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“Dia em que não se aprende é o único dia perdido”, afirma o CEO da Gol Linhas Aéreas

No comando de uma das maiores empresas do País há seis anos, Paulo Sérgio Kakinoff, presidente da Gol Linhas Aéreas, compartilhou os aprendizados de sua trajetória profissional no encontro de mentoring do IBEF Jovem, realizado no dia 17 de julho. ¨É essa oportunidade de aconselhamento com os mentores que faz a diferença em nossas carreiras”, destacou José Vinicius de Oliveira Alves, líder do núcleo jovem do IBEF-SP, hoje composto por 200 pessoas, ao abrir o encontro.

Sem atalhos – Se você espera ler nas próximas linhas a receita para se tornar um executivo de sucesso, você irá se desapontar.  O alerta vem do próprio Kakinoff, que é avesso aos conceitos de idealização das pessoas, estereótipos profissionais e manualização do conhecimento. “A tendência à celebrização, à idolatria, nos desvia e nos leva a uma interpretação muito precoce e superficial do que precisa ser feito, em busca de atalhos na carreira”, ressalta, ao lembrar que mesmo os ditos ¨gênios empresariais¨ são pessoas falíveis.

Ele defende que cada indivíduo deve buscar o seu caminho de aprendizado, e não tentar se encaixar em um modelo idealizado de outra pessoa. “Nós somos o produto do nosso empenho, da conjuntura, e de nossa capacidade de formar nossa própria massa crítica com as informações que recebemos”, destaca o executivo. “Se vocês quiserem adotar ídolos, façam isso na música ou no cinema. E tenham certeza que até mesmo esses ídolos têm um dark side, tão obscuro ou mais do que o de todos nós”.

Desmontar para entender – O fascínio por desconstruir o que está posto para formar seu próprio entendimento sempre acompanhou Kakinoff. Desde sua infância, na década de 1980, era fascinado por compreender o funcionamento de máquinas e equipamentos. Nascido em uma família de classe média baixa, em Santo André (SP), ele lembra que as duas tecnologias mais revolucionárias que chegaram em seu lar foram o videogame Atari e depois o videocassete, comprados a prestações.

Seu pai trabalhava na indústria automotiva, na área de certificação de protótipos, incumbido de fazer os testes de qualidade dos carros antes do lançamento no mercado. O espaço de tempo para isso era curto – rodando de 30 mil a 40 mil quilômetros em apenas 45 dias. “Ele ia com esses carros para casa. Para mim, era uma nave espacial chegando”, diz, ao recordar o deslumbramento pueril.

“A minha rua era povoada de automóveis como Fusca, Corcel, Brasília…carros muito mais simples. E esses carros mais sofisticados na época, como o Santana, me levaram para essa ideia, bem rudimentar, de que a tecnologia eletrônica era algo que me encantava e fascinava”, afirma Kakinoff.

O fascínio pela lógica do mecanismo, desmontar as coisas para entender, moveu o curioso jovem a cursar o ensino de segundo grau em uma escola técnica, na área de tecnologia eletrônica. Adicionalmente, os pais investiram em um curso de inglês. Esses dois conhecimentos – avançados para uma época em que a maioria da tecnologia disponível era eletromecânica e o idioma estrangeiro estava menos disseminado – foram grandes diferenciais que contribuíram para a contratação de Kakinoff como estagiário na multinacional Volkswagen, aos 17 anos.

Era o início de uma trajetória de 19 anos na indústria automobilística, na qual Kakinoff teve uma carreira acelerada. “Eu costumo dizer que os dois momentos mais excitantes da minha vida profissional foram o primeiro ano de estágio na Volkswagen (1982) e o meu primeiro ano na GOL (2012). Esses dois períodos foram muito determinantes, inclusive, para eu projetar o meu futuro profissional¨.

Vivendo o sonho – Kakinoff explica que o combustível para a carreira era – e continua sendo –  a vontade de aprender. “Imagine um jovem, recém-formado do segundo grau, chegando em uma empresa do tamanho da Volkswagen, onde existiam 45 alas, 72 semáforos lá dentro. Tudo tinha uma dimensão absurdamente alta”, recorda. “E eu não tinha conhecimento nenhum. Então, a velocidade de aprendizado nesse primeiro ano foi a maior que tive na vida. Porque tudo era novo: tirar uma xerox, saber como se portar em uma reunião, os carros, os processos… E nada me trouxe na vida mais prazer profissional do que ter um alto volume de aprendizado em um curto espaço de tempo¨.

E foi nessa época de estagiário que ouviu uma frase que decidiu carregar para a vida, dita por um engenheiro da Volkswagen do México: dia em que não se aprende é dia perdido. “Você pode ter tido um dia horrível, em que tudo deu errado. Mas até mesmo os problemas deixam algum aprendizado para a vida. Dia em que não se aprende é o único dia perdido em sua vida; eu guardo isso desde o primeiro momento”.

Foram quase duas décadas de trabalho na indústria automobilística, que incluíram promoções a cada 1 ano e meio, experiência nas áreas de treinamento, assistência técnica, administração, vendas e marketing. Kakinoff viveu por quase três anos na Alemanha, na matriz da Volkswagen, onde exerceu o cargo de diretor executivo da multinacional para a América do Sul. Em 2009, ele assumiu a presidência da Audi Brasil e chamou a atenção do mercado pela ousada proposta de lançar um modelo novo a cada 45 dias. No mesmo ano, foi eleito o “Executivo do Ano” pela Revista Auto Esporte.

Trocando a direção pelo manche – Mas uma nova paixão fez o executivo mudar radicalmente a rota de sua carreira. Logo ele iria trocar as máquinas do asfalto pelas dos ares. Apaixonado por tecnologia e com uma busca insaciável por aprendizado, em 2010, Kakinoff tornou-se membro independente do Conselho de Administração da GOL Linhas Aéreas. Dois anos depois, foi convidado a assumir o posto de CEO da organização.

“Foi o segundo grande momento de aprendizado na minha carreira. Imagine a diferença entre ser presidente da Audi, uma empresa fechada no Brasil, voltada ao segmento A e B, vendendo produtos, e ser presidente de uma companhia aérea, listada em Bolsa no Brasil e nos Estados Unidos, que vai do espectro da classe A à D, vendendo serviços”.

No mês de julho de 2012, quando assumiu o manche da Gol, Kakinoff também virou notícia por sua proposta de viajar 1 vez por semana em um voo de carreira, para sentir a experiência do cliente e conversar pessoalmente com os passageiros. Questionado sobre o que motivou essa ação, Kakinoff contextualiza a dimensão das operações da empresa: a GOL faz 800 voos por dia, que transportam em média 110 mil pessoas (33 milhões de clientes por ano) para 64 destinos em 12 países. Além de ter uma complexa estrutura organizacional composta por presidência vice-presidência, diretoria, gerência executiva, gerência, supervisor e coordenador em 64 bases, com 3 idiomas diferentes.

“Decidi ir para a ponta do serviço com a seguinte ideia: tudo que é preciso ser feito para o cliente, se for visto por mim, já elimino um grande problema: não haverá barreira de aprovação. Se eu estiver convencido, vivendo essa experiência do cliente, é muito mais fácil ter a avaliação crítica necessária para dar eco, promover e patrocinar aquelas demandas que existiam na companhia, e estabelecer as cobranças e processos sobre o que precisava ser aperfeiçoado”, contou Kakinoff.

A experiência mostrou-se acertada. Ao completar seis anos à frente da companhia aérea, Kakinoff já deixa um legado em sua gestão, tanto na área financeira quanto de atendimento ao cliente. Na primeira vertente, ajudou a empresa a reverter um resultado operacional negativo de -12% (margem EBIT 2012) para positivo de 9% (margem EBIT 2017). Com relação à experiência do cliente, a companhia obteve por quatro anos consecutivos a liderança no índice de pontualidade do setor, registrou o maior número de assentos com o Selo A de Conforto da Anac (que indica o maior espaço na distância entre as cadeiras) e se tornou líder de mercado desde 2014.

Felicidade no trabalho – Ao conversar com os jovens, Kakinoff compartilhou algumas reflexões pessoais e experiências que o ajudaram na vida. Resumimos abaixo alguns dos melhores conselhos.

Neto de um imigrante bielorrusso, ele chamou atenção para as diferenças entre gerações e seus propósitos. Pessoas da geração de seu avô, por exemplo, que imigraram ao Brasil no início do século passado, fugindo de situações hostis em seus países de origem após passar privação de sono e alimento (em regimes de guerra), tinham satisfação em qualquer trabalho que atendesse a essas duas necessidades básicas.

Os filhos deles, a geração seguinte, estudaram para trabalhar em algo que proporcionasse uma melhor condição financeira, mesmo que sem prazer. Sacrificaram-se para dar uma melhor educação aos filhos e sonhavam em fazer o que gostavam quando se aposentassem. Contudo, quando esse momento chegou, muitos se frustraram porque haviam destruído sua saúde ao longo do caminho, e não tinham mais condições físicas ou mentais para desfrutar.

Para Kakinoff, não é possível ser feliz profissionalmente sem ter três necessidades atendidas simultaneamente:
– Fazer o que gosta – É importante que as novas gerações busquem a associação do trabalho ao prazer. ¨Não vejo porque alguém saudável, no ápice da vida produtiva, enquanto seu corpo e mente permitem exercer o mais amplo leque de atividades, escolheria passar a maior parte do seu tempo acordado fazendo algo que não gosta ou não quer. Além disso, a probabilidade de ter êxito trabalhando em uma profissão que você não gosta é muito baixa¨.

– Recompensa financeira: Quando uma pessoa realiza, precisa também da recompensa financeira, completa Kakinoff. A remuneração é importante porque traz conquistas materiais que são relevantes para o profissional. “Pode ser um carro, uma casa, o estudo dos filhos, a sua própria faculdade, um MBA, ir ao cinema ou viajar. É um incentivo”.

– Reconhecimento – É necessidade intrínseca do ser humano ser percebido por suas características positivas. Contudo, isso precisa ser equilibrado com uma dose de autocrítica. “Os melhores profissionais que eu vi desperdiçarem chances de carreira incorriam no mesmo erro. Eles assumiam a famigerada frase – eu sou assim e o mundo que me aceite. E eles não percebiam, ficavam completamente cegos para o seu lado sombra, as coisas negativas que faziam. E isso só é revelado se você tiver acesso a um feedback verdadeiro”.

Lidando com o “lado sombra” – Quando se tornou CEO pela primeira vez, na Audi, Kakinoff conta que, sem chefe, sentiu falta de ter alguém pudesse lhe dar um feedback sobre os aspectos comportamentais. Foi então que ele decidiu criar um sistema que levou também para a GOL. ¨A cada seis meses, eu chamo várias pessoas que se reportam a mim: vice-presidente, diretor, assistente etc. Essas pessoas ficam em volta de uma mesa por 1 hora, sem a minha presença na sala, com a seguinte missão: preencher uma lista só com os meus defeitos em uma página, de forma totalmente anônima¨, conta. ¨Há 11 anos, essa lista varia de 6 a 12 itens. São sempre os mesmos. E por que varia no número? Porque quando eu vejo a lista, trabalho esses pontos fracos e aí melhoro. Mas se eu relaxo, eles voltam¨, disse o CEO, bem-humorado.

Ter um lado sombra é da natureza humana, todos temos, afirma Kakinoff com humildade, refutando mais uma vez a visão idealizada de executivo. Por isso, é importante reconhecer que ele existe e buscar controlá-lo. ¨Por exemplo, eu não sou pontual. Cheguei aqui cinco minutos antes do horário previsto, mas não é da minha natureza. Meu relógio está dez minutos adiantado, a minha assistente vai me tirando das reuniões, mandando as mensagens. Então, eu adaptei a minha vida para cuidar de um defeito que sei que tenho¨.

Para Kakinoff, dar ênfase no que se é muito bom e identificar precocemente o seu lado sombra para aprender a controlá-lo – antes que se transforme em um freio de mão na carreira – foi, sem dúvida, uma das coisas que mais o ajudaram no desenvolvimento pessoal e profissional. E o exemplo vai do topo para a base. ¨Por que isso é bom também para a companhia? Porque se essa postura vem do próprio CEO, ninguém mais na empresa está em condição de dizer: eu não aceito críticas, eu não reconheço o meu lado negativo¨, destaca.

Responsabilidade – Questionado sobre como se sentia ao encarar a responsabilidade de comandar uma empresa na qual uma única falha de operação poderia impactar as vidas, os sonhos e planos de centenas de pessoas, Kakinoff resumiu: ¨Eu tive medo no começo. O medo me acompanhou a vida profissional inteira. Mas o medo é o efeito colateral de você assumir rapidamente mais responsabilidades. O medo é a insegurança. Medo porque quanto mais alto hierarquicamente você estiver na estrutura, mais solitário você estará; isso é verdade. Mesmo que você interaja bem com as pessoas, chancele sua opinião com elas e todo mundo esteja concordando, no final do dia o call é seu – a responsabilidade é sua. Mas o medo nunca foi um paralisante para mim, porque ele está aplicado ao desempenho da minha função em uma indústria que me fascina. E justamente por ser fascinado por ela, o único antídoto para o medo é o aprofundamento¨.

A insegurança foi logo vencida ao mergulhar no universo da aviação. Com uma curiosidade insaciável, Kakinoff buscou aprender desde sobre os dispositivos que compõem uma aeronave a até fazer um curso de pilotagem para conhecer os protocolos da tripulação. Estatisticamente, há 4 mil vezes mais chances de uma pessoa sofrer um acidente no caminho para o aeroporto do que embarcada em um avião.

¨Na aviação, nós temos duas certezas todos os dias, na 0h de cada santo dia: as próximas 24 horas estão 100% planejadas e a possibilidade das próximas 24 horas saírem 100% como planejadas é zero”, ressalta o executivo, ao lembrar que as variáveis são muitas: tráfego aéreo, clima, manutenção não prevista… ¨Mas eu te asseguro que temos 15 mil pessoas que estão lá trabalhando para trazer essas 24 horas planejadas o mais próximo possível daqueles 100%. Hoje nosso índice de regularidade é de 99,8%. Isso significa que na média de 800 voos que fazemos, de 1 a 2 não irão decolar. O passageiro vai embarcar, porque podemos trocar o voo. Mas mesmo essa diferença de 0,2% sabemos que impacta a vida de centenas de pessoas¨, completa o CEO.

Profissionais de finanças – Ao responder qual o perfil esperado para o CFO e o time de finanças, do ponto de vista de CEO, Kakinoff destacou que os profissionais de finanças são em média os mais bem preparados quando assumem uma função, seguidos pelos engenheiros. ¨Eles têm um arcabouço técnico muito forte. Porém, ainda percebo baixa sensibilidade para o negócio, o cliente e outras áreas. Então, se eu puder dizer algo para vocês serem bons CFOs no futuro, é que coloquem um peso maior na sua decisão e interesse de aprendizado no marketing, no jurídico, em vendas… Compreender essas áreas fará uma diferença enorme¨.

Por fim, questionado por um jovem sobre qual seria sua primeira decisão se fosse um dia presidente do Brasil, Kakinoff responde: ¨Colocaria todos os lados antagonistas em volta da mesa para conversar. E buscarmos soluções juntos¨.

Texto: Débora Soares

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