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Rinaldo Pecchio é diretor financeiro e de relações com investidores da CTEEP e associado do IBEF SP
Uma vantagem de se ter uma longa carreira no setor financeiro é poder comparar segmentos e entender os diferentes desafios e especificidades deles. Tenho tido o prazer de conviver, ao longo dos muitos anos de carreira, com profissionais altamente competentes com atuação em diversos segmentos da economia, todos, sem dúvida, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social do país.
Gostaria de destacar aspectos importantes da gestão de empresas do segmento de infraestrutura, mais notadamente do setor elétrico, e contribuir com ideias sobre as perspectivas para esse setor no momento de início de um novo governo.
Tendo atuado por sete anos, em diferentes períodos, à frente da área financeira de organizações do segmento de energia elétrica, sendo os últimos cinco de forma ininterrupta, gostaria de aproveitar o fato recente do Prêmio Revelação em Finanças IBEF SP/KPMG, do qual tive grande honra de participar da banca examinadora – que premiou de uma forma muito justa e oportuna dois jovens profissionais do setor elétrico, Wellyngton Ribeiro da Rocha e Tassia Reis (Elektro)pelo trabalho “Metodologia de Apropriação de Custos Adicionais em Obras de Infraestrutura do Setor de Energia Elétrica,Workforce-Based Costing”-,e destacar alguns aspectos relacionados à gestão financeira desse importante segmento da economia brasileira.
Existe uma percepção de que o mercado de energia é estável, previsível e, consequentemente, sem grandes sobressaltos. Isso pode levar a considerações de que no segmento de energia elétrica a rotina financeira é de comparações com o orçamento, acompanhamento da execução do que está planejado com grande antecedência e de que o governoou as regrasestão sempre favorecendo uma gestão financeira previsível. Não tem sido bem assim…
Primeiramente, devemos considerar que esse segmento é de capital intensivo, requerendo estrutura de financiamento de longo prazo com operações estruturadas envolvendo diferentes segmentos de crédito e mercado de capitais.
Esse fato, por si só, implica em contar com uma área financeira com alto nível de conhecimento do negócio e de seus desafios, para poder transmitir isso aos eventuais mercados/acionistas interessados em proporcionar o crédito/ capital necessário.
Nesse sentido, também é importante apresentar um histórico de gestão financeira eficiente, ao passo que também existe o desafio de encontrar o equilíbrio entre o controle de custos necessário (e persistentemente perseguido) e conhecimento do negócio para não prejudicar a atividade “core” da companhia em nome de uma eficiência financeira que, se permite alcançar objetivos de curto prazo, pode comprometer as bases da sustentabilidade da empresa no longo prazo.
Outro aspecto importante é contar com uma equipe motivada e eficiente,que consiga se adaptar às diferentes condições impostas ao setor, no qual, em um passado não tão distante, vivenciamos (i) racionamento de energia e suas consequências graves para a economia e a própria financiabilidade das empresas, (ii) mudanças das regras do setor com a MP 579/12, por meio da qual ocorreu um corte nas receitas das empresas de até 70%, “por decreto”, que colocaram em xeque a confiança dos mercados no segmento.
Esses dois exemplos mostram a necessidade de agilidade de entendimento da nova situação e a importância de traçar novos cenários, vislumbrando diferentes alternativas para o financiamento das operações a fim de se iniciar uma série de discussões com agentes de mercado, incluindo o governo, e adaptar a estrutura financeira para essas novas perspectivas. Ou seja, vivemos navegando em um mar que não é de tranquilidade…
Com relação ao momento atual do setor, temos expressivos desafios e oportunidades.
De um lado, há um movimento de repasse de custos crescente das distribuidoras para os consumidores finais, tendo em vista os maiores custos da geração térmica desde o segundo semestre de 2012, dado o cenário de impossibilidade de contarmos com geração hídrica – que historicamente representou a maior parte da nossa matriz de geração -, por questões de hidrologia desfavorável.
Infelizmente, não será possível sairmos desse cenário, consequentemente melhorando a geração de caixa das distribuidoras, se não houver um repasse dos custos de energia incorridos pela matriz de geração. Portanto, a sociedade como um todo terá que arcar com os custos de energia crescentes.
Nesse cenário, planejar uma maior diversidade da matriz de geração, garantir aspectos da regulação mais previsíveis e assegurar incentivo a novos investimentos são medidas cruciais.
Pelo lado da oferta de energia, seja na geração, seja na transmissão, estamos presenciando um esgotamento da capacidade de investimento das estatais, como consequência do elevado índice de endividamento atual e impossibilidade de aporte de recursos federais, tendo em vista a necessidade de geração de superávit primário.
Nesse contexto, não existe como o setor prescindir do investimento dos agentes privados, seja por meio da participação em investimentos diretos, seja pelo financiamento das empresas do segmento.
No entanto, essa participação do segmento privado deve ser acompanhada de uma sinalização de retorno de investimento compatível com os riscos assumidos. Independente do motivo, temos verificado um distanciamento do setor privado nos leilões para novos empreendimentos de geração e transmissão, denotando certa insatisfação com relação à taxa de retorno real desses projetos.
Recentemente, começamos a verificar sinais de que essa preocupação está sendo entendida, por meio da sinalização de taxas de retornos mais atrativas (ainda que não ideais) para os recentes leilões de transmissão, assim como concessão de maior prazo na obtenção de licenças ambientais, diminuindo o risco dos investidores na obtenção dessas licenças e, consequentemente, nos prazos de execução dos investimentos.
Como exemplo das dificuldades de execução de novos investimentos, os investidores têm se deparado com muitos atrasos forçados em obras ocasionados pela dificuldade de obtenção de licenças ambientais. Mesmo não sendo um especialista nessa área, creio que temos inúmeras oportunidades de simplificação e maior assertividade no processo de concessão de licenças ambientais, eliminando um fator de atraso na execução das obras, o que impacta diretamente a taxa de retorno dos investimentos.
Nesse cenário de desafios, tenho uma visão otimista do papel que cabe ao setor privado na execução dos aportes de recursos em infraestrutura do país.
Temos sido “beneficiados” por baixo crescimento da economia, o que de certa forma aliviou a necessidade de aumento da capacidade de oferta de geração e transmissão de energia. Tivéssemos tido um período de crescimento mais forte, o desequilíbrio entre oferta e demanda poderia ser muito mais crítico.
Para enfrentarmos em melhores condições um novo ciclo de crescimento, o qual certamente teremos, é fundamental estabelecer um ambiente mais favorável aos novos investimentos em que o retorno dos projetos possa ser compatível com os riscos assumidos.
Outro aspecto importante em relação ao retorno dos investimentos é contarmos com uma relação equilibrada entre modicidade tarifária e retorno dos investimentos. A modicidade tarifária não pode ser alcançada por meio do não reconhecimento dos investimentos realizados, sob risco de postergar importantes decisões de investimento por parte do setor privado e afetar a matriz de oferta no médio e longo prazo.
O controle inflacionário é importante, mas o custo de não contarmos com uma infraestrutura que permita ao país crescer é ainda mais danoso.
Deve haver segurança jurídica de que os custos incorridos pelos investidores, mediante critérios razoáveis de comprovação, devam ser remunerados.
Talvez a solução não esteja no controle do retorno dos investimentos, mas sim no tamanho da carga fiscal que enfrentamos. Mas esse é outro assunto que algum outro colega poderá nos ajudar a vislumbrar alternativas…
…bem, quanto ao mar de tranquilidade, alguém me indique o caminho!