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Governança Corporativa no Brasil: tendências relevantes

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Thomas Brull é conselheiro de empresas, participante do Comitê Estratégico de Governança da Amcham e do Comitê de Conselhos de Administração do IBGC

No início do ano, sempre ficamos estimulados a fazer projetos, estimativas, olhar para frente. A governança de nossas empresas, como nunca antes, está em todas as mídias e discussões, inclusive na televisão, nos noticiários de grande audiência.

Gostaria de explorar algumas tendências relevantes no tema da governança corporativa, usando como pano de fundo os quatro princípios da governança, conforme descritos pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC):

Transparência. Desde 2008, os demonstrativos financeiros brasileiros seguem os padrões internacionais estabelecidos pelos International Financial Reporting Standards (IFRS), hoje disseminados por mais de 100 países. O grande diferencial, a partir destes padrões, é que o conteúdo predomina sobre a forma. Ou seja, em vez de seguir regras detalhadas, são julgamentos baseados em princípios que devem guiar a contabilização dos eventos, aumentando a responsabilidade dos administradores pelo correto registro das transações.

É preciso interpretar corretamente cada evento, especialmente as operações financeiras híbridas (dívida ou equity?), as fusões e aquisições (é grande a tentação de fugir de tag alongs e afins), dentre outras transações cada vez mais complexas. Conhecer com algum detalhe os princípios contábeis atuais é uma obrigação de todo administrador que conhece suas responsabilidades (inclusive legal) e de todo executivo que deseja influenciar a organização onde trabalha.

 Sempre que a operação foge do padrão comum, procuro orientação do auditor e, se necessário, da própria CVM

Um caso emblemático que envolve operações híbridas e seu impacto na vida das empresas foi o ocorrido com a Energisa, em 2011. A companhia distribuidora e geradora de energia – registrada na Bolsa brasileira desde 1907 – captou US$200 milhões em notas perpétuas, em janeiro do referido ano. Como o principal não é exigível por definição e os juros desta operação continham cláusula de diferimento do pagamento ao critério do emissor, a transação foi registrada no patrimônio líquido e não no passivo.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entretanto, exigiu a republicação dos demonstrativos. Utilizou o argumento de que, diferentemente de dividendos, os juros eram exigíveis, mesmo havendo prejuízo. Acrescentou, ainda, que embora a companhia pudesse adiar o pagamento destes juros, o contrato previa que haveria uma penalidade nesta situação. Registrar essa captação no passivo, no entanto, levaria ao descumprimento de um indicador de dívida estabelecido em sua terceira emissão de debêntures e, consequentemente, ao vencimento antecipado e imediato de suas dívidas.

A Energisa recorreu, mas acabou acatando a decisão da CVM. Não sem antes renegociar este covenant financeiro com os credores.

Outro caso interessante no Brasil refere-se à fabricante de brinquedos e produtos eletrônicos Tec Toy. A companhia consultou a CVM sobre operação semelhante, em 2004. Neste caso, seriam debêntures perpétuas também, mas pagando apenas participação nos resultados, sem forma de remuneração financeira aos detentores dos papéis. A CVM não concordou com a contabilização no patrimônio líquido. A Tec Toy recorreu, serviu-se de pareceres técnicos e teve a contabilização aprovada em 2010.

Esses casos tiveram muita influência sobre mim, e sempre que a operação foge do padrão comum, procuro orientação do auditor e, se necessário, da própria CVM.

Sobriedade e prudência devem sempre prevalecer na divulgação de informações

Prestação de contas. Os relatórios anuais tendem a ser mais completos e menos mercadológicos. É necessário refletir adequadamente os fatores positivos e também aqueles em que a companhia ainda precisa melhorar.

Acompanhando a imprensa, percebe-se que relatórios otimistas, fatos relevantes cheios de boas notícias, e que depois não se concretizam levam a processos contra os administradores. Os investidores não gostam de surpresas; querem receber informações sóbrias e objetivas sobre suas investidas.

No caso da OGX, parte dos processos movidos contra administradores, inclusive conselheiros, está baseado exatamente na divergência entre as estimativas divulgadas e a realidade encontrada. Replico fala do advogado, conforme notícia do Jornal Brasil Econômico, em 22 de agosto de 2013: “Entendemos que as informações divulgadas são subjetivas, mas há um limite para a subjetividade. A empresa tem responsabilidades perante os investidores”.

Sobriedade e prudência devem sempre prevalecer na divulgação de informações.

 Apenas 22 das 100 empresas mais líquidas da Bovespa têm regras claras para transações com partes relacionadas

Equidade. Tratar todos os interessados de forma igual, sem preferências, envolve clareza no trato das transações com partes relacionadas. Este assunto está no foco da CVM, que tem questionado cada vez mais as companhias abertas sobre a questão.

O tema envolve não só divulgar as políticas que orientam essas transações entre partes, em que haja controle societário ou econômico (familiar, de dependência, etc), mas, cada vez mais, demonstrar que essas operações são feitas em condições usuais de mercado.

Atenção especial deve ser dada no caso de fusões e aquisições entre empresas de controle comum e com minoritários diferentes. Segundo o Anuário de Governança das Companhias Abertas, da Revista Capital Aberto, apenas 22 das 100 empresas mais líquidas da Bovespa possuem regras claras para transações com partes relacionadas.

Adiantar-se aos demais nesses temas é aumentar sua reputação e credibilidade.

A Lei 12.846/2013 é a face mais visível do compliance

Responsabilidade Corporativa. Aqui aparecem duas tendências importantes, ambas de curto prazo. A primeira é o compliance, a necessidade da organização não só ter regras e processos formalmente implementados, mas também garantir que eles sejam realmente cumpridos. A Lei 12.846/2013 é a face mais visível do compliance.

A segunda tendência relevante é a necessidade de uma gestão de riscos mais efetiva. Tema tradicional em bancos, chegou mais recentemente às empresas não financeiras. Ainda não se espalhou como deveria, mas cada vez mais os conselhos estão se preocupando com o assunto, inclusive criando comitês específicos.

Vamos discorrer sobre estes temas no próximo artigo.

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