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Octavio de Barros é economista-chefe do Bradesco e escreverá regularmente para o site do IBEF SP.
Diante do debate político, os economistas em geral são um pouco amadores porque não sabem lidar e compreender bem a estranha e ambígua retórica utilizada pela classe política de diferentes correntes, sobretudo em matéria econômica. Nós economistas acabamos sendo levados a termos julgamentos binários a partir de ideias estabelecidas sobre o que fazer para o País encontrar uma senda de crescimento com estabilidade macroeconômica.
Com base na minha experiência, tenho suficiente evidência empírica internacional de que o desejo de crescimento com estabilidade não é monopólio desta ou daquela outra orientação política ou ideológica.
Sobretudo em momentos eleitorais, a capacidade de refletir sobre o que deve ser feito acaba sendo prejudicada pela politização total e por vezes irracional de ideias. Os analistas, muitas vezes dominados por julgamentos e preferências, saem do sério e perdem a objetividade ao analisar os desafios existentes.
Mas nesse emaranhado de ideias contraditórias tenho para mim que há uma agenda mínima que precisa ser reconhecida por todos os matizes políticos como obrigatória no Brasil a partir de 2015.
Já disse uma vez aqui que qualquer que seja a orientação ideológica, ninguém pode desprezar o tema da confiança dos mercados, sobretudo em um ambiente capitalista como o Brasil, bastante integrado financeiramente em termos globais.
Nenhum governante precisa renunciar à sua vocação programática quando se respeita minimamente as regras de funcionamento do mercado. Lutar contra isso é suicídio político porque a deterioração das percepções se irradia por diferentes canais para todos os agentes econômicos. Sem confiança, é como se um país andasse para trás e desperdiçasse imensas oportunidades.
O que o mercado espera de qualquer governo, mesmo daqueles que têm uma linhagem menos liberal, é que a transparência e o realismo da política econômica sejam absolutos e que as opções de política econômica sejam sustentáveis. Que seja dito o que se pretende fazer e com quais instrumentos. Confiança passa por isso e não pelo cumprimento de uma agenda programática pré-estabelecida pelo mercado. Temos alguma evidência no Brasil de que é possível mudar o foco político a favor de uma agenda bem mais social no País em harmonia com a responsabilidade fiscal e monetária.
Esse é um princípio basilar: um plano de voo, ideias claras e honestas e a forma de financiá-las nos limites da responsabilidade. A briga ideológica deve se dar republicanamente no seio da peça orçamentária, limitada por regras rígidas de crescimento das despesas.
E, evidentemente, a inflação precisa ser coibida com instrumentos clássicos tradicionais, sem qualquer politização da política monetária, o que, convenhamos, é uma tremenda perda de tempo. Esse dia vai chegar. Tenho certeza.
Não vejo conflito entre políticas focadas na proteção social, sobretudo de um país com tantas carências, como é o caso do Brasil, com uma política econômica sem segredos e sem exotismos. Isso é muito importante porque por muitos anos ainda o País precisará continuar eliminando as distorções sociais com políticas sociais de alta efetividade. Isso aumenta ainda mais a responsabilidade de se dispor de uma política econômica muito qualificada.
A inovação em matéria de política econômica tem limites claros. Movimentos temporariamente heterodoxos podem ser necessários. Mas o fundamental é o respeito à sustentabilidade intertemporal, principalmente em relação às despesas públicas.
Esse é o efetivo debate que precisamos assistir em 2015. O mercado se tranquilizaria imediatamente, com redução da volatilidade, se regras de longo prazo fossem anunciadas do ponto de vista fiscal. Sairíamos do infindável debate se o superávit primário deste ou daquele ano deve ser de 0,5%, 1% ou 1,9% do PIB.
O mercado ficaria amplamente satisfeito se, por exemplo, a peça orçamentária de 2016 tivesse parâmetros e limites inéditos e regras aprovadas em lei para a expansão de despesas.
Sempre defendi um teto de crescimento de despesas (pelo menos as discricionárias) e relação à expansão do PIB nominal. Parece tão simples, mas as incompreensíveis resistências estão presentes. Até quando? Espero que em breve elas sejam quebradas.
Precisamos de uma espécie de “comissão da verdade fiscal permanente” ou de um “conselho fiscal independente” para que práticas anômalas não sejam mais tentadas no Brasil e para que novos balizamentos sejam definitivamente fundados.
Ou seja, mudanças mais qualitativas de longo prazo do que quantitativas de curto prazo.
Entendo que se a questão fiscal fosse sempre encarada com o princípio da transparência, todo o conjunto da política econômica passaria a dispor de um novo norte, que naturalmente traria maior racionalidade ao processo decisório em vários planos, muito além do fiscal.
Além disso, evitaria qualquer possibilidade de perda do grau de investimento pelas agências classificadoras de risco, o que seria um retrocesso de alto custo social e empresarial.
Entendo também que a agenda de 2015 deva avançar profundamente no princípio da busca permanente da eficiência e da produtividade. Isso vale para tudo. Para o setor público, para o setor privado e para a vida dos cidadãos.
Todas as frentes relativas ao uso racional de recursos financeiros, sociais e ambientais deveriam estar na ordem do dia de uma forma quase que obsessiva.
As lideranças políticas de todas as orientações ideológicas poderiam perfeitamente abraçar essas causas. Produtividade não pode ser mais vista como uma palavra maldita, sinônimo de ações contra o trabalhador. Não será possível crescer decentemente nos próximos anos sem aumentos expressivos de produtividade, e isso não depende de aumento da taxa de desemprego, muito pelo contrário.
Seria desejável que as iniciativas contagiassem os agentes econômicos e os incentivos governamentais e privados fossem direcionados para esse objetivo. Não estou apenas falando do imperativo da maior qualificação de mão de obra, mas também da busca de eficiência nas gestões pública e privada.
Outro passo crucial para 2015 parece ser a habilidade necessária para se desmontar, gradualmente e com a devida delicadeza, o elevado estoque de swaps cambiais. A redução da intervenção no mercado de câmbio é tarefa fundamental no Brasil dos próximos anos.
Não é fácil, mas cerca de 20 anos de câmbio real apreciado no Brasil, ainda que em alguns casos reflitam a melhora de fundamentos, explicam uma parte importante dos problemas de competitividade da indústria brasileira, junto com toda a agenda do custo Brasil.
As condições para que esse processo de desmonte ocorra devem ser previamente constituídas via reforço da confiança da comunidade de investidores externos nas perspectivas da economia brasileira. A sinalização fiscal também ajudaria nesse processo de redução gradual do excesso de intervenção cambial.
Outra tarefa delicada e complexa será a migração lenta e gradual do papel dos bancos oficiais no financiamento para o fortalecimento do mercado de capitais. Há anos se fala dessa necessária transição, mas não apenas não se avançou como a concentração do fomento nos bancos públicos foi ampliada.
Em 2015, independente do resultado final das eleições, esse processo tem boas chances de ter início, com a responsabilidade de que as empresas, hoje dependentes principalmente de fontes oficiais de financiamento, não corram o risco de ficarem desamparadas em um momento de economia ainda sem drivers de crescimento. Não acredito que isso seja bandeira ideológica justificável nos dias de hoje. As transferências do Tesouro para os bancos oficiais é coisa do passado. Essa página precisa ser virada.
Por seu turno, a aceleração das concessões de infraestrutura deveria ocorrer em 2015 em condições efetivamente mobilizadoras do setor privado, para que tenhamos um sinal claro de avanço nesse plano.
O investimento privado é a chave para o aumento do estoque de capital físico, tão necessário para obtermos taxas de crescimento maiores e mais sustentáveis. Houve algum atraso nesse plano, mas já percebemos claramente que o tema perde a carga ideológica que se observou em algum momento no passado recente.
Portanto, temos o cenário de que 2015 será um ano de recuperação da confiança. É uma pena que o momento político gere tantos ruídos e retóricas ultrapassadas que acabam sugerindo cenários que dificilmente ocorrerão na vida prática.
A má qualidade do debate político no Brasil não traduz os avanços graduais que já tivemos e que continuaremos a ter em matéria econômica. Ao longo dos próximos anos, haverá uma despolitização de temas banais no Brasil como ocorre em qualquer país moderno e republicano no mundo.
A politização migrará para outras questões de sociedade muito mais relevantes. Acalento a expectativa de que as diferenças de orientação na condução das políticas econômicas se concentrem essencialmente em torno do orçamento público como em qualquer país normal.
Os desafios são tão diversificados para o Brasil que não há cabimento retroceder. Só nos é dado o direito de avançar nessa direção, sem perder tempo com controvérsias já superadas na grande maioria dos países que deram um salto no patamar de desenvolvimento.