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Quando chegou ao nível de gerência, Fábio Marchiori, 47 anos, engenheiro químico formado pela USP e com MBA pela Fundação Dom Cabral, começou a entender os benefícios e limitações causados pela aplicação de modelos mentais ao se enfrentar situações empresariais de diversas naturezas. “Como engenheiro fui sempre levado a acreditar que podia equacionar e resolver qualquer tipo de problema, aplicando modelos matemáticos – daí, para se considerar que tudo pode ser reduzido a modelos mentais, é um pulo!”, contou o CFO da Avon para a América Latina, em mentoring do IBEF Jovem, realizado na última terça-feira (7).
“No início da minha carreira eu criava modelos mentais porque essa é uma das minhas fortalezas, porque isso fez parte da minha formação, mesmo antes de começar a estudar engenharia. Eu aprendi que, apesar de sermos muitas vezes levados a agir por instinto, é necessário entendê-los e adequar os comportamentos que decorrem deles às condições que se apresentam”. Os modelos podem nos ajudar nesse sentido, mas também tem suas limitações.
O executivo explicou que, conforme o tempo passou e as experiências se acumularam, passou a ver que esses modelos não eram imutáveis, que não podiam ser moldados e mantidos baseados em de fórmulas acadêmicas, mas sim adaptáveis, aprimoráveis. “Agora, meus modelos são revistos o tempo todo, pois é necessária a rápida adaptação às variações que acontecem em uma realidade VUCA (volátil, incerta, complexa e ambígua).”
Para ele, os maiores desafios da carreira estiveram (e estarão) relacionados às mudanças dos paradigmas do ambiente de negócios que aconteceram (e continuarão acontecendo) ao longo dos anos. Fábio começou como trainee da Unilever em 1993, quando a empresa ainda chamava Gessy Lever. Naquela época, ele lembra, existiam 36 níveis salariais entre o “chão de fábrica” até o cargo de CEO Global. Para se ter uma ideia da complexidade da estrutura, os trainees (por exemplo) entravam no 18° nível e buscavam percorrer um caminho extenso (e bem concorrido) para, aos poucos, conquistarem maiores desafios e, também, os conhecidos e aspirados “benefícios de carreira” (uma sala, um carro, um grupo de colaboradores maior e mais sênior). Claramente, ele nota, essa é uma realidade bastante diferente do que se tem como aspiração de carreira nos dias de hoje (por exemplo, melhor balanço entre o trabalho e a qualidade de vida, autonomia, trabalho em rede ao invés de hierárquico).
O executivo passou 16 anos na organização, ocupando 8 posições diferentes. E contou como, por exemplo, um modelo mental do final do século passado (onde, em teoria, o colaborador cuidava dos interesses da empresa e a empresa tomaria conta de sua carreira) quase causou um erro de grande impacto em sua carreira, quando achou que, de alguma forma, seria função da empresa proporcionar-lhe uma experiência internacional. Foi somente através de uma conversa mais contundente com um VP por quem tinha grande respeito que entendeu que ele próprio precisaria buscar por conta própria essa oportunidade – e que não ficasse esperando pela decisão da empresa.
“Procurei então os contatos, enviei e-mails descrevendo minhas intenções e competências e, em pouco mais de seis meses, eu já estava com uma oportunidade relevante na matriz, em Londres, onde trabalhei por 4 anos.”
Essa e outras experiências lhe ensinaram que “quando errar, não tenha vergonha por estar se sentindo mal, de falar sobre isso. Você precisa aprender com suas emoções (principalmente a frustração) decorrentes do erro. Quem não sofreu, não aprendeu. Os erros, muitas vezes mais do que os acertos, te fazem crescer.”
Ensinamentos
De ascendência italiana, Fábio não poupou gestos para enfatizar as palavras durante a explanação de seus ensinamentos. “Em algum momento da minha vida, alguém confiou em mim. Venho aqui (no mentoring) por uma dívida social. Quando eu venho conversar com vocês é justamente para fazer o que fizeram comigo: indicar – olha, vai por aqui, vai por ali, saiba que tem esses riscos, e não deixe de tomar decisões… senão alguém toma por você.”
Depois dos 16 anos na Unilever, o executivo atuou no Grupo Fleury (3 anos), na Brasil Kirin (2 anos) e na Mondelez América Latina (2 anos). Brincando sobre o tempo entre essas transições ele afirmou que há dois “pecados” no mundo corporativo: permanecer muito ou permanecer pouco tempo em uma organização. Em seu caso específico, ele não se preocupou tanto com o espaço de tempo entre elas. Suas melhores transições não foram planejadas, aconteceram justamente porque a missão anterior estava completa e algo com um significado ou desafio maior surgiu.
“O trabalho tem de ter significado: se não tiver, falta motivação e energia para que se enfrentem os desafios decorrentes das mudanças. E as mudanças vão ocorrer o tempo todo. Você tem que estar preparado e energizado para elas.”
“Eu admito que não me preparei para todas as transições que enfrentei. Mas, em todas elas, o que foi relevante para que elas fizessem sentido foi entender e buscar aquilo que era importante para mim. E, no meu caso, a primeira coisa, a mais básica, minha linha mestra, é ser relevante naquilo que eu faço, de uma maneira que minha família, particularmente minha mãe (que fez um enorme investimento pessoal no meu desenvolvimento) pudesse se orgulhar”. Mas, com bom humor, admitiu ter falhado, em termos, já que a mãe desejava vê-lo formado em medicina.
“Muitas vezes ficamos vulneráveis e nos sentimos como fraudes. Quando isso acontece, nós achamos que estamos expondo uma fraqueza, que é não saber tudo – mas, na verdade, isso é o nosso maior potencial, nossa capacidade para aprender continuamente.” Nesse sentido, Fábio afirmou que as pessoas podem se preparar melhor para as transições “entendendo melhor suas vulnerabilidades (ao invés de escondê-las – até de você mesmo) e principalmente, a sua essência”.
“As pessoas costumam sofrer durante esses períodos (e isso é normal), mas é também nesse momento que precisamos aprofundar o auto-conhecimento e manter-nos atentos ao objetivo de longo prazo. O meu, como já mencionei, é fazer sempre algo relevante, ser reconhecido por isso e poder fazer isso de forma autêntica – falando o que penso e fazendo o que falo”, afirmou. Se, por conta disso, a transição precisar demorar mais do que o previsto ou desejado, é algo com que temos de conviver.
Ele se definiu como uma pessoa que sabe que é necessário passar pela tentativa e pelo erro, para depois acertar. “Acho que a maior competência que tenho é não me acomodar na minha zona de segurança; não me acomodar naquilo que são minhas fortalezas, não evitar o erro.” Fábio destacou outras competências que considera bem relevantes: liderança de indivíduos, liderança de times e manter a equipe accountable pelos resultados.
Ponto de equilíbrio
O executivo contou que a base das suas conquistas foi a educação continuada (inclusive, recentemente, passou 1 mês na London Business School). Por isso ele faz questão de acompanhar, ajudar e cobrar os resultados acadêmicos das filhas gêmeas de 10 anos. Disse que tem como missão passar conhecimento para os que irão sucedê-lo, tanto na vida pessoal quanto profissional.
“O meu propósito como executivo de Finanças, mais do que entregar o balanço no final do trimestre, é orientar as pessoas para que elas possam ser bem-sucedidas”. Isso às vezes conflita com as premissas do mundo capitalista que herdamos (principalmente o senso der urgência pela medida do lucro), mas esse é o ponto do balanço do valor, ponderou.
Sobre a escolha profissional, apesar de adorar matemática e química, afirmou ser CFO porque a definição que lhe deram do cargo é inspiradora: “É o profissional que, em teoria, faz o balanço entre todos os steakholders. Ele garante que exista o equilíbrio entre a parcela de valor produzido por uma organização que é repassada ao acionista, ao governo, ao consumidor, ao cliente, aos funcionários e à sociedade.”
“CFO, na essência, é o balanceador, quem persegue o ponto de equilíbrio. Nosso propósito não é dizer “não”; é dizer “como”, completou, sem esconder o orgulho da sua profissão.
(Reportagem: Silvia de Moura)