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Preocupados com a instabilidade política, executivos de finanças racionalizam e priorizam investimentos, mas já enxergam uma luz no fim do túnel para o mercado brasileiro
Depois de quase três anos de crise econômica e com um cenário político cheio de incertezas, os CFOs do mercado brasileiro assumem o papel de protagonistas para as estratégias das organizações.
Mais do que serem os homens e as mulheres dos números, de escudeiros do EBITDA e guardiões dos controles internos, os CFOs se tornaram peças-chave para a sobrevivência das companhias. Isso porque estão encontrando oportunidades inovadoras, alternativas criativas e, principalmente, por estarem condicionados a enxergar toda a complexidade da macroeconomia brasileira.
Segundo o presidente do IBEF SP, Marco Castro, as empresas têm necessidade de profissionais que as orientem e enxerguem o todo. “A iniciativa privada tem se distanciado cada vez mais dessa crise, especialmente da política, e percebemos que o profissional de finanças tem conseguido achar o caminho mesmo no meio dessa turbulência toda.”
Castro destaca “a incrível resiliência do profissional da área financeira” no momento que classifica como “dramático” para a economia brasileira. “O CFO muitas vezes parece mais um mágico ou malabarista, fazendo as coisas darem certo dentro dos limites que são impostos, dificuldades econômicas, com a ausência e escassez de recursos”, acrescenta o executivo, que é também sócio da PwC Brasil.
Luis Carlos Cerresi, CFO do Walmart.com, destaca que os profissionais olham para a liderança da empresa e esperam orientação e direção em momentos de turbulência. ¨Temos que dar uma resposta para a organização. Temos que envolver as pessoas, trazê-las para dentro do barco e remar na mesma direção. O CFO tem que ocupar um papel de protagonista.”
Segurando o freio
Cerresi destaca a importância de o CFO ter uma postura participativa e visão de futuro. No caso do Walmart.com, afirma que a empresa acredita no Brasil e o investimento não vai parar, mas sua missão é investir com critério. “Priorizando as iniciativas, você melhora o negócio tanto do ponto de vista de CAPEX e também aproveita para engajar as pessoas. Algumas coisas podem deixar de ser feitas em áreas não conectadas com a estratégia, e outras precisam ser intensificadas.”
Para ele, embora a indústria do e-commerce cresça acima da média do varejo, o ritmo do incremento diminuiu nos últimos anos e, por isso, indica “um pouco mais de racionalidade.”
Na mesma linha, o CFO da Smurfit Kappa Brasil, Rogério Menezes, recomenda “prudência”. “Prudência em relação ao caixa, e prudência em relação à gestão do negócio em si, seja nas relações com clientes, fornecedores e instituições financeiras.”
O CEO da Saint Paul Escola de Negócios, José Cláudio Securato, explica que racionalidade e prudência nos investimentos são novamente tendências entre os executivos, sejam CFOs ou CEOs. “Acho que o comportamento natural é voltar a fazer o que estamos fazendo desde 2015, quando ficamos nos protegendo. Em 2017, pensamos que tinha melhorado e começamos a desengavetar projetos. Acho que os projetos vão ser reingavetados. Ou seja, vamos esperar, tomar conta do caixa. Lembrando: caixa é rei, quem tem caixa sobrevive.”
Conselheiro do IBEF SP, o economista acredita que, independente do setor, nesse momento é importante que as empresas reforcem as vendas, transformem vendas em caixa, preservem o caixa, diminuam investimentos, cortem custos, pensem em eficiência e motivem as pessoas. “Não tem nada de muito diferente para fazer”, orienta.
Securato classifica com um risco, a possibilidade de a crise política levar à troca da equipe econômica do Presidente Michel Temer. “A dupla do Ministério da Fazenda e do Banco Central, Henrique Meirelles e Ilan Goldfajn, empresta credibilidade para que o governo possa redefinir rotas econômicas”. O economista também define como “a luz no fim do túnel”, as reformas da previdência e política, uma vez que a reforma trabalhista já foi aprovada. “A chance de melhorar o País é a aprovação das reformas. Se aprovarmos, começamos a mostrar que a agenda econômica está descolando de uma crise.”
Otimismo e oportunidade
A nova CFO do Makro, Vera Bermudo, é uma executiva que prefere enxergar o copo meio-cheio. Ela define o atual momento da política brasileira como de “otimismo e vigilância”. “Estamos reconhecidamente, de forma internacional, inclusive, passando o País a limpo. Temos uma história difícil do ponto de vista de corrupção, que é notório, se você olhar o estudo da Transparency International, somos percebidos como um País de práticas corruptas e isso o que estamos vendo agora é um momento ímpar no qual temos uma janela de oportunidade fantástica, de rever o modus operandi do Brasil”, afirma Vera.
Menezes, da Smurfit Kappa, também se considera um otimista. A multinacional fez um alto investimento e entrou no Brasil no final de 2015, pouco antes do início da pesada crise de 2016. “Diante de um investimento tão grande como o que foi feito, não podemos tomar outra decisão estratégica a não ser trabalhar mais forte para administrar nosso negócio, com o objetivo de tirar o máximo das sinergias de nossas plantas e entender muito bem do negócio, vislumbrando capturar novas oportunidades comerciais.”
O executivo também ressalta a importância de olhar para o ciclo interno dos custos, almejando possíveis reduções de gastos e, assim, conseguir alcançar as métricas originais de retorno do investimento.
“Como CFO, meu trabalho demanda ter um olhar crítico no plano operacional para monitorar tais ações individuais, mas também ter um olhar estratégico para novos investimentos que melhorem a nossa performance e gerem ganhos de produtividade e também a monetização de novos negócios, com maior valor agregado. Minha visão otimista quer dizer que‘sí, se puede‘, quando administramos com consistência todas essas frentes de trabalho”, assinala Menezes.
Com 36 anos de experiência em finanças, o consultor Mario Mafra, sócio da TMM Consultoria e secretário-geral do IBEF SP, afirma que apesar de toda a incerteza em torno da atual crise econômica, o Brasil não perdeu as suas potencialidades, de mercado consumidor ativo, numeroso e com recursos naturais exploráveis. “Em vários setores temos nichos de excelência. Então, havendo uma definição de qual rumo iremos seguir – seja ele qual for – eu acredito que o investimento voltará, e voltará bastante forte a partir de 2019”, explica ele, que afirma que as organizações, os CFOs e todo o C-level, precisam repensar suas relações com o poder público.
“Os políticos vão passar por um processo de purificação, mas as empresas e os executivos das empresas também. Parte significativa dessas grandes empresas, que estão envolvidas nesses escândalos todos, são companhias com ações listadas em Bolsa, com sistemas de governança, com compliance, etc. Como é que ficam essas questões todas, a partir de agora?”, indaga Mafra, lançando a reflexão para o mercado.
(Reportagem: Débora Soares e Rejane Lima)