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Embora os pedidos de recuperação judicial divulgados essa semana pelo Boa Vista Serviço Central de Proteção ao Crédito (Boa Vista/SCPC) tenham diminuído na indústria, comércio e serviços – respectivamente, 25%, de 218 para 163; 22%, de 327 para 254 e; 19%, de 318 para 258, nos primeiros cinco meses de 2017, dados do Serasa Experian apontam que apenas 27% das companhias que pedem recuperação judicial conseguem, efetivamente, livrar-se da falência.
Para o economista Luis Alberto de Paiva, sócio-fundador da Corporate Consulting – empresa especializada em gestão de crise e reestruturação – a perda do fluxo de caixa como consequência do adiamento da decisão para entrar em uma recuperação judicial é tida como uma das principais causas de insucesso.
“Muitos executivos relutam antes de assumir a recuperação judicial como necessária. Isso agrava a situação da empresa e reduz a margem de negociação para diminuir seu endividamento”, observa o economista.
Segundo Paiva, a decisão do turnaround costuma vir depois de esgotado o ajuste caseiro, o que comprometeria ainda mais a capacidade de repactuar o passivo junto aos credores.
O tema, bastante atual e de interesse dos CFOs e dos profissionais da área financeira, foi discutido em seminário promovido pelo IBEF SP e patrocinado pelo Banco Sofisa e a Corporate Consulting, no último dia 21 de junho, sob o enfoque da “Gestão de crises e reestruturação de passivos”.
Ferramenta jurídica X econômico-financeira
No encontro, Paiva chamou a atenção para a necessidade de conjugar a gestão jurídica com a gestão econômico-financeira na recuperação judicial.
De acordo com o economista, afora a renegociação de dívidas e a venda de ativos, é preciso considerar um planejamento organizacional com adequações em produtos, processos, custos, inclusive os de financiamento. Levando em conta, ainda, o cenário de incertezas e de baixo crescimento, como o que experimentamos atualmente.
“O plano de recuperação judicial não pode vir descolado de um business plan, sendo necessário um diagnóstico operacional do negócio e a determinação dos meios para sua reestruturação, um gerenciamento e controle de caixa e a adoção de ferramentas de transparência, a fim de gerar credibilidade para o mercado”, afirmou o economista.
Quando o turnaround é tratado exclusivamente como uma ferramenta jurídica pode-se perder eficiência na operação, muitas vezes, comprometendo-a. “A AGC (Assembleia Geral de Credores) pressupõe um pacto. Não se trata de uma peça de processo; trata-se de um modus operandi”, sentenciou Paiva.
Esse modus operandi não admitiria baixa produtividade, falta de planejamento ou descontrole na compra de matérias-primas, descompasso entre produção e estoques, desequilíbrio de custos, falta de racionalização da mão-de-obra, entre outros fatores que desafiam a sobrevivência da empresa.
Paiva relata também ser comum em um plano de recuperação judicial deixar de lado a possibilidade de queda nas vendas em razão do cenário econômico.
Além do Custo Brasil, sempre presente em qualquer projeção, o crescimento negativo ou baixo crescimento do PIB, a redução do crédito, o endividamento das famílias, as altas taxas de juros, o câmbio depreciado, precisam constar de um turnaround. “Quando não há essa abrangência e as empresas não preveem os ajustes necessários, a capacidade de a empresa gerar caixa pode ser prejudicada tanto quanto a confiança de seus credores no que toca ao pagamento do passivo.”
O CFO
Em uma situação de crise, o CFO tem o dever de identificar o cenário antes dos demais executivos, segundo Paiva. Isso porque é ele quem está à frente do caixa da empresa e tem o conhecimento técnico para fazer as análises dos meios circulantes passivo e ativo. “O CFO pode observar, mais facilmente, se a empresa está perdendo ativo no decorrer dos meses e se há necessidade de considerar mudança”, disse o economista.
Muitas vezes, a relutância em aceitar uma recuperação judicial se dá em razão de os executivos da empresa não considerarem que um desarranjo nas contas públicas possa levar a uma recessão. “O CFO precisa estar atento às variáveis macroeconômicas tanto quanto às inerentes à empresa.”
Alternativas à recuperação judicial
Quanto maior a crise, menor a eficiência de uma recuperação judicial. Paiva observou que há empresas que adiam muito a adoção desse instrumento como meio de evitar a falência e acabam despendendo muitos recursos para as instituições financeiras, de forma a inviabilizar a operação.
De acordo com o economista, o processo de recuperação judicial leva em torno de quatro anos e a correção do passivo costuma ser de 3% ao ano; 18 anos é a média de pagamento de fornecedores e o deságio é de 50%. Logo, se o objetivo for o alongamento e a redução da dívida, a recuperação judicial pode ser o meio de não ir à falência.
É preciso, no entanto, considerar a capacidade de refinanciamento no turnaround, a qualificação dos passivos, entre outras variáveis importantes. “Existe uma tendência durante a fase de renegociação do passivo que é o reforço das garantias (de hipoteca para alienação fiduciária). Antigamente, fazia-se a qualificação dos passivos e era possível incluir cerca de 90% na recuperação judicial. Hoje é 50/50.”
Os contratos também precisam ser avaliados. Quando os contratos perdem efeito de alienação fiduciária e passam a ser contratos de garantia real, outras alternativas podem ser consideradas para evitar a falência.
“Ficar negativado com o banco e comprar o passivo a um preço mais baixo pode ser uma saída. Iniciar um processo de recuperação judicial e convertê-lo em uma negociação extrajudicial, outra. Há ainda a possibilidade de fazer dos credores sócios de parte da companhia, como nos casos de UPI (Unidade Produtiva Independente)”, destacou o economista.
A lei protege o investidor que está na UPI. Um exemplo dessa operação foi a da Muriel Cosméticos, que fez de suas marcas uma UPI. A UPI foi convertida em debêntures e distribuída aos credores, que de fornecedores passaram a ser sócios da parte boa da companhia.
Acima da média nacional
Na cidade de São Paulo, cerca de 50% das empresas que pedem recuperação judicial evitam falência, o que representa quase o dobro da média nacional.
O processo da Gyotoku, fabricante de pisos, foi um marco decisório para a recuperação de ativos. Em 2010, o desembargador responsável por julgar o plano aprovado pelos credores da empresa, indeferiu o pedido. A partir desse momento a recuperação judicial passou a ser mais moralizada, a ter regras, inclusive de correção da dívida.
Na capital paulista, existem duas varas especializadas em recuperação judicial e os juízes dessas varas são mais criteriosos na análise e deferimento dos planos. Atribui-se a essa diferenciação no julgamento os bons resultados, de cerca de 50% de sucesso, das recuperações judiciais requeridas na metrópole.
(Reportagem: Natalia Fontão / Fotos: Mario Palhares /IBEF SP)