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Marcos Troyjo é diretor do BRICLab na Universidade Columbia, de Nova York.
“É preciso ir além da política econômica e reajustar também a economia política”
Marcos Troyjo
Na esteira da amarga disputa política que a levou à reeleição por uma margem mínima, Dilma Rousseff viu-se compelida a montar um novo time econômico de composição mais ortodoxa. Desse processo alimenta-se uma forte tensão entre continuidade e mudança.
O hiato, por um lado, entre o discurso do “mais do mesmo”, “não há nada errado” que os gurus do marketing deram à voz de Dilma durante a campanha e, por outro, os imperativos da realidade econômica que não abrigam ilusões, obrigou-a a mudar o curso macroeconômico. Tal inflexão é agora uma das principais causas de disputa em sua própria base de apoio político.
Esta divisão, que durante a eleição separou Dilma da oposição, migrou vigorosamente para discussões sobre a forma como seu segundo mandato deve desenrolar-se.
Com toda probabilidade, os titulares de Dilma 2.0 para os Ministérios da Fazenda e do Planejamento sinalizam e trabalharão por mudanças. Optarão por doses maiores de ortodoxia e transparência na gestão macroeconômica. Farão todo o possível para eliminar vestígios da “nova matriz econômica” de Dilma e a contabilidade criativa que tanto marcou seu primeiro governo, características indesejáveis que deixaram como cicatriz o crescimento medíocre dos últimos quatro anos.
Mas a macroeconomia por si só não vai moldar um futuro melhor para o Brasil. É preciso ir além da política econômica e reajustar também a economia política.
Basta comparar o desempenho da maioria dos países latino-americanos com a ascensão das nações do sudeste asiático: estas últimas superaram em muito as primeiras na concretização de um ambiente microeconômico favorável aos negócios, planejamento de longo prazo e interação competitiva com cadeias globais de valor.
Em termos da economia política do Brasil, a tendência em Dilma 2.0 é sem dúvida inercial. Com o País desprovido de qualquer plano estratégico para enfrentar o surgimento de um novo ciclo na globalização — marcado por novos acordos comerciais e de investimento, uma China intensiva em tecnologia e uma economia globalmente interdependente baseada no conhecimento — devemos esperar uma continuação do modelo de capitalismo de Estado que reinou ao longo dos últimos 12 anos.
Se deixados a si mesmos, Dilma e seu Partido dos Trabalhadores certamente tentariam nos próximos quatro anos continuar a reavivar o crescimento do Brasil por meio do incentivo ao consumo interno, a oferta de benefícios fiscais pontuais a setores industriais favorecidos e a realização de cortes seletivos em impostos sobre o trabalho aqui e ali.
Bancos oficiais e empresas estatais continuariam a ser usados como instrumentos para a promoção (protecionista) de conteúdo local, na esperança de gerar empregos e receitas fiscais — a um custo muito pesado para os consumidores e contribuintes brasileiros.
Mas da mesma forma que os mercados podem afastar as políticas macroeconômicas de Dilma das aventuras experimentalistas do passado recente, fracassos e escândalos na economia política atual podem ajudar a aproximar o país de um ambiente pró-negócios, mais orientado para o mercado.
Será difícil para Dilma focar novamente em tentativas cíclicas de promover o crescimento através do apetite do mercado interno por altos níveis de consumo. Tais táticas não constituem um motor de desenvolvimento sustentado ao longo do tempo -– como o primeiro mandato de Dilma mostrou claramente.
Da mesma forma, sob maior escrutínio público e da mídia, e a possibilidade muito real de a classificação de crédito do país ser rebaixada, agora há pouco espaço para o BNDES continuar a desempenhar um papel na contabilidade criativa.
Conforme melhora a transparência, o BNDES não mais se dará ao luxo de ser visto como o duto de empréstimos subsidiados oferecidos pelo Tesouro Nacional. Nem está em uma posição de ressuscitar o financiamento privilegiado de “campeões nacionais” que consumiu mais recursos públicos ao longo dos anos do que o Bolsa Família, programa de transferência de renda para reduzir a pobreza que elevou o padrão de vida de milhões de pessoas.
A Petrobras, agora no centro do que pode vir a ser o maior escândalo de corrupção do País de que já se teve notícia, está muito enfraquecida para ser utilizada como um instrumento de política industrial. Com ambos os seus recursos e credibilidade reduzidos, ela ficará aquém de seu papel como grande formadora de demanda no setor de petróleo & gás e noutras áreas, como a indústria naval. Ela terá menos músculos para gerar efeitos positivos indiretos que visem à tão desejada reindustrialização do País.
Menos espaço de manobra para as políticas de crédito discricionárias do BNDES e as agruras da Petrobras podem ser bênçãos disfarçadas. Ambos convidam à adoção de políticas mais horizontais, melhor governança e compliance, mais atitudes pró-concorrência.
Será difícil para Dilma restaurar a confiança aos níveis de 2010, quando a economia do Brasil cresceu 7,5%, apenas melhorando a política macroeconômica. Para a estrela do Brasil voltar a brilhar, ela deve fazer mais do que contar com uma equipe de competentes gestores financeiros.
Ela deve enfatizar a mudança sobre a continuidade na concepção das políticas para além da macroeconomia. A economia brasileira é uma das menos abertas ao comércio e seu nível de investimento como percentual do produto interno é o menor entre as dez maiores economias do mundo. A taxa de poupança brasileira é apenas cerca de 15% do PIB.
Mesmo sendo um país com potencial amplamente reconhecido como economia criativa, o Brasil direciona apenas cerca de 1% do seu PIB à pesquisa, desenvolvimento e inovação. Apesar de contar com uma sociedade vibrantemente empreendedora, o Brasil está embaraçosamente classificado no 120º lugar entre 189 países de acordo com o Relatório Doing Business do Banco Mundial, que mensura a facilidade de se fazer negócios. Isto exige medidas que vão muito além da gestão macroeconômica.
Não há dúvida de que o segundo governo Dilma deve mover-se rapidamente de volta para o chamado “tripé” de metas de inflação, responsabilidade fiscal e uma taxa de câmbio livremente flutuante. Mas também haveria que demonstrar vontade política para trabalhar em reformas estruturais, que devem ser a principal prioridade do País no biênio 2015-2016.
Isso também vale para a política externa em temas econômicos. O Brasil deve se envolver na negociação de acordos dinâmicos de livre comércio — sem as camisas de força impostas pelo Mercosul — com os EUA, a União Europeia e os países da Aliança do Pacífico, México, Colômbia, Peru e Chile.
A ineficácia do primeiro mandato de Dilma pesa sobre as perspectivas para o futuro próximo do Brasil. Mas as circunstâncias podem desempenhar algum papel construtivo no impulso para uma macroeconomia sólida, uma abordagem mais interdependente para a política externa e, pelo menos, o início do trabalho político por reformas.
Embora as chances dessa combinação virtuosa de fatores serem baixas, elas existem. Se elas entrarem em jogo, o Brasil passaria por uma espécie de “efeito arco-íris”: o impacto dos ajustes difíceis, mas necessários, seria mais do que compensado por um sentimento positivo de que o motor de crescimento do Brasil pode novamente rodar forte.
*Artigo originalmente publicado na seção “Beyond Brics”, do Financial Times. Texto cedido gentilmente pelo autor para o site do IBEF SP.