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Aumento de juros prejudicaria o próprio futuro do regime de metas de inflação

MACROECONOMIA

 

Por Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco.

 

 

Julgo que este seja o momento mais adequado para firmarmos posição sobre a trajetória e o papel da política monetária. Esse tema, na minha visão, é frequentemente tratado com dogmatismo por uns e ideologicamente por outros.

No dia 20 de janeiro, havia expectativa de que o Banco Central muito possivelmente aumentasse a taxa Selic em 50 ou 25 pontos dentro de um ciclo que poderia chegar a 200 pontos básicos, segundo alguns colegas analistas do mercado financeiro. Eu pessoalmente, mesmo com visão contrária ao aumento de juros neste momento (defenderia os juros inalterados no patamar atual por um tempo prolongado), acredito que o ciclo de alta, caso de fato ocorra, talvez se limite a um máximo de 100 pontos.

Simplesmente, porque, na minha leitura, esse ciclo tem um papel essencialmente ritualístico e formal (necessidade de alguma reação da autoridade monetária diante da deterioração das expectativas para proteger a reputação da autoridade monetária depois da mudança de ministro da Fazenda), sem qualquer efetividade nos seus supostos objetivos de fazer de fato convergir as expectativas para os limites estabelecidos para o regime de metas tal como foi implantado no Brasil.

Aqueles que acompanham meus artigos regulares e palestras sabem perfeitamente que sou um grande admirador do regime de metas de inflação pelo seu papel disciplinador. Gosto muito de regras e instituições que funcionem de fato e acho que a sociedade deveria investir cada vez mais em novas regras em vários planos. Isso vale para a busca da estabilidade monetária, para o equilíbrio fiscal e para a previsibilidade de contratos em geral.

Nunca vi, na minha observação permanente das ações do Bacen nos últimos 16 anos, qualquer preocupação fiscal que abalasse o seu processo decisório técnico

No caso específico do regime de metas, sou até bastante radical porque faz bastante tempo que venho defendendo que haja uma revisão para baixo da meta de inflação a cada 4 anos em 0,25 ponto percentual, reconhecendo que a meta de inflação atual é muito alta e que precisamos construir pontes graduais para que a meta, em uma década e meia, aproximadamente, convirja para padrões como o chileno, em torno de 3%.

Defendo, por exemplo, que o governo anuncie que a meta de inflação a partir de 2019 será 4,25%, e realize assim a cada quatro anos uma revisão para baixo. Realismo é absolutamente fundamental nesse tema, dada a impressionante rigidez à baixa da inflação no Brasil. Voluntarismos não resolvem o problema da rigidez inflacionária no Brasil. Só reformas e construções institucionais darão conta disso.

Todos sabem também de minhas críticas fortes ao uso do arcaico sistema do “ano-calendário” como horizonte de alcance da meta de inflação. Algo que não se vê em mais de 40 países que utilizam o regime de metas. O critério mundialmente mais usado é o de “horizonte de médio prazo” ou de “horizonte indefinido”.  A credibilidade da autoridade monetária não pode ser medida a cada “ano-calendário”. A credibilidade deve ser permanente e construída com comunicação de qualidade e franqueza em relação às dificuldades e aos desafios que se interpõem ao trabalho dos policy makers.

Além disso, é preciso deixar claro mais uma vez que estou em desacordo com a tese de que o Banco Central do Brasil opera sujeito à dominância fiscal. Essa tese não encontra respaldo em nenhuma evidência empírica, haja vista que os gastos com juros no Brasil são há décadas pelo menos 3 pontos percentuais de PIB acima da média mundial e mesmo de países emergentes.

Nunca vi, na minha observação permanente das ações do Bacen nos últimos 16 anos (regime de metas inaugurado em 1999), qualquer preocupação fiscal que abalasse o seu processo decisório técnico. Portanto, minhas opiniões neste artigo não se amparam no argumento de que a política monetária impõe um alto custo à sociedade e por isso necessitaria ser revisada. Apesar de reconhecer o pesado custo dos juros no Brasil, não passam por aí minhas considerações a seguir sobre a inoportunidade de aumento de juros nas circunstâncias atuais.

A tese mais ouvida atualmente é a de que, caso o Bacen não aumente os juros, isso “vai custar mais caro lá na frente”. Ora, permito-me perguntar: mais caro do que o que?

Olhando para o momento que o Brasil atravessa, considero que todos os argumentos frequentemente apresentados em defesa do aumento de juros no momento atual são frágeis. Há uma visão de que se as expectativas de inflação em determinado horizonte de “ano-calendário” ultrapassarem os limites impostos pelo regime de metas, o Banco Central deverá agir para que as expectativas voltem a convergir para os objetivos.

É o caso agora, no qual as expectativas de inflação já superaram os 6,5% em 2016.   Em condições normais, é compreensível a defesa de uma pronta reação do Banco Central. Mas não vivemos uma situação normal. Muitíssimo longe disso. Seria o mesmo que concordar que a autoridade monetária devesse tapar os olhos e focar estritamente no seu objetivo de forjar, de forma heroica, novas expectativas de inflação (uma das pedras angulares do regime de metas) qualquer que seja o ambiente macro e social.

Assim, a tese mais ouvida atualmente é a de que, caso o Bacen não aumente os juros, isso “vai custar mais caro lá na frente”. Ora, permito-me perguntar: mais caro do que o que?

Parece-me que nada é “mais caro” ou mais grave do que a situação atual depressiva que atravessa a economia brasileira, minando cada vez mais a percepção global de risco-Brasil. Uma retração do PIB em torno de 4% em 2015 e 2016, o maior nível de ociosidade industrial da história, o menor nível de pedidos em carteira da história, o menor grau de confiança de agentes econômicos (sejam empresas ou consumidores) da história, aumento de cerca de 50% em pedidos de recuperação judicial e a maior queda de PIB desde 1900, considerando uma média móvel de 4 anos.

Se a preocupação dos formuladores de política econômica for com os benefícios futuros de suas ações, nada mais prioritário e urgente do que evitar a continuidade do processo de destruição de riqueza produtiva e do abalo inédito que se observa hoje no Brasil na confiança dos agentes econômicos em relação ao longo prazo.

Crises de confiança no curto prazo já foram observadas várias vezes no país, mas crises de confiança no médio e longo prazos, como a atual, são inéditas no Brasil. Precisa ser revertida urgentemente. Essa é a maior das prioridades.

Não tenho dúvidas quanto à trajetória de desinflação que ocorrerá na economia brasileira em 2016 e 2017. Afinal, não há fogo sem oxigênio

Além disso, estou convencido de que o benefício de se aumentar juros agora será virtualmente nulo, na medida em que nada alterará o cenário de inflação já contratado pela necessária regularização dos preços administrados e pela mega depreciação cambial e menos ainda em termos de expectativas de inflação, que não se moverão em um ambiente de forte indexação.

Imaginar que em um horizonte de um ano se absorveria uma depreciação cambial de 50%, um aumento de energia elétrica de 50%, um aumento de combustíveis de cerca de 25% e de custos de habitação de 18% entre outros ajustes de preços relativos não parece razoável. Isso não é tarefa que se resolva em um rígido horizonte de um ano-calendário a despeito da recessão.

Importante mencionar que não tenho dúvidas quanto à trajetória de desinflação que ocorrerá na economia brasileira em 2016 e 2017. Afinal, não há fogo sem oxigênio. A inflação desacelerará a partir de março e, na hipótese que defendo de juros inalterados, será feita naturalmente uma correção de juros reais para cima. Esse afinal é um dos argumentos de quem defende a elevação de juros já.

Qual seria o critério para se distinguir uma situação macroeconômica e social normal de uma anormal? O bom-senso sugere que a autoridade monetária, assim como analistas qualificados, saberá perfeitamente fazer essa distinção. Tenho certeza de que ninguém, nem mesmo os diretores do Banco Central, divergiria do reconhecimento de que o momento atual é gravemente anormal.

A economia brasileira está atravessando uma ampla crise corporativa agravada pelos episódios variados envolvendo a operação lava-jato, pela recessão sem precedentes e por um cenário internacional que talvez caminhe para uma recidiva da crise de 2008. Cedo para ter certeza disso, mas a situação global é feia. Qual valia tem para a sociedade e para o País uma política monetária que negligencia a imensa destruição de riqueza a que estamos assistindo no Brasil?

A credibilidade de qualquer Banco Central, nessa circunstância, deveria passar pelo reconhecimento de que o maior problema do Brasil hoje é a destruição econômica em curso, com sequelas graves em relação ao seu futuro. Um regime de metas que não saiba lidar com a extraordinária peculiaridade de um país sob escombros tem pouca serventia. Daí a insistência na tese de que aumentar juros, neste momento, me parece um contrassenso.

A rigor, qualquer preocupação com o curto prazo, seja inflação de curto prazo, seja ajuste fiscal de curto prazo, não me parece fazer sentido neste momento. Seria uma “vitória de Pirro”, aquela que equivale exatamente a uma derrota. Todo o foco das políticas monetária e fiscal deveria estar integralmente voltado para o médio e o longo prazos.

Organizar uma verdadeira agenda de combate à rigidez inflacionária deveria ser a prioridade nacional e não se iludir quanto ao papel salvacionista desse ou daquele agente econômico

Inflação de médio e longo prazos convergindo para a meta de 4,5% em 2017 ou 2018 e fiscal somente focado em medidas que tenham alcance de médio e longo prazos. Elas seriam: uma razoável reforma da previdência, a criação de um teto para o crescimento dos gastos públicos ex-previdência não superior ao crescimento do PIB nominal; uma verdadeira agenda para a desindexação progressiva dos contratos e dos salários, desmonte gradual de estruturas oligopolistas via atuação do CADE; combate ao dualismo do mercado de crédito e abertura ousada da economia, entre outras muitas reformas referentes ao aumento da produtividade e da eficiência. Essas sim são as ações efetivamente relevantes para reconstruir a confiança e retirar o Brasil do atoleiro atual.

Neste particular momento, não vejo como um problema relevante que a inflação de curto prazo e as expectativas de inflação de 2016 ultrapassem por alguns centímetros o teto da meta.

Perseguir uma convergência da inflação para os limites do regime de metas em 2016 (ou seja, teto de 6,5%) é algo que acaba sendo nocivo ao verdadeiro ajuste macroeconômico que deve ser visto como um todo. Além disso, a defesa intransigente da meta no critério “ano-calendário” destrói o verdadeiro sentido do regime de metas que pressupõe a cumplicidade dos agentes econômicos com um objetivo que deve ser intertemporal e não de curto prazo.

O País precisa defender o regime de metas, aperfeiçoando-o urgentemente. Não deveríamos deixar que ele fosse destruído por ineficiência e falta de significado para a sociedade e para os agentes econômicos, como ocorre atualmente. Aumento de juros no contexto atual contribui para um silencioso desmantelamento progressivo do regime de metas no seu objetivo precípuo que é mobilizar os formadores de preços e de salários na direção correta, e essa direção não pode ser determinada em um horizonte temporal de um ano. Isso se faz via comunicação franca e de qualidade.

Seria o mesmo erro que se comete ao se defender gerar heroicamente um primário determinado no ano calendário em que a economia está em frangalhos com queda de PIB de 4% em 2015 e algo parecido previsto em 2016. É surpreendente que alguns ainda defendam um primário já no curto prazo. Importante e relevante são as reformas estruturais que construam horizontes e não soluções paliativas que podem ser revertidas mais adiante.

Resumo da ópera: todo ajuste econômico é um ajuste macro e não pode ser tratado de forma heroica e isolada por esse ou aquele agente formulador de política econômica. Organizar uma verdadeira agenda de combate à rigidez inflacionária deveria ser a prioridade nacional e não se iludir quanto ao papel salvacionista desse ou daquele agente econômico.

Defender que o Banco Central mantenha a taxa Selic inalterada não deve jamais ser confundido com leniência com a inflação. Muito pelo contrário. Considero que a inflação cairá com ou sem aumento de juros e isso é muito bom. Considero apenas que aumentar os juros agora será um auto-engano com consequências financeiras relevantes para as empresas em um contexto onde a maior das prioridades é reverter a crise de confiança e construir um ambiente mais propício à retomada futura.

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