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MACROECONOMIA
Por Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco.
Estamos todos muito impressionados com a reação do mercado aos episódios recentes que envolveram ações policiais na chamada operação Lava Jato. Com toda a nossa distância em relação a qualquer juízo de valor (não nos cabe qualquer posicionamento a respeito), o que me chamou a atenção foi a reação do mercado. Essa foi tão acentuada na reprecificação de ativos que alguém poderia subentender que, em caso de uma mudança política relevante, todos os problemas e desafios econômicos subitamente seriam dissipados.
Ainda que isso seja altamente improvável na minha visão, o episódio foi revelador do peso que o cenário político tem tido na leitura que os agentes de mercado e investidores estrangeiros têm a respeito do potencial de melhora da economia brasileira em um ambiente político mais previsível.
Nas duas últimas semanas, tivemos sinais bastante emblemáticos que redefinem, de forma substantiva, o cenário macroeconômico prospectivo. Apesar das dificuldades de aprovação de medidas relevantes na área fiscal, em função da visível turbulência política, está em curso uma leitura dos agentes econômicos de que mudanças ocorrerão no ciclo político brasileiro dentro de um horizonte que, apesar de imprevisível possivelmente, não será demasiado longo.
Há uma visão se generalizando de que, até o final de 2018, teremos mudanças necessariamente para melhor na governança e no endereçamento de agendas relevantes do País
Entendo que muito mais do que mudanças políticas de curto prazo que podem ou não acontecer, o que está amplamente precificado é uma mudança na governabilidade e no fim de uma longa era política que foi caracterizada pelas políticas econômicas classificadas como heterodoxas ou excessivamente intervencionistas.
Há uma visão se generalizando, sobretudo na ótica do investidor externo, de que, até o final de 2018, teremos mudanças necessariamente para melhor na governança e no endereçamento de agendas relevantes do País, que fazem valer a pena apostar as fichas nesse cenário. Em outras palavras, o investidor doméstico e externo entende que a situação só poderá melhorar, esgotado um determinado ciclo político.
Em que pese a previsível deterioração da relação dívida/PIB (devido às dificuldades de ajuste fiscal e um PIB que terá uma queda muito próxima daquela observada em 2015), poucos veem de fato riscos de insolvência em um País que detém US$ 375 bilhões de reservas cambiais, e que sequer encurtou muito o prazo médio da dívida mobiliária pública (artifício histórico brasileiro em caso de crises percebidas como de insolvência). E que só depende de um mínimo de coesão no Congresso para aprovar medidas fiscais relevantes de caráter intertemporal.
O ambiente global de juro zero ou mesmo de juros nominais negativos (Japão e Europa) favorece essa espera e esse tipo de aposta em ativos de dívida e de bolsa considerados atrativos no Brasil. O fato de que a moeda brasileira já se depreciou de forma significativa em 2015, levando a um provável saldo comercial estimado próximo de US$ 50 bilhões, e a um déficit em conta corrente praticamente zerado em 2016, gera um consenso de que a moeda brasileira não tem muito espaço para depreciações adicionais. Os termos de troca melhorando (preço de produtos exportados cai menos do que o preço dos produtos importados) e os investimentos diretos estrangeiros sendo revisados para cima (ciclo de aquisições relevante) corroboram essa leitura de que a moeda brasileira tem até mesmo algum espaço para apreciação.
O mercado já precifica quedas relevantes nas taxas de juros, o que ajuda a descartar uma deterioração maior da situação fiscal
A queda do risco-Brasil, medida pelo CDS, devido à leitura de que haverá mudança política para melhor na ótica do mercado, sugere igualmente alguma apreciação do Real. Isso confere algum conforto ao investidor em títulos e ações. Ou seja, a visão alentadora do futuro justifica o comportamento dos investidores no momento presente.
Paralelamente, estamos vendo se confirmar gradualmente a tendência de alguma melhora dos índices de inflação corrente (e muito possivelmente das expectativas nas próximas medições), devido à dimensão da desaceleração observada e à menor intenção de repasses de custos por parte das empresas (nossa pesquisa proprietária, que entrevista mais de quatro mil empresas por mês, indica isso).
A apreciação recente do Real, as melhores condições hídricas que já reduzem as pressões do preço da energia elétrica (bandeira verde em abril) e um certo alívio no preço dos alimentos têm dado ao mercado a percepção de que o ciclo de afrouxamento monetário por parte do Banco Central se iniciará mais cedo do que se poderia imaginar. O mercado já precifica quedas relevantes nas taxas de juros, o que ajuda a descartar uma deterioração maior da situação fiscal e, portanto, da relação dívida/PIB.
Não parece ousado considerar que os juros possam cair no mínimo 200 pontos básicos ainda em 2016 e apontar para um patamar, quem sabe, de um dígito ao final de 2017 ou início de 2018. Nesse ambiente de taxa de câmbio menos pressionada, e pelos fatores já mencionados, algo que parecia improvável poderá ocorrer: a inflação terminar o ano abaixo do teto de 6,5% e chegar bem próxima ao centro da meta de 4,5% em 2017.
Tudo isso é uma reviravolta, considerando o ambiente bastante negativo vigente há poucas semanas. Não pairam dúvidas de que o agravamento da crise política (percepção de mudanças aparentemente irreversíveis mesmo que a médio prazo), combinado com o ambiente global de juro zero, a queda da inflação corrente, o ajuste externo sem precedentes com déficit externo zerado breve, a melhora nas relações de troca, os juros em queda, o preço de ativos considerados atrativos em um mundo em estagnação e com a penúria de oportunidades, tudo isso se sobrepõe amplamente ao reconhecimento de um grande desafio fiscal para estabilizar a relação dívida/PIB.
Temos um amplo conjunto de indicadores sugerindo que, muito possivelmente, o pior tenha ficado para trás
Claro que a agenda relevante de reformas no Brasil sequer começou, mas a visão não verbalizada dos agentes de mercado é aquela que venho defendendo nessa coluna faz alguns meses: não há no Brasil nenhum problema que, friamente, mereça ser classificado como insolúvel. Tudo passa por alguma coesão política mínima, na medida em que as reformas necessárias (particularmente, reforma da previdência, teto para a taxa de crescimento do gasto público, desvinculações orçamentárias, abertura da economia etc) poderão avançar substancialmente nos próximos anos.
Há incentivos, inclusive da oposição realmente programática ao governo, de que seria um desperdício se esperar um novo ciclo político em 2019 para se iniciar da estaca zero um conjunto de reformas. O País tem pressa.
Mesmo sabendo que o ciclo de recuperação da atividade será bastante longo, há alguns green shoots (“brotos verdes”, no jargão de início de alguma modesta reação ou interrupção da piora da atividade). Temos já um amplo conjunto de indicadores sugerindo que, muito possivelmente, o pior tenha ficado para trás. Estoques caindo, pedidos em carteira estabilizados (é bem verdade, em patamar baixo), redução do grau de pessimismo empresarial no próprio negócio olhando seis meses à frente, os dados das sondagens da FGV e da CNI mostrando alguma estabilidade, igualmente em patamares baixos, e a retomada gradual de exportações de alguns setores mais cedo do que imaginávamos, apesar da demanda mundial fraca.
Esses dados estão longe de sugerirem recuperação da economia. Sabemos que para alguns setores, ainda há ajustes importantes a serem feitos, inclusive do ponto de vista da redução de pessoal. No entanto, não deixa de ser uma informação relevante a percepção de que não deveremos ter uma piora adicional.
Parece que há algo novo no horizonte empresarial e dos investidores, que precisaremos seguir monitorando com lente de aumento
Historicamente, sabemos que o canal de recuperação da confiança transita do mercado financeiro para as empresas do chamado lado real da economia. Se por ventura, se confirmar o cenário que mencionamos anteriormente sobre a melhor leitura do mercado sobre preço de ativos em geral, é plausível supor que isso reverberará mais rapidamente junto à comunidade empresarial, que poderá reavaliar seus planos de médio e longo prazos.
Na ponta mais conservadora, sabemos que do pico do nível de atividade atingido em março de 2014 (ótica do PIB), depois da forte queda observada até os dados recentes de cerca de 8%, só recuperaremos de volta esse patamar de pico em torno de 2020. Isso utilizando as projeções médias de PIB coletadas pelo Boletim Focus.
Evidentemente que há setores que podem se recuperar mais rápido do que outros, mas não devemos nos iludir quanto ao timing da volta ao patamar máximo de atividade econômica que atingimos em março de 2014.
Finalmente, a preocupação maior está na saúde das empresas, uma vez que uma eventual continuidade da desaceleração econômica nos anos vindouros poderia levar a uma situação bastante grave com relevantes impactos macroeconômicos. Não que a situação corporativa não mereça ser tratada como muito difícil financeiramente, mas as empresas privadas brasileiras de médio e grande porte já iniciaram faz tempo um forte “ajuste fiscal privado” e estão em plena rota de inequívoca desalavancagem.
Isso tem o lado bom, porque cria condições futuras de balanço mais previsíveis, porém no curto prazo acentua o ajuste real da economia. Toda cadeia de óleo e gás e a de construção civil estão ainda vivendo o rescaldo de uma grave crise por diferentes circunstâncias. E só poderão voltar a exercer algum papel de dínamo na economia brasileira, assim que concluir seus ajustes, ainda inconclusos.
De uma forma sintética, parece que há algo novo no horizonte empresarial e dos investidores, que precisaremos seguir monitorando com lente de aumento.