permanência do empreendedor como administrador e ainda o tempo de dedicação do empreendedor ao negócio – tempo integral. “Ainda é importante estabelecer uma opção de compra no caso de violação pelo empreendedor”. Outra preocupação é para que não haja concorrência durante a gestão e após a saída do empreendedor. Também merecem atenção as regras de governança – controle ou voto afirmativo/veto.
“É preciso, ainda, uma cláusula contratual de mecanismos de saída forçada com opção de venda por valor simbólico, caso o negócio não dê certo”, explica a advogada, lembrando da necessidade da definição do papel do investidor no negócio, como participação em conselho ou administrador/diretor, ações preferenciais, entre outros pontos. “Além disso, há as cláusulas contratuais comuns no investimento conversível e também na sociedade”, finaliza.
reportagem: Renata Passos