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Apesar dos impactos negativos decorrentes da pandemia nos primeiros meses do ano, as empresas de diversos setores – inclusive alguns mais afetados pela crise – já estão mostrando uma recuperação maior que a esperada, projetando visões otimistas, porém cautelosas, sobre o final de 2020 e o rumo do próximo ano. Ainda assim, há incertezas sobre o que está por vir, e quanto mais resiliência uma empresa buscar, melhor ela deve se sair diante das adversidades que o atual cenário mundial apresenta. Essa foi a visão compartilhada pelos profissionais de finanças durante a última reunião de 2020 da Diretoria Vogal do IBEF SP, realizada em 27 de novembro e com patrocínio da PwC.
Para aproximar ainda mais o tema da atualidade, foi apresentada por Mauricio Colombari, sócio-líder de ESG da PwC Brasil, a ascensão das discussões sobre investimentos em aspectos ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês), termo que surgiu em 2005 em um projeto encomendado pelas Nações Unidas e tem ganhado cada vez mais força, principalmente após a pandemia. “Se passaram 15 anos e acredito que mundo e a sociedade não tenham dado ainda a resposta que os temas ambientais, sociais e de governança precisam”, diz.
Ele ressalta que as empresas devem incorporar essas questões ESG em suas estratégias e na jornada de criação de valor. “Como o ESG é uma jornada, nunca é tarde para começar. Muitos já fizeram diversos trabalhos nesta área e estão colhendo frutos dessas decisões”. Ele destaca que as empresas que de fato levaram o tema ESG a sério estão sendo mais resilientes na crise, passando melhor por tudo que está acontecendo.
Para que se adote uma estratégia ESG efetiva, Mauricio destaca a importância da empresa avaliar quais métricas são mais aplicáveis e aderentes ao seu negócio, traçando metas para o futuro. “O pilar social, por exemplo, ficou muito em evidência durante a pandemia e, considerando a demanda por uma sociedade mais justa e inclusiva, há necessidade de integração de ações”, ressalta, enfatizando também a emergência ambiental que se faz necessária, exigindo que empresas passem a rever suas práticas, tornando-as mais amigáveis ao meio ambiente.
Mercado de capitais – Na rodada de setores conduzida por Luciana Medeiros, vice-presidente da diretoria executiva do IBEF SP e sócia da PwC, Rafaela Araujo, gerente de relacionamento e estruturação de ofertas da B3, apresentou uma mudança estrutural histórica de mercado, com redução da taxa de juros e menor participação de financiamento do BNDES, o que deu mais espaço para o mercado de capitais atuar como fonte de financiamento das companhias. “Os investidores estão migrando da renda fixa para a renda variável e o investidor local vem ganhando muita força no mercado brasileiro”, diz.
Ela diz que o número de participação da pessoa física em bolsa aumentou muito, saindo de 1 milhão no ano passado e chegando a 3 milhões atualmente. “A própria indústria de fundos de investimentos vem crescendo “, conta Rafaela, destacando que hoje, o volume diário negociado em bolsa chega a R$ 29 bilhões. Ela citou ainda que este ano foram realizadas 25 ofertas públicas de ações (IPOs), o que é um número positivo considerando um ano de pandemia em que houve a ocorrência de ofertas interrompidas. “Há muitas empresas na fila”, destaca Rafaela, citando que há mais de 30 companhias com ofertas protocoladas na CVM. “Em linhas gerais, estamos em um momento virtuoso”.
Viagens e lazer – Um setor que sofreu bastante no início da pandemia foi o de viagens e lazer, impactando principalmente empresas de aviação e hotelaria. Alexandre Malfitani, CFO da Azul, destaca, contudo que o momento atual é surpreendente. “No início do nosso plano de retomada, a recuperação prevista era muito menor do que tem se apresentado. As pessoas estão achando uma maneira de se locomover, viajar e fazer suas atividades”, conta.
Na área de lazer doméstico, que representa quase metade do negócio da companhia, o crescimento está maior que o ano passado, saindo de 40% para 70% de demanda. Já a demanda corporativa ainda está menor, variando setor a setor e empresa a empresa, diz Alexandre. “O plano de retomada da companhia passou por uma redução de capacidade para atender a uma nova demanda; negociação de custos fixos; postergações com parceiros; e o último ponto do plano era levantar liquidez. Por causa da retomada mais acelerada, tivemos muito mais demanda do mercado para oferecer capital para a Azul”, conta, ressaltando que há uma posição de caixa equilibrada na companhia atualmente.
No setor de hotelaria, Flavia Buiati, vice-presidente Financeiro e Jurídico da Atlantica Hotels, destaca que o maior desafio atualmente é a retomada do setor corporativo com feiras e eventos, reiterando que o turismo no mundo ainda está 40% abaixo do que existia no pré-pandemia. “Dependemos muito dos eventos corporativos quando pensamos em turismo de negócios, e existe uma retomada muito lenta desses eventos”, diz, citando que, ainda assim, já há eventos híbridos movimentando de alguma forma os hotéis.
Flavia conta que em cidades do interior, a movimentação está ainda maior do que nas capitais, que dependem desse movimento de grandes feiras e eventos. “O lazer está em recuperação mais forte, pela própria pandemia e pela evolução do dólar, fazendo com que as pessoas optem por viajar mais no Brasil do que para fora do país”, diz. A preocupação do setor, contudo, é com a chegada de uma segunda onda da pandemia. “Nesse caso, pode haver impacto grande na mais alta temporada, que é dezembro e janeiro. Como gestores e influentes, precisamos garantir essa retomada da economia com maior responsabilidade”, ressalta Flavia.
Construção – O setor de construção, por sua vez, teve um movimento diferente desde o início da pandemia, com a demanda por materiais de construção aumentando, o que gerou, inclusive, um impacto em estoque. Harley Scardoelli, CFO da Gerdau, destaca que o setor do aço continuou sendo bastante demandado, com muitas reformas e obras em andamento, puxando o consumo de material de construção para cima. “O que estamos vendo é uma falta de matéria-prima básica. Algumas fontes geradoras não estão andando no mesmo ritmo que o setor de construção”. Ele destaca que com a ajuda do governo com o auxílio emergencial e o direcionamento desse dinheiro para o consumo em um momento de juros baixos, o setor passa por um momento positivo.
Ne mesma linha, Vivianne Valente, CFO do Grupo Tigre, destaca que o auxílio emergencial, unido ao fato de que mais pessoas estão em casa, além das taxa básicas de juros reduzidas, impulsionam o setor de construção, que teve uma recuperação muito acentuada, mas que a indústria tem uma falta de matéria-prima generalizada. “Estamos vivendo uma situação onde o aumento de preços do varejo está oscilando”, diz.
Em relação a expectativas em demais países da América Latina, há uma perspectiva de crescimento forte para 2021 por conta da manutenção dos fatores citados, principalmente comparando o primeiro trimestre de 2021 com o primeiro trimestre de 2020, que teve um impacto muito forte com a pandemia. “Esse cenário de exuberância deve permanecer até abril e maio. Mesmo com fim do auxílio emergencial, existe uma recomposição de estoques que deve prolongar o cenário”, diz Vivianne. “Estamos otimistas e cautelosos do ponto de vista de fundamentos macroeconômicos”, complementa.
Consumo – A indústria de alimentos teve um comportamento similar ao de construção civil, com aumento da demanda por parte do consumidor, mas, por outro lado, enfrentando uma mudança no comportamento do cliente, que está mais tempo em casa e alterou os hábitos de consumo de determinados produtos. “Para a gente conseguir aproveitar essas oportunidades, tivemos que ser muitos conservadores na proteção das pessoas e investir na segurança do nosso frontline para atender a demanda”, diz Flavia Schlesinger, CFO da Pepsico.
Segundo ela, a indústria sofre pressões inflacionárias, e para 2021 a expectativa é continuar investindo no Brasil, com agenda EGS trazendo frota elétrica, movimentos de equidade racial e de gênero e agenda de sustentabilidade relacionada a reciclagem de plástico, vidro e água. Flavia diz ainda que vários cenários estão sendo elaborados com bastante flexibilidade para aproveitar as oportunidades e mitigar riscos e desafios. “Além da questão macroeconômica, no ano que vem temos que observar como o consumidor se comporta na medida em que a sociedade se adapta a essa questão da pandemia, e como esse comportamento afeta a demanda”, diz.
Setor automotivo – Os resultados do setor automotivo também surpreendem quem atua no mercado diante das perspectivas traçadas no início da crise. Ciro Possobom, Vice Presidente de Finanças Região SAM & TI da Volkswagen, destaca que a expectativa era que o resultado fosse menor do que o que se apresentou. “Esperávamos um resultado bastante ruim e estamos com um resultado muito melhor, apesar da queda de faturamento. Nos últimos meses, setembro, outubro e novembro, houve uma retomada maior, deixando os números próximos dos patamares de 2019”, diz.
Por outro lado, o custo do material está subindo, com o dólar alto e maior pressão nos fornecedores, e a demanda para repassar custos é forte. “Os preços têm subido e tendem a crescer”, diz. “Ainda assim, temos receita e caixa. O grupo está positivo, mas a pressão de custos é a maior preocupação”.
No exterior, o mercado na China está positivo, enquanto na Europa, com segunda onda da pandemia, o impacto chegou no cliente. Ciro ressalta que, de maneira geral, a estabilização da curva de demanda e oferta ainda levará um tempo. “Estamos otimistas, mas com incertezas em relação a 2021”.
Do lado financeiro ligado ao setor automotivo, Mario Janssen, CEO da BMW Serviços Financeiros, diz que o impacto está muito forte na oferta de estoque, mas o financiamento de automóveis não reduziu tanto. “Há uma queda de 7% muito a ver com redução de custo de crédito, de um lado, e ausência de IOF decretada pelo governo de outro”.
A cadeia também está sofrendo com falta de estoque, e Mario avalia a complexidade em atender à atual demanda com falta de matéria-prima. “A BMW conseguiu lutar contra o panorama geral da crise, aumentando o market-share“, pontua. O câmbio também segue afetando o mercado.
Em relação a questões operacionais, há uma grande transformação em relação a carros elétricos, com aumento da oferta e da venda deste produto. “Outra questão é conectividade; como os automóveis se comunicam com a rede da BMW e em entre si”, diz Mario, ressaltando que a companhia planeja fazer um investimento para impulsionar essa transformação digital, mantendo um papel significativo na indústria.
Conclusões – A crise afetou os mais diversos setores de maneira diferente, e todos os profissionais de finanças procuraram agir com muita cautela para proteger seus caixas e manter o foco na saúde de seus times e de toda a sua cadeia. Nove meses após o primeiro grande impacto da crise, o que os CFOs demonstram é uma recuperação acima da expectativa inicial, conforme avaliou Britaldo Soares, membro do conselho de administração do IBEF SP. “O ano de 2020 foi surpreendente em quão negativas foram nossas expectativas iniciais e como ele está efetivamente acabando”, diz.
Ainda assim, há pontos que precisam ser observados, como a situação fiscal do país e reformas do governo para que haja um rumo melhor dado à economia, com estabilização no futuro. “O aumento do ritmo de investimentos que impulsionam o rumo da economia também dependerá do endereçamento dessas reformas”, diz Britaldo. Ele ressalta que há uma visão otimista e cautelosa, com maior relevância dos aspectos ESG e atenção das companhias para a preservação das pessoas. “É preciso seguir em frente”, complementa.