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Dorival Dourado é presidente da Boa Vista SCPC
A inadimplência tem sido uma das variáveis mais enigmáticas da economia nos últimos anos. A despeito da piora da maioria dos indicadores macroeconômicos, surpreendentemente a inadimplência tem se comportado muito bem: após grandes amplitudes em sua série histórica, a taxa de inadimplência vivencia cenário de estabilidade.
Para 2015, apesar de todas variáveis condicionantes continuarem a se deteriorar – muitas inclusive em ritmo mais intenso – a inadimplência tende a encerrar o ano muita próxima do resultado de 2014.
O racional histórico que sustenta a atual dinâmica do mercado de crédito pode ser explicado por meio da análise dos últimos dois picos de inadimplência, observados em 2009 e 2012.
Observamos no primeiro pico um elevado aumento da inadimplência dos recursos livres, mais especificamente nas categorias destinadas ao cartão de crédito e aquisição de outros bens. Este aumento ocorreu como consequência de uma grande expansão do crédito que só foi interrompida pela grave crise econômica internacional.
A inadimplência tende a encerrar o ano muita próxima do resultado de 2014
No deflagrar da crise, o ambiente tornou-se, de uma hora para outra, repleto de incertezas, com empresas cortando investimentos e, sobretudo, realizando demissões em grandes escalas. A renda da população foi impactada negativamente, contribuindo para que aqueles consumidores que, em sua maioria, possuíam pouca experiência no manuseio do crédito, não conseguissem honrar suas dívidas.
Já as causas do segundo e mais recente pico de inadimplência decorreram da flexibilização dos critérios adotados pelos concedentes. Com a exacerbação de políticas de incentivo ao crédito, que visavam o aquecimento da demanda em um período pós-crise, algumas poucas categorias de empréstimos foram expostas a um menor rigor das concessões.
Este cenário foi marcante, pois a taxa de inadimplência, medida pelo Banco Central, passou de 5,70% em janeiro de 2011 para 7,40% em dezembro do mesmo ano. E continuou a subir por todo o ano de 2012, mesmo com fatores condicionantes do crédito favoráveis. Alguns deles: baixo desemprego, aumento dos rendimentos reais dos trabalhadores, redução da taxa de juros e maiores prazos de pagamento.
Mais especificamente, o grande setor afetado foi o de financiamento de veículos. O setor liderou a expansão de empréstimos de recursos livres¹ por possuir, aparentemente, maior facilidade de garantia – o veículo já era considerado boa parte da garantia – e alto valor a ser financiado. Com o passar do tempo, verificou-se que reaver os veículos dos consumidores inadimplentes era, na realidade, muito mais complexo e custoso. Este fator levou diversos bancos a reverem sua exposição a este tipo de empréstimo.
As causas do mais recente pico de inadimplência decorreram da flexibilização dos critérios adotados pelos concedentes
Pode-se assim dizer que as “cicatrizes” causadas pelos abusos no mercado de crédito brasileiro deixaram dois legados. O ciclo de inadimplência de 2009 deixou, de certa maneira, o consumidor mais cauteloso, mais experiente para lidar futuramente com seu crédito. Já no segundo ciclo verificamos uma mudança no mix das carteiras de crédito das pessoas físicas por parte dos concedentes. Ao recalibrar seus modelos estatísticos de risco, eles acabaram redimensionando os recursos disponíveis para empréstimos para categorias menos arriscadas, como o crédito consignado e o imobiliário – modalidades consideradas de melhor qualidade devido aos maiores prazos e menores juros ao consumidor.
O aprendizado adquirido pelos episódios relatados resultou em um mercado de crédito mais saudável. Melhorou tanto a qualidade dos empréstimos como a relação do consumidor com o crédito.
A dinâmica da inadimplência contrariou as expectativas negativas do ambiente econômico, mesmo com condições econômicas pouco favoráveis nos últimos anos, tais como a menor atividade econômica, a inflação e juros em patamares elevados e a redução da demanda do consumidor por crédito – entre outras tantas variáveis adversas.
Depois do último pico de 8,2% em setembro de 2012, a inadimplência seguiu ladeira abaixo, chegando aos 6,7% em dezembro de 2013. Ao longo de 2014, observamos poucas variações na taxa, que encerrou ano em 6,5%, última aferição do Banco Central.
A dinâmica da inadimplência contrariou as expectativas negativas do ambiente econômico
Os indicadores de inadimplência da Boa Vista SCPC também apontam para o mesmo movimento nos últimos anos. Em 2013, o indicador do Registro de inadimplentes recuou apenas 0,3%, enquanto as concessões de crédito no mesmo período cresceram 7,5% em termos reais. Este indicador é medido a partir das novas dívidas não pagas dos consumidores inseridas no banco de dados da Boa Vista SCPC.
O aumento das concessões somado à estabilidade das novas dívidas resultou no recuo da taxa de inadimplência do BC ao longo do ano. Em 2014, os Registros de Inadimplentes cresceram 2,3%, mas as concessões cresceram somente 4,2%, resultando em um pequeno recuo da taxa do BC.
Para 2015, diversos desafios podem comprometer o cenário de crédito. Enquanto nos últimos três anos as razões para esse comportamento de estabilidade foram encontradas muito mais na qualidade do crédito, o ano que se segue poderá apresentar alguma piora, ainda que acreditemos ser leve. Tal fato se deve à piora específica dos indicadores macroeconômicos.
Como se sabe, estas perspectivas não são das melhores. O mercado de crédito sofrerá suas consequências diretas enquanto perdurarem as medidas corretivas tanto por parte da política fiscal quanto por parte da política monetária.
2015 poderá poderá apresentar alguma piora, ainda que acreditemos ser leve
Além de maior dificuldade em termos de tributação e acesso ao crédito, haverá um maior comedimento da demanda das famílias, retração da atividade econômica e elevação dos juros.
Somando a esses fatores, o ambiente complexo em termos de confiança na economia – que certamente contará com um alto nível de preços, elevação do desemprego e desaceleração dos rendimentos reais –, as projeções para a demanda por crédito deverão continuar em queda.
A adversidade macroeconômica neste ano é alta. Como contrapartida, os fundamentos do cenário de crédito devem se manter. Mas desta vez as dificuldades econômicas devem se sobrepor às influências da seletividade dos ofertantes e dos demandantes de crédito. Com isso, esperamos que a taxa de inadimplência eleve-se sutilmente e fique próxima de 7,0%, pouco acima da registrada em 2014.
*Após a finalização deste artigo, o Banco Central revisou a sua taxa de inadimplência, encerrando 2014 em 5,5% (ante 6,5% registrados em sua série antiga). Assim, para 2015, a Boa Vista SCPC estima que a inadimplência fique próxima a 6,0%, de acordo com a nova metodologia.