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Por Antônio de Souza Sampaio Neto, gerente de Treasury & Commodity Risk Assurance da PwC, e Paulo Mantovani, diretor de Treasury & Commodity Risk Assurance da PwC, ambos membros da Comissão Técnica de Instituições Financeiras do IBEF-SP.
De acordo com o presidente do Banco Central do Brasil – Bacen, Roberto Campos Neto, em notícia veiculada pelo jornal Valor Econômico em 26/06/2019 *1, a economia global passa por um processo de “revisão para baixo” de seu crescimento. “O mundo começou a entender que vamos para uma trajetória de juros mais baixos”. O Bacen chama atenção para a queda na taxa de juros de longo prazo nas últimas semanas. O movimento está baseado no lento ritmo de crescimento e menor pressão inflacionária.
Nesse cenário, as aplicações atreladas a um menor risco como, por exemplo, investimentos com rentabilidade baseada na Selic pós-fixados, apresentam menor rentabilidade em comparação com instrumentos de risco de crédito privado ou baseados em índices de renda variável existentes no mercado. Dentro desse contexto, alguns investidores, gestores e tesoureiros, de acordo com o apetite de riscos de suas tesourarias, buscam uma maior diversificação de seus portfólios. Incorporando, assim, produtos em renda variável e/ou títulos de crédito privados como, por exemplo, debêntures e Certificados de Depósitos Bancários – CDBs.
Devido à maior parte destes investimentos serem de mercados de crédito privados ainda em desenvolvimento no Brasil, a determinação do valor justo desses títulos é, por si, desafiadora. Primeiro, pela ausência de dados de mercado observáveis; segundo, devido à subjetividade em função das diferentes percepções dos agentes de mercado sobre o preço do ativo/dívida em questão; e, terceiro, pelas distintas disponibilidades de fontes de informação utilizadas por esses agentes.
Determinar o preço de valor justo é mais complexo na definição da parcela de risco de crédito, já que a parcela de risco de mercado apresenta maior disponibilidade de informação pública devido ao mercado atual para títulos públicos e o mercado futuro de taxas de juros no país.
Dentro desse contexto, como orientação para o correto tratamento contábil e transparência em suas informações sobre instrumentos passivos ou ativos a valor justo, o Comitê de Pronunciamento Contábeis (CPC 46) estabeleceu os critérios a serem seguidos pelas entidades. Ele descreve, entre outros aspectos, a classificação de ativos ou passivos ou “hierarquia de níveis”, conforme normativo.
Essa classificação divide-se em 3 níveis:
Nível I – Preços cotados em mercados ativos (sem ajuste) e com informações disponíveis na data da mensuração. Informações de nível I estão disponíveis para ativos e passivos financeiros e podem ser trocadas em diferentes praças de negociações (bolsas).
Nível II – Informações sobre o ativo ou passivo que podem ser observáveis. Como exemplo, taxa de juros, curvas de rendimento, volatilidades implícitas e spreads de crédito. Alguns dados que podem variar em instrumentos com classificação nível II estão relacionados à condição ou localização do ativo, relacionamento entre as informações e o instrumento e, ainda, o volume do mercado consultado.
Nível III – São dados não observáveis que carregam as premissas internas de um participante do mercado para ativo ou passivo e que devem ser utilizados uma vez que as informações relevantes para a mensuração de valor justo não se encontrem disponíveis. Podem incluir componentes de um ajuste sobre o valor justo e premissas sobre o risco do modelo de precificação, como exemplo, a diminuição do volume de negociação ou a mudança significativa no custo da transação do instrumento.
Considerando que o mercado de títulos privados ainda se encontra em desenvolvimento no Brasil e que no mercado nacional o risco de crédito é parcela relevante no preço dos títulos privados, majoritariamente esse mercado acaba refletindo uma parte (ou parcela relevante) do preço em nível III. Isso define modelos de mensuração que são atribuídos por algum âmbito julgamental, o que pode refletir em diversos preços para um mesmo título entre os agentes de mercado por: 1) usos de modelos distintos, 2) acesso a diferentes premissas para a determinação de preço ou 3) disponibilidade de informações para a análise.
O CPC 46 orienta que as entidades busquem os preços de referência para o valor justo por meio de consulta das melhores informações disponíveis. Porém, considera que a busca por essas informações não deve ser exaustiva, e apenas leve em consideração todos os dados disponíveis. Podemos, portanto, utilizar como exemplo prático a mensuração baseada na observabilidade dos dados de mercado nos casos de debêntures de companhias de capital aberto que possuem títulos líquidos no mercado e ratings de crédito já atribuídos. O mesmo caso, porém, não poderá ser aplicado no caso de companhias de capital fechado e sem histórico de emissões anteriores.
Para o tratamento de dados não observáveis no mercado, as entidades podem fazer o uso de premissas internas, sempre se utilizando do grau máximo de transparência e informações acessíveis e, com isso, modelar a mensuração a partir de seu tratamento interno sobre as variáveis. O pronunciamento indica, porém, que mediante novos ajustes ou tratamento divulgado pelo mercado para esses inputs, cabe à entidade a reavaliação de seu modelo com o intuito de refletir o ajuste disponível.
Este tratamento acaba por diferenciar os preços, já que a disponibilidade de informações entre os agentes de mercado pode ser distinta, o que acabará gerando ineficiência na determinação do valor justo para esses títulos.
A melhoria deste ambiente só será possível a partir do desenvolvimento do mercado secundário de crédito privado no Brasil, algo que necessita ainda de tempo para a sua maturidade.
O mercado está buscando ampliar as referências de preços públicos disponíveis para o mercado secundário de títulos privados. A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais – Ambima *2 anunciou que irá efetuar a ampliação dos títulos, atualmente restritos a 315 debêntures para as operações de Certificados de Recebíveis Imobiliários – CRI e Certificados de Recebíveis do Agronegócio – CRA, a partir do segundo semestre de 2019. Esse é um bom indicador da relevância que os agentes têm dado à padronização de preços de referência no mercado secundário de títulos públicos. Um bom avanço, porém, um longo caminho a ser conduzido.
As opiniões e conceitos emitidos no texto [acima] não refletem, necessariamente, o posicionamento do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF) a respeito do tema, sendo seu conteúdo de responsabilidade do autor.