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Na batalha pela redução de despesas e melhor gestão das políticas de saúde, a tecnologia surge como uma grande aliada.
Em um cenário econômico adverso, as companhias buscam ainda mais eficiência na utilização de seus recursos. Uma das linhas de custos mais desafiadoras é a dos benefícios de saúde para os empregados, face a alta inflação médica crescendo muito acima do índice oficial de preços do país. Na batalha pela redução de custos e melhor gestão das políticas de saúde, a tecnologia surge como uma grande aliada.
Rota insustentável – Se nenhuma providência for tomada, os gastos com saúde no Brasil poderão se tornar insustentáveis. O alerta, já ecoado por especialistas do setor, foi reforçado no último mês de abril, por um estudo divulgado pelo Instituto Coalizão Saúde. A análise projeta que, se continuarem no ritmo atual, os gastos com saúde poderão saltar do atual patamar de 9% do PIB para 20% a 25% do produto interno bruto do País em apenas 13 anos (2030).
Para se ter uma ideia do forte ritmo de crescimento desses custos, enquanto a inflação ao consumidor acumulada em 12 meses até abril de 2017 cresceu 4,08%, no mesmo período os preços de saúde e gastos pessoais subiram mais que o dobro: 8,91%.
Desafios para os gestores – Esse cenário coloca desafios para as empresas, que tentam combater o aumento descontrolado dos gastos com saúde de várias formas: campanhas de conscientização e prevenção para funcionários, mudança da qualidade dos planos oferecidos e, ainda, a substituição dos seguradores ou operadores – ou mesmo a implementação da autogestão.
A tendência é de uma participação cada vez maior das empresas nestes temas, ressalta Eliane Kihara, sócia líder de Consultoria em Saúde da PwC. ¨Seja ao trabalhar junto com as operadoras escolhidas para poder administrar melhor o benefício de saúde daquela população, bem como envolver o funcionário em iniciativas para uma vida mais saudável¨.
A falta de integração das informações no sistema de saúde brasileiro também é um problema a ser enfrentado, destaca Eliane. O atendimento primário costuma ser desconectado do atendimento secundário, o que prejudica o acompanhamento e a transparência das informações para quem tem que desembolsar os recursos.
¨A empresa não consegue ter uma visão clara sobre a jornada daquele paciente dentro do sistema. O gestor sabe a conta que terá que pagar, mas dificilmente é informado sobre o que de fato foi feito em benefício daquele usuário¨, afirma a especialista. Eliane acrescenta que os diretores financeiros têm papel importante a cumprir no mercado, exigindo mais transparência dessas informações aos prestadores de serviços.
Inovação como aliada – A tecnologia tem potencial para dar uma grande contribuição nesse sentido. ¨Plataformas que conseguirem ajudar nessa integração de informações beneficiarão muito o sistema de saúde como um todo e ajudarão a torná-lo mais eficiente¨, completa a sócia da PwC.
Para Cláudio Terra, diretor de inovação do Hospital Albert Einstein, os avanços tecnológicos podem contribuir para melhorar o acesso da população aos serviços de saúde, via digitalização e telemedicina, e também reduzir as pressões de custos sobre os atores do sistema. ¨Do ponto de vista do paciente, é ganho de qualidade no atendimento, mais oportunidades de acesso e melhor custo¨.
O Hospital Albert Einstein tem dado sua contribuição para que mais inovações cheguem ao mercado. A instituição possui um programa, vigente há três anos, que seleciona startups com potencial de tecnologia inovadora em saúde. ¨Já conversamos com 800 startups no Brasil, e depois de vários filtros, firmamos parceira com 12¨, conta o diretor.
O primeiro crivo pelo qual passam as candidatas é se a startup está desenvolvendo solução de grande impacto na área de saúde, e qual o potencial de sua equipe para o desenvolvimento da solução. Em seguida, o hospital analisa como pode agregar valor ao projeto, aprimorando os recursos existentes: desenvolvimento com a equipe de P&D, avaliação da efetividade (testes clínicos), integração e alinhamento estratégico com as iniciativas do hospital. “É um trabalho conjunto¨, assinala o diretor.
Soluções disruptivas – Um exemplo de companhia que participa deste programa de inovação é a Sollis. A empresa criou uma plataforma eletrônica de pedidos médicos, com foco na segurança do paciente. A plataforma, hospedada na nuvem, é gratuita para pacientes e médicos, e se interliga a redes de farmácias e de exames laboratoriais.
Basicamente, a Sollis registra todo o ¨fluxo¨ do usuário cadastrado na utilização de serviços de saúde: prontuário, prescrição médica, compra de medicamentos, exames e procedimentos autorizados. Assim, por exemplo, uma empresa poderá acompanhar com total transparência a utilização dos benefícios concedidos aos funcionários.
A plataforma utiliza uma robusta base de dados sobre medicamentos e elementos de inteligência artificial. O que permite alertar o médico, no momento da prescrição, sobre os riscos de interações medicamentosas para aquele paciente. Além disso, poderá informar sobre descontos disponíveis em farmácias para a compra daquele remédio.
Todos os custos da assistência crescem quando não se oferece o tratamento adequando ao paciente, principalmente na atenção básica, destaca Waldir Corrêa, CFO e sócio da Sollis. ¨A plataforma minimizará erros, fraudes, interações medicamentosas e suas implicações negativas no absenteísmo, internação, judicialização e logística de atendimento. Por consequência, trará redução de custos e maior previsibilidade para as empresas, e uma maior aderência nas prescrições e no tratamento dos funcionários¨, completa Corrêa.
Inteligência artificial a serviço da saúde – A plataforma utiliza elementos da computação cognitiva – conceito referente a sistemas capazes de analisar, em milésimos de segundos, uma gigantesca base de dados estruturados e não estruturados, fazer correlações entre eles, e oferecer insights para auxiliar a tomada de decisão humana. Vários de seus componentes estão sendo desenvolvidos em parceria com a IBM.
¨Facilitar esse fluxo de informações entre plano de saúde, farmácia e médico é algo que permite ganhos de eficiência para todo o sistema. Tecnicamente, a computação cognitiva também possibilita realizar uma associação entre o diagnóstico e a receita, mas alguns desses componentes ainda estão em produção ou fase de testes¨, ressalta Marco Lauria, vice-presidente de Soluções Cognitivas da IBM América Latina.
Veja outros exemplos de uso da computação cognitiva para aumentar a eficiência na área de saúde:
Watson for Oncology – O sistema, desenvolvido pela IBM especialmente para esse fim, tem o objetivo de auxiliar médicos no tratamento de câncer. Estima-se que mais de 8 mil procedimentos são criados a cada semana, o que tornaria impossível para um médico acompanhar todas as novidades em tempo real. Com a ferramenta, ele tem rápido acesso ao que há de mais atual sobre o tema e os tratamentos recomendados de acordo com o perfil de cada paciente, amparando sua tomada de decisão.
Dr. Cuco – Propondo-se a ser a primeira ¨enfermeira digital¨ do país, o aplicativo brasileiro cria alarmes para auxiliar o paciente a tomar os remédios prescritos na hora e dias certos. Integrado com a tecnologia de computação cognitiva, o aplicativo também ajuda o usuário a tirar dúvidas sobre o tratamento de doenças. É gratuito para pacientes, e possui modelo pago voltado a hospitais e operadoras de saúde.
Watson for Genomics – A solução usa computação cognitiva para auxiliar os médicos a identificar medicamentos e ensaios clínicos relevantes com base em alterações genômicas de um indivíduo e dados da literatura médica. Em 2016, o Fleury Medicina e Saúde e a unidade IBM Watson Saúde na América Latina firmaram parceria para testar e validar a plataforma no Brasil.
Watson for Drug Discovery – Também hospedada na nuvem, a solução utiliza a computação cognitiva para disponibilizar visualizações dinâmicas e classificações de pesquisas da área clínica, com base em informações extraídas dos mais recentes artigos científicos, periódicos médicos, livros e registro de patentes. A IBM e a farmacêutica TheraSkin firmaram em 2016 parceria para a indústria brasileira utilizar a plataforma no desenvolvimento de novos medicamentos e dermocosméticos.
Para Marco Lauria, já existe capacidade técnica para fazer correlações entre as mais diversas e ricas bases de dados na área de saúde, incluindo as geradas pelo próprio usuário – por meio de tecnologia vestível (wearable), como os relógios inteligentes. ¨Respeitadas as questões legais referente ao sigilo dos dados, e a existência de uma plataforma que concentre essas informações, o potencial é enorme para se fazer análises cada vez mais sofisticadas e profundas, que ajudem as empresas a obter mais eficiência na gestão desses recursos e promover ações efetivas para melhorar a qualidade de vida e bem-estar de seus funcionários¨.
Tecnologia e custos
Segundo Daniel Greca, gerente sênior da Divisão de Healthcare da KPMG, a tomada de decisão de um CFO na área médica é complexa, já que tem impacto direto na saúde de quem recebe o serviço na ponta da cadeia. De acordo com o executivo, esse profissional precisa achar o equilíbrio entre garantir entrega de valor ao paciente e, ao mesmo tempo, gerenciar o resultado da organização que representa.
A tecnologia vem para ajudar nesse processo, mas muitas pessoas ainda acreditam que essa ferramenta é responsável pela inflação médica. Para Greca, isso é um enorme equívoco. “O objetivo da tecnologia é ligar os pontos, pegar informações que estão altamente fragmentadas de forma que você consiga colocar isso em um modelo de inteligência e o CFO possa tomar decisões que gerem eficiência e valor”. Sobre essa entrega de valor na saúde, o especialista entende que acontece quando o paciente recebe o que de fato precisa, no custo correto, sem excessos.
Já o crescimento alarmante da inflação médica é um problema de cadeia e como ela é remunerada. Embora as operadoras de saúde desempenhem um papel de fonte pagadora, os empregadores têm que se reinventar para assumir esse aumento de custo, explica Greca.
Uma das saídas é mudar a forma como a cadeia é remunerada, tendo em vista que hoje um prestador de serviço ganha por volume: quanto mais procedimentos, mais receita. “Esse modelo é perverso. Ele faz com que o hospital opere orientado a volume e não por valor”.
Em alguns países, já é uma realidade hospitais que são remunerados por performance e entrega de valor. “No meu ponto de vista, esse é o caminho mais curto para conseguir tornar a cadeia financeiramente sustentável. E para remunerar por valor, a tecnologia é fundamental, pois eu preciso conhecer os meus custos, os meus pacientes e quais são as suas reais demandas”, ressalta o especialista.
Talvez um dos maiores casos de sucesso seja como governo de Nova York, nos Estados Unidos, tem transformado, ao longo dos anos, seu modelo de serviço assistencial. Com a cadeia antes orientada a volume, líderes do governo perceberam que a inflação médica subia dois dígitos anualmente. Para combater esse aumento, congelou-se o orçamento e investiu-se pesado na cadeia orientando-a a valor.
Greca explica que, após o congelamento dos gastos feito pelo governo nova-iorquino, iniciou-se uma transformação em todo serviço assistencial de forma que o mesmo fosse orientado ao paciente, colocando-o no centro do sistema. Tal projeto começou em 2013 e ainda está em andamento. Mesmo assim, dados já mostram uma redução nos gastos com saúde.
¨Uma vez que se migra do modelo tradicional de fee for service para fee for value, a cadeia automaticamente se organiza e começa a executar com base em protocolos devidamente validados tendo sua remuneração baseada no desfecho clínico. Tal processo é longo e exige muita transparência entre os players da cadeia. Como consequência e benefício direto, temos diminuição de fraude, controle dos gastos e garantia de valor na entrega para quem está recebendo o serviço na ponta, o paciente¨, destaca o gerente sênior da Divisão de Healthcare da KPMG.
O especialista acrescenta que essa transformação requer o uso da tecnologia para que seja feito um bom diagnóstico populacional e engajamento de todo corpo clínico e não clínico, pois se trata também de uma mudança cultural.¨A grande barreira, porém, é que uma transformação como essa requer arrojo, interesse de todos os players da cadeia e pensamento de longo prazo¨, arremata Greca.
(Reportagem: Débora Soares /Fotos: Arquivo/Divulgação)