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Por Ricardo Barth de Freitas e Rafael Scopel*
A crise financeira internacional de 2008 foi de extrema importância para motivar a discussão e, por consequência, a origem do IFRS 9 (Financial Instruments). Até então, o modelo de perda incorrida era utilizado nas normas contábeis internacionais (IFRS), o qual suscitava o reconhecimento atrasado das perdas em decorrência do valor recuperável de crédito (empréstimos) e outros instrumentos financeiros.
À época, houve uma reavaliação desse modelo até então utilizado, de modo que fossem consideradas informações prospectivas nas estimativas de perda de crédito. Como resultado, foi elaborada a IFRS 9 com o objetivo de substituir o modelo de mensuração das perdas com base em histórico por um modelo que se baseia em perdas esperadas, e dessa forma assegurar um reconhecimento de perdas contábeis mais adequado.
O IFRS 9 foi publicado em julho de 2014 pelo IASB (International Accounting Standards Boarding), com aplicação a partir de 1º. de janeiro de 2018, para as entidades que elaboram e apresentam suas demonstrações financeiras de acordo com as normas IFRS.
A norma estabelece diferentes critérios dos anteriormente adotados (IAS 39) para a classificação e mensuração de ativos e passivos financeiros. Em linhas gerais, há a definição de dois critérios a serem considerados para a determinação da classificação e posterior mensuração dos instrumentos financeiros: (i) modelo de negócios da entidade para a gestão dos ativos financeiros; (ii) as características contratuais dos fluxos de caixa dos ativos financeiros.
Dessa forma, os ativos financeiros que são administrados em um modelo cujo objetivo é de capturar apenas os fluxos de caixa contratuais (principal e juros) devem ser classificados como ativos financeiros ao custo amortizado. Se há a expectativa de eventual venda do instrumento financeiro, o mesmo deve ser classificado como ativo financeiro ao valor justo por meio dos outros resultados abrangentes. Caso existam ativos financeiros que não se encaixem nos dois critérios anteriormente descritos, esses ativos devem ser classificados ao valor justo por meio do resultado.
Como esperado, a implementação do IFRS 9 foi, e tem sido, um enorme desafio para as instituições financeiras de forma geral. Houve um grande esforço para a adaptação dos processos, além de investimento maciço em sistemas para elaborar, processar e disponibilizar as informações requeridas com a adoção da norma.
As instituições que possuem uma estrutura mais complexa e com uma gama diversificada de produtos serão mais impactadas para a adaptação. As atividades de gestão de risco, metodologias de cálculo, informações gerenciais e relação com investidores devem também passar por adaptação de modo a suprir as necessidades de informações necessárias para a melhor tomada de decisão dos administradores. Como consequência, é possível e esperado que os preços dos produtos de empréstimos sejam alavancados de modo a absorver parte dos custos incorridos com a implementação.
Outros aspectos que são afetados e devem ser considerados pelas instituições financeiras referem-se, por exemplo, aos técnicos especialistas que são o cérebro da operacionalização da norma, e como identificá-los no mercado e/ou retê-los quando já fazem parte da instituição; outro aspecto seria o impacto que os efeitos contábeis trarão ao patrimônio de referência das instituições e quais as consequências para a uma gestão sustentável; entre outros.
Em um primeiro exercício, as grandes instituições financeiras do Brasil, que também elaboram suas demonstrações financeiras em IFRS, calcularam impactos entre 3% e 5% de seus patrimônios com os acréscimos das provisões para perda considerando o modelo de perda esperada. É possível avaliar que os principais segmentos impactados pela norma são aqueles em que as entidades carregam instrumentos financeiros com característica de crédito, bem como instrumentos que são mantidos até o vencimento.
Ademais, o IFRS 9 fortalece o entendimento das demonstrações financeiras por parte dos usuários, que incluem investidores, órgãos reguladores e outros agentes de mercado, além de incorporar mudanças importantes na forma de apresentação e divulgação das informações, apresentando um nível maior de informações às atualmente divulgadas. Também, acaba por afetar significativamente as projeções de resultado das instituições, além do pagamento de dividendos para os acionistas.
Para fins de normas contábeis adotadas no Brasil, o Banco Central já esboça normativo, através do Edital 60, que trata dos critérios contábeis para constituição de provisão para perdas esperadas associadas ao risco de crédito pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, no intuito de convergir as normas locais às normas internacionais no tratamento da mensuração de um ativo com risco de crédito.
Por fim, fica a expectativa de que o mercado como um todo absorva as vantagens da adoção do IFRS 9, considerando que passará a ser um ambiente mais transparente, com informações mais claras e reais para os usuários das demonstrações financeiras, reduzindo riscos para aqueles que operam no mercado de capitais. A inclusão da expectativa de perda esperada no modelo de perda trará essa transparência à medida que antecipa perdas que só seriam reconhecidas pelas instituições em momentos futuros, mesmo que os administradores já tivessem a percepção de que em algum momento elas fossem acontecer. Nesse momento, é importante um acompanhamento dos impactos da adoção da nova norma e seus reflexos nas demonstrações financeiras a partir de 1º de janeiro de 2018.
*Sobre os autores: Ricardo Barth de Freitas, diretor de Auditoria especializado em financial services da PwC. Rafael Scopel, sócio de Consultoria especializado em gerenciamento de riscos financeiros, modelagem e compliance da PwC.