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Aumento de prudência na relação entre as partes reflete no crescimento da contratação do seguro D&O
Não faltam esforços para mensurar os impactos econômicos da Operação Lava Jato em diversas frentes. Consultorias financeiras criam fórmulas para apontar a influência negativa no PIB, enquanto entidades calculam a quantidade de empregos ceifados. É difícil chegar à exatidão em meio ao emaranhado de fatores que têm abalado a economia.
Entre executivos e empresas, boa parte desses impactos converge em uma palavra: cautela. Esse ambiente tem favorecido o aumento das vendas do seguro D&O (Directors and Officers), que dobrou de volume nos últimos cinco anos.
Nos processos seletivos, CFOs e demais executivos financeiros passaram a avaliar de forma minuciosa o ambiente em que irão trabalhar. Ao analisarem uma proposta de emprego, levam em consideração, além da remuneração e saúde dos balanços financeiros, os valores e políticas de governança das contratantes.
É uma maneira de garantir que irão desempenhar suas funções sob condições éticas. “Hoje, o profissional também entrevista a companhia para compreender não só o que está nos números, mas quais são os valores ali defendidos, com quais critérios as decisões são tomadas, e buscam também conhecer detalhes do setor em que estão inseridas, como o nível de regulamentação vigente, por exemplo”, destaca Alexandre Benedetti, diretor executivo da Talenses.
A reputação do executivo perante o mercado é o ativo mais valioso em sua carreira, ressalta Benedetti. Quando as empresas efetivam uma contratação, também estão comprando essa confiabilidade.
As companhias, por sua vez, investigam com mais afinco o histórico dos profissionais em que estão interessadas, em busca também de preceitos éticos. Depois do início da Lava Jato, as organizações passaram a dar ainda mais importância a esse quesito durante o processo de investigação que antecede a contratação.
Companhias e executivos estão se munindo de informação para reduzir, ao máximo, os riscos.
Desistência de posições – Empresas de recrutamento observaram também um aumento no número de profissionais que decidiram deixar uma organização após constatarem práticas das quais não compactuam. “Isso tem ocorrido não só com os CFOs, como também com diretores do jurídico e do comercial, que estão mais expostos a esse tipo de situação”, pontua Fernando Andraus, diretor executivo da Page Executive.
Neste contexto de precaução, houve aumento significativo na contratação de seguro D&O para CFOs e os demais executivos de primeira linha – vice-presidente, diretor de operações – especialmente aqueles que têm responsabilidade estatutária.
Crescimento do seguro D&O – No mercado brasileiro desde 1990, essa modalidade de seguro é estabelecida por meio de contratos elaborados sob medida, em acordos que geralmente preveem a cobertura de gastos de uma defesa judicial – decorrente de um erro de gestão – a partir do momento em que é imputada uma culpa para a empresa na qual o executivo trabalha ou para o próprio. Eventualmente, os acordos contêm cláusulas que evitam a exposição do patrimônio do executivo.
“Pelas pesquisas que já realizamos, percebemos que número de profissionais que contam com esse seguro dobrou nos últimos cinco anos”, afirma Andraus.
Os dados da Page Executive estão em linha com a percepção de Luciano Calheiros, CEO da Swiss Re Corporate Solutions Brasil. “O D&O se destaca como uma das carteiras que mais crescem no mercado de seguros. Tanto é que estamos na fase final para lançamento do D&O e estudamos novos produtos e soluções para este mercado”, afirma.
A maioria dos ressarcimentos no Brasil são relacionados a questões tributárias, fiscais, ou ao descumprimento de normas impostas por órgãos reguladores. Vale destacar que em nenhuma circunstância esse seguro cobre atitudes de má-fé.
Apesar do aumento das adesões ao seguro – somente as companhias podem contratá-lo e asseguram cargos, não nomes – uma parcela dos executivos ainda subestima a cobertura. “Por vezes, os contratos garantem somente parte dos honorários dos advogados, e oferecem apenas alguns confortos caso os bens dos administradores sejam bloqueados. Por isso, inclusive, as companhias e os executivos estão mais cautelosos no momento de analisar e firmar os contratos “, analisa Andraus.
Futuro
Ao mesmo tempo em que a relação entre executivos e empresas é marcada pela cautela, a principal preocupação de ambas as partes é promover uma administração com base em preceitos éticos.
Essa conscientização tende a promover uma mudança gradativa na sociedade. “Os executivos estão mais conscientes, o que faz com que eles priorizem cada vez mais os valores éticos nas suas relações e modus operandi. As empresas, por sua vez, são formadas por pessoas que seguem uma cultura, a qual é formada pelos seus líderes. Dessa forma, é possível perceber essa mudança de atitude em profissionais de todos os níveis hierárquicos, desde os liderados até a base da pirâmide”, afirma Benedetti.
Existe ainda um longo caminho a ser trilhado para que a transformação ganhe escala, mas a perspectiva é sempre positiva. No entendimento de Andraus, o maior rigor de avaliação das práticas administrativas já se tornou parte da rotina de muitas companhias. “Essa dinâmica tende a fazer com que a mudança se perpetue”, avalia.
(Reportagem: Débora Soares e Priscilla Arroyo)