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O aumento do uso de tecnologia dentro das empresas aliado à uma aceleração do processo de digitalização foi fundamental para que setores se recuperassem das perdas decorrentes da crise do novo coronavírus (COVID-19). Em reunião da Diretoria Vogal do IBEF-SP realizada no dia 28 de agosto, representantes de diversas áreas da economia compartilharam suas experiências de reinvenção em meio a esse processo, bem como as dificuldades e desafios para o futuro.
Francisco Loschiavo, diretor da CTI Global, patrocinadora do evento, destaca que melhorar os sistemas de planejamento e análise financeira (FP&A) tem auxiliado as empresas a passar pelo primeiro impacto da crise. “Tentando ver o que vai ser diferente na área de FP&A, um pouco da minha conclusão é que pouca coisa mudou, mas a velocidade que temos que implementar as transformações na área de finanças está maior”. Ele diz que um dos principais shifts de processos será a transição do manual para métodos ágeis. “Teremos processos que avaliam mais rapidamente impactos para tomar decisões. Isso, já era uma necessidade de todos que aparentemente se intensificou”.
Loschiavo diz ainda que para ter essa velocidade, é preciso integração e consistência para conseguir chegar em demonstrações de resultados e caixa. Ele destaca ainda que os processos de FP&A e S&OP estão convergindo. “Precisamos acelerar as integrações nessas duas funções. Um terceiro aspecto é o aprofundamento, amplitude e abrangência das análises que temos que fazer. As análises já tendem a ser muito mais amplas e detalhadas, e análises macro não são suficientes. As tecnologias da IBM têm ajudado muito nossos clientes nessa mudança”.
Cuidar do caixa das empresas passa a se estender também para manter o elo de toda a cadeia saudável. Questionados sobre quais serão os principais desafios da área de FP&A nos próximos meses, os participantes da reunião responderam, em pesquisa, que em primeiro lugar está aumentar a integração e velocidade das projeções de cenários de resultados e geração de caixa. Analisar a rentabilidade em grande nível de granularidade e incorporar novas tecnologias para aumentar a eficiência das funções também foram pontos observados pelos participantes como desafios da área.
Rodada de setores – A 1ª vice-presidente do Instituto, Luciana Medeiros, que é sócia da PwC, conduziu a rodada de setores da reunião, onde os diretores vogais reforçaram a necessidade do uso de tecnologia para impulsionar a recuperação e alavancar os negócios daqui pra frente. Ainda assim, alguns setores tiveram que enfrentar desafios diferentes, como o de consumo.
Consumo – Flavia Schlesinger, CFO da Pepsico, destaca que a indústria de alimentos, que é considerada essencial, teve a missão, durante a crise, de continuar abastecendo a população e, para isso, teve que garantir a segurança de seus colaboradores. “Considerando que temos mais de 10 mil funcionários e a maioria deles na linha de frente, implantamos uma série de medidas fortes para proteger esses profissionais. Mais de mil pessoas foram colocadas em home office, que já era uma política adotada e foi apenas estendida. Disponibilizamos também uma linha de telemedicina do Einstein para que as famílias evitassem se deslocar, tendo assistência 24 horas por dia”.
Em termos de indústria, Flavia conta que houve uma mudança nos hábitos e produtos consumidos pelo público em geral, o que gera desafios para a área financeira, que deve fazer a análise de informação para poder mover a cadeia e ajustar sua precificação. “Uma parte dos nossos clientes, o pequeno varejo, foi afetada em maio e junho, e junto com outras empresas formamos uma coalizão para incentivar comerciantes locais. Criamos novas ferramentas de meios de pagamento que flexibilizassem o crédito para esses varejistas”, diz.
Na área de cosméticos, José Filippo, CFO da Natura, destaca que no início do segundo semestre, muitas lojas estavam fechadas e havia muitas incertezas, e por isso a empresa trabalhou para privilegiar despesa e caixa. “Cortamos despesas e algumas mudanças viraram legado. Também reservamos caixa, filtrando o que fazia sentido para a continuidade dos negócios”. Ele ressalta que houve um aumento grande no uso de ferramentas digitais para melhorar o atendimento ao cliente no sistema, e os canais cresceram muito, operando a margem de receita perdida com as lojas físicas.
Os resultados da Natura no segundo trimestre foram superiores aos da média da indústria global, segundo Filippo. “Já vemos lojas abertas, fábricas e centros de distribuição funcionando, ainda que com protocolos de distanciamento. A queda de 12% do segundo trimestre foi muito diferente mês e mês, sendo que junho já apresentou resultado forte, compensando o mês de abril. Estamos com operações normalizadas, mas nossos escritórios estão fechados e não devemos voltar totalmente com eles esse ano”. No planejamento estratégico para os próximos anos, a Natura prevê entrar em novos mercados. “Ainda diante das dificuldades, foi divulgada a Visão de Sustentabilidade do grupo com as metas para 2030. Estamos nos preparando para desafios, mas com otimismo”, complementa.
Ainda dentro do segmento de consumo, Adolpho Neto, CFO para América Latina da Whirlpool, dona das marcas Brastemp, Consul e KitchenAid, destaca que os principais pontos analisados durante o período de crise foram saúde, supply chain e canais de e-commerce. “Tivemos mudanças no hábito dos consumidores, pois as pessoas estão dentro de casa. Vimos como ter marcas consistentes e com propósito faz toda diferença”. Ele diz que no Brasil, o volume de vendas do setor já está positivo em relação ao ano passado, com aumento nas vendas em comparação ao acumulado até julho de 2019. “Estamos nos preparando para voltar a crescer, mas olhando com cautela o quarto trimestre e o próximo ano”, reitera.
Serviços – A prioridade durante o período de crise foi a saúde financeira dos colaboradores da Veirano. A Diretora Corina Engel conta que o primeiro passo da área de finanças foi fazer um teste de estresse e negociar com setores valores e prazos. “Centralizamos todas as demandas de descontos que clientes nos pediam. Foi um processo de empatia e colaboração que deu certo, mas significou um volume grande de descontos e prorrogações de pagamentos. Foi um trabalho grande de precificação”.
O escritório também suspendeu temporariamente o contrato de trabalho de grande parte da sua equipe, incluindo as áreas que se tornaram menos relevantes com home office, além de fazer redução de jornada de 25% para os advogados. “Não reduzimos salários. Algumas áreas tiveram aumento de demanda, como LGPD e recuperação judicial, enquanto outros segmentos acabaram sofrendo mais, como imobiliário, área penal, entre outros”. Outra demanda que teve aumento foi o uso de assinatura eletrônica, conta Corina. “Conseguimos ter autonomia de caixa pensando em fazer frente a custos e despesas, e não foi necessário usar linhas de crédito. O cenário está melhor do que desenhamos”, avalia.
Educação – Os impactos da crise na indústria da educação acabam afetando a todos direta ou indiretamente. Alexandre Garcia, CEO da Cel Lep, lembra que, com a chegada da pandemia, foi decretado o fechamento de todas as escolas, e com a disparidade entre escolas públicas e privadas e diferentes estados, houve dificuldade no enfrentamento da crise. “Achávamos que as escolas abririam mais rápido até em função das atividades dos pais. Contudo, isso não ocorreu no mundo todo pelo risco de contágio. O plano é retornar às aulas apenas em fevereiro de 2021”, diz. Ele explica ainda que a diferença de comportamento para cada fase de alunos impacta as atividades das escolas e o retorno.
O segmento de educação corporativa também sofreu, pois empresas tiraram essa linha de suas despesas. “Tivemos uma queda de quase 15% da nossa base de alunos, mas é uma queda pequena, pois algumas bandeiras perderam mais de 40% dos alunos”. Segundo Garcia, o que manteve a empresa com um cenário melhor diante da conjuntura foi o investimento que já vinha sendo feito na parte digital, incluindo facilidade de professores com o formato. “A indústria de educação é muito analógica. Precisamos fazer essa mudança grande para o digital e tecnológico”.
Plataforma digital – Todo esse processo de crise fez com que houvesse um aumento da busca por regularização de dívidas. Assim, plataformas como a Acordo Certo, que oferece o serviço de recuperação de crédito digitalmente, teve um impulso em seus negócios. Roberto Góis, diretor de novos negócios da Acordo Certo, diz que a empresa conta com mais de 11 milhões de clientes cadastrados. “Hoje, estima-se que temos mais de 63 milhões de pessoas negativadas. É um problema crônico e desafiamos bastante esse status quo. As grandes empresas, ou seja, os credores, têm por hábito e estratégia manterem escritórios de cobrança bastante dependentes de operadores. E com a pandemia, isso mudou drasticamente”, diz.
Segundo Góis, houve um aumento de 400% na operação da Acordo Certo nos dois primeiros meses da pandemia, pois a migração para o digital das grandes empresas se acelerou. Outro fator impulsionador foi o fato de que, para obter auxílio emergencial oferecido pelo governo no período, o cidadão precisou regularizar seu CPF. “No começo vimos essa regularização, mas agora as pessoas não estão mais conseguindo fazer o pagamento de dívidas. Fizemos uma pesquisa com 2 mil pessoas, e 48% deixaram de pagar alguma negociação de dívida previamente feita. Outras contas deixaram de ser pagas por conta da crise e 71% dos entrevistados fizeram acordo na Acordo Certo”. Góis ressalta que o uso de tecnologia diante dessa migração do tradicional para o digital fez com que as grandes companhias olhassem os consumidores de outra maneira.
Considerações finais – Levando à Diretoria Vogal as percepções do Conselho de Administração do IBEF-SP, o Professor Keyler Rocha destaca que a digitalização foi implementada e vai ficar como legado para o futuro das empresas. “Alguns setores sofreram mais que outros, mas a utilização da tecnologia tem sido o caminho mais comum para todos”, avalia.