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Tornar-se CFO muito jovem pode parecer cool para matérias em revistas, mas prepare-se: na realidade há um custo alto a se pagar. O alerta vem de Paulo Mendes, que aos 35 anos de idade alcançou a posição tão desejada por executivos de finanças, em uma multinacional de tecnologia.
O CFO da SAP Brasil abriu as portas da companhia para receber os membros do IBEF Jovem em uma sessão especial de mentoring. Em quase duas horas de bate-papo, o mentor convidou os profissionais a fazerem uma reflexão sobre carreira e desconstruírem alguns estereótipos.
“Essa máxima de que crescer rápido é bom, e crescer devagar é ruim, não é necessariamente verdade”, notou o mentor. “Se você é mais experiente e mais preparado, saberá lidar com algumas situações de forma mais flexível e leve”.
Crescer devagar pode trazer a maturidade para evitar desgastes e refinar as soft skills para lidar com aspectos difíceis da função do CFO, como ser casca grossa nas horas necessárias ou portador de más notícias. “Tenho orgulho das minhas conquistas, mas há um preço a se pagar alto com a responsabilidade”, observou Mendes, que é o membro mais novo da Diretoria da empresa.
Superação é a palavra que marcou diversos momentos da trajetória desse executivo. Mendes aprendeu a extrair das situações difíceis a força para impulsionar sua evolução pessoal e profissional.
Confira alguns dos principais aprendizados compartilhados pelo executivo:
Dedicação aos estudos – Filho de professores – o pai ensinava literatura e francês e a mãe é diretora de escola -, Paulo Mendes aprendeu cedo a importância de estudar. Criado em Piracicaba, no interior paulista, estudou em escola pública, fato que conta com orgulho.
Aos 16 anos, teve que lidar com a morte do pai, vitimado por uma doença que lhe tirou a vida em apenas três dias após o diagnóstico. A família ficou em situação financeira delicada, e com esforço conseguiu enviar Mendes para estudar em uma respeitada universidade na capital. Paulo lembra com carinho do incentivo do pai, na cozinha, lhe entregando o encarte da FGV e pedindo para ele avaliar a oportunidade.
Gostar do que se faz – Foi aprovado no curso de Administração. Passou a morar com um primo na capital paulista, e a família contratou crédito educacional para financiar os estudos. Somente o pagamento das mensalidades consumiam 60% do salário recebido por sua mãe.
“Existe a máxima de gostar do que se faz e fazer o que se gosta. Tive a oportunidade de estudar em uma universidade respeitada e vi que aquilo era o futuro. Assim, eu aprendi a gostar de Administração e me dediquei aos estudos”, contou, antes de confessar com bom humor que seu sonho de garoto era trabalhar com esportes, e gostava de jogar basquete.
“Se você se dedica a sua formação acadêmica, você extrai algo valioso. Se não se dedica, não extrai”, notou Mendes, que posteriormente agregou ao currículo uma pós-graduação, um mestrado em Economia e curso de extensão no MIT. “Você deve tentar aproveitar cada oportunidade de estudo para se desenvolver mentalmente, até mesmo quando não é aquilo que você esperava.”
Aprimoramento contínuo – Na época da faculdade, não havia dinheiro sobrando para pagar um curso de inglês. Mas o jovem estudante sabia da importância de obter a fluência no segundo idioma, e fez o investimento logo após conseguir seu primeiro estágio remunerado.
Trabalhou na Ellus, onde aprendeu sobre finanças e as funções de Controladoria na prática. Lembra de uma referência, Luis Meloni, profissional que revisou seu TCC e lhe ensinou os fundamentos da movimentação contábil. “Com ele, fui aprendendo – em pleno voo – a fazer esse tipo de trabalho”.
Com relação às soft skills, o grande desafio foi vencer o desafio de falar em público. “Eu tinha muita dificuldade com exposição, por ser mais introspectivo. E na faculdade precisávamos fazer apresentações e debates. Eu e um amigo conversamos com a professora de Comunicação, e ela nos deu um livro com um título semelhante a “Prefiro morrer do que fazer um discurso”, contou bem-humorado.
“Foi um negócio sofrido para mim, mas tive que me desafiar. Essa professora nos disse que deveríamos tentar, dentro do limite do que não nos faria mal – para não ter o efeito contrário e travar. Com isso, aprendi que quando você se arrisca, e faz algo fora da sua zona de conforto, descobre que é capaz de fazer muito mais do que pensava”.
O CFO destaca que se expor, lidar com pessoas e se comunicar bem é parte essencial do trabalho de um líder de finanças. “Digo que meu trabalho é resolver conflito, problemas e tomar decisões. Menos hard skill e mais soft skill. Evitar contato e exposição é o contrário do que faço hoje”, contou. “Todos os dias há pessoas indo para a minha sala. Algumas vezes são tantas que eu até falo: próximo paciente!”, disse o executivo, que é casado com uma médica.
Agarrando oportunidades – Paulo iniciou sua carreira na SAP como analista de controladoria, aos 23 anos de idade. A empresa alemã de tecnologia era recém-chegada ao Brasil e já apresentava crescimento vertiginoso. Na multinacional, aprofundou ainda mais seu aprendizado na área de Controladoria.
Em 2006, foi selecionado para o programa para high potentials oferecido pela empresa e candidatou-se para participar de um projeto internacional. Não foi aprovado. Um ano depois – o mesmo em que iria se casar – recebeu a notícia de que havia sido selecionado e iria para a Alemanha, onde ficou por seis meses.
“Eu havia planejado e buscado aquela oportunidade, mas ela não aconteceu no momento em que eu achava ser o certo. Ocorreu em um momento diferente. Se eu tivesse desistido só porque não aconteceu na hora em que eu queria, teria perdido a experiência”, destacou Mendes. “No final, conseguimos conciliar as duas coisas (viagem e casamento) e deu tudo certo.”
Perfil adequado – Para quem deseja trabalhar em empresas multinacionais, é importante mostrar disposição para atuar em outros países, observou Mendes. Na SAP, isso é considerado um diferencial. Mendes contou que há várias pessoas de seu time no Brasil que tiveram a oportunidade de assumir o cargo de CFO em outros países ou trabalhar diretamente com esses líderes. Mas assinalou: não existe receita única para o sucesso.
Quando voltou da experiência na Alemanha, Mendes foi promovido a controller para a América Latina na área de serviços, cargo exercido de 2008 a 2010. Foi aí que começou a se aprofundar nas linhas de negócios. Nos quatro anos seguintes, exerceu a liderança da Controladoria no Brasil. Em 2014, assumiu a posição de CFO.
Mudar ou ficar? – Há 15 anos na mesma empresa, Mendes diz que não vê o fato como problema. “Já olhei para o mercado e fui sondado para oportunidades. Nunca achei que fosse um empecilho e isso não me fez sair da empresa. O que me faz ficar é o fato de eu estar feliz onde estou e o meu balanço com a companhia ser positivo.”
Mendes alerta mais uma vez sobre o cuidado com os estereótipos. “Muita gente fala que mudar de companhia é bom para a carreira. Mas essa decisão depende da sua história, do que você quer, e se você é uma pessoa realizada.”
Questionado pelos participantes sobre o futuro, o CFO diz que tenta fazer menos planos e gostar cada vez mais das experiências do presente, que ele resume na expressão “enjoy the ride”. “Estou curtindo o que estou fazendo no dia a dia. Mas se for para pensar em desafios, talvez trabalhar fora do Brasil, em uma subsidiária ou linha de negócio, em uma função mais general management.”
E a paixão pelo esporte? Por enquanto, ficará restrita aos jogos transmitidos pela TV. “Já desisti. Inventamos um time de basquete na empresa, e fizemos dois jogos: um cara trincou o quadril e eu me contundi. Como a idade é cruel”, contou, arrancando risadas dos participantes.
Encontrar os porquês – Aos jovens profissionais, Paulo Mendes sugeriu fazer a reflexão sobre os motivos que dão significado às suas escolhas de carreira, e a produção de um life statement que descreva por que fazem aquilo que fazem.
“Questione a si mesmo por que você realiza o seu trabalho – Ganhar dinheiro? Ter fama? Sentir-se feliz? Muitas pessoas travam na primeira resposta a esse porquê. Se você cavar um pouco mais, no seu íntimo, começará a entender os porquês para o que faz. E encontrará a verdadeira motivação para o seu dia a dia”, disse, ao citar a teoria do “Círculo Dourado”, criada pelo escritor americano Simon Sinek.
Responsabilidade de mudar – Pai de um menino e de uma menina, Mendes defende que tornar o Brasil um lugar melhor é uma tarefa que cabe a cada indivíduo. “O País nada mais é do que o somatório das ações de todas as pessoas. Se eu fizer meu trabalho com integridade e transparência, estou contribuindo. Se a minha família estiver bem estruturada, estou contribuindo. Quer mudar o País? Comece cuidando da sua família”, afirmou o executivo. “Se começarmos a mudança com as pessoas que nos cercam, em um trabalho de formiguinha, estaremos dando uma grande colaboração”.
(Reportagem: Débora Soares)