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Tempestade perfeita às avessas no mercado de crédito

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Por Flávio Calife e Yan Cattani, economistas da Boa Vista SCPC.

O cenário de crédito vem apresentando graduais melhorias em suas variáveis. Após termos observado grande retração das concessões no período de crise econômica, o ambiente agora esboça uma verdadeira reação dos indicadores, sobretudo no caso dos recursos livres para pessoa física.

Enquanto no caso dos consumidores a diminuição do crédito no período recente foi ocasionada preponderantemente pela menor demanda, efeito derivado da cautela das famílias em período de incertezas que reduziu consumo e consequentemente o uso do crédito, no caso das empresas a retração foi diferente, gerada pelo aumento da “régua” de risco dos concedentes de crédito, feitio usual em tempos de crise, cujo objetivo é se precaver da futura inadimplência das empresas que terão seu caixa afetado pela diminuição do consumo.

Com relação aos juros, a diminuição dos spreads vem sendo essencial para melhoria dos níveis dos juros finais cobrados às empresas e consumidores. Esse efeito é atribuído tanto pelo menor nível da taxa de captação das instituições financeiras, como também por uma melhoria do risco de mercado (redução dos spreads), uma vez que os indicadores de diversos setores de atividade econômica esboçam reação de retomada produtiva.

Os atrasos e a inadimplência vêm mostrando uma inversão das tendências históricas, quando comparados o uso dos recursos, livres e direcionados. Enquanto tradicionalmente os maiores atrasos e taxas de inadimplência concentravam-se nas categorias livres, atualmente são as linhas direcionadas que pioraram seu nível de default.

Desse modo, considerando um cenário mais benigno da Selic e retomada econômica, para o próximo ano, o que devemos esperar afinal para o mercado de crédito? A teoria mais plausível é que os recursos livres deverão ditar o crescimento do crédito total.

Essa hipótese consiste em um cenário em que a perspectiva de retomada do consumo é considerada iminente, seja pelo próprio efeito base de comparação (considerando o biênio onde houve a pior queda da série histórica do consumo das famílias, captados pelos dados das Contas Nacionais Trimestrais do IBGE), seja também pelo efeito-renda, ocasionado pelo mercado de trabalho, que volta a apresentar números positivos do rendimento real habitual (rendimento usualmente obtido por aqueles que estão ativos no mercado de trabalho em seu trabalho principal) e do CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), que depois de muito tempo reverteu as quedas na geração líquida de empregos (contratações menos demissões com carteira assinada).

Além disso, vale ressaltar alguns impeditivos de crescimento para o caso dos recursos direcionados, que mesmo devendo apresentar alguma melhoria, seu ritmo deverá ser bastante inferior quando comparado aos recursos livres.
O racional por trás dessa expectativa é basicamente estrutural, ligado ao seu funding, cuja fonte original dos recursos é dependente de recursos inscritos no Orçamento da União, que por sua vez são provenientes ou de parcelas das captações de depósito à vista e de caderneta de poupança, ou de fundos e programas públicos. Em ambas fontes, a situação é problemática.

Após mudanças da regra da poupança em 2012[1] e aos baixos níveis esperados nos próximos anos para Selic, a tendência é que esse tipo de investimento deverá cair em desuso, ocasionando uma queda dos recursos desse funding e diminuindo consequentemente a concessão de crédito direcionado num primeiro momento[2]. Não obstante, o baixo desempenho do PIB e a nova regra do “teto” orçamentário deverão incentivar uma menor alocação de dotações orçamentárias para investimentos nesse primeiro ano de implementação, afetando os recursos circunscritos no âmbito do crédito imobiliário.

Além disso, os baixos níveis de comprometimento de renda mostram que há um espaço para retomada sustentável do consumo, reforçando adicionalmente que a maior parte do crescimento do crédito advenha de fato do crescimento dos recursos livres. Os últimos dados sobre o comprometimento mensal com dívidas mostram que o serviço da dívida (juros mais amortização) passou de 22,3% em julho de 2016 para atuais 20,8% (julho de 2017). Retirando a participação do crédito imobiliário, o comprometimento da renda também foi reduzido, caindo 1,5 p.p., atingindo o presente nível de 18,3%. Sem dúvida, as duas medidas mostraram uma diminuição considerável de consumo no curto horizonte de um ano, reforçando a hipótese inicial.

Por fim, outros dados do Banco Central mostram que o endividamento das famílias manteve a tendência de queda, com consecutivas retrações em suas aferições desde a crise do biênio 2015-2016, resultado possivelmente atrelado à maior cautela do consumidor no período de incertezas. Nota-se, contudo, que quando expurgado o crédito imobiliário e somado o efeito da grande diminuição do crédito livre e dos rendimentos reais, a inflexão da tendência dessa variável precede até mesmo o período de turbulência econômica recente, deflagrado em meados de 2012, fazendo com que a avaliação do nível esteja próximo ao registrado há 10 anos. Ou seja, evidencia-se mais uma vez um consumo reprimido nos últimos anos.

A combinação de juros e preços menores, inadimplência e endividamento dos consumidores com a melhora do mercado de trabalho criam condições para uma verdadeira tempestade perfeita às avessas no mercado de crédito.

[1] Anteriormente, o dinheiro depositado nas cadernetas era corrigido mensalmente pela variação da Taxa Referencial (TR) mais 0,5% ao mês de juros. Com a nova regra de 2012, em situações onde a Selic cair para 8,50% ou menos, a remuneração da poupança mudaria, passando automaticamente a ser corrigida por 70% da taxa básica, acrescida da variação da TR.

[2] Ainda que o Governo tenha aprovado um novo instrumento para melhorar o funding, a chamada Letra Imobiliária Garantida (LIG), essa transição de uma fonte para outra deverá ocorrer de forma gradual.

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