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E se o Brasil jogasse contra a Índia – em Governança Corporativa?

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Imagine que você está no Maracanã, com uma visão perfeita do campo e que é uma tarde ensolarada de julho de 2016. Lá embaixo, a seleção brasileira está se aquecendo para a final, que vale a medalha de ouro dos XXXI Jogos Olímpicos.

Mas o time adversário que entra em campo não é a Espanha, Alemanha, Holanda ou Argentina; devido a um erro do Comitê Olímpico Internacional, a equipe é a… Índia!

“Vocês estão brincando comigo?”, diz um torcedor brasileiro, que ri: “Vamos ganhar de 1.000 x 0. E, se jogarmos sem as vendas, a pontuação será ainda maior.”

Para evitar constrangimentos, os países decidem mudar as regras. Em seguida, a Índia, quarta maior economia do mundo, propõe um jogo de governança corporativa. O Brasil, até então a terceira maior economia do mundo, concorda em tirar Ronaldinho e Robinho fora do campo e, em seu lugar, colocar as melhores empresas do País, instituições e práticas de governança corporativa.

Esses “jogadores” vão se alinhar contra os melhores da Índia, para ver qual dos países tem melhor governança corporativa. Os juízes e bandeirinhas também foram substituídos por alguns dos maiores fundos de investimentos estrangeiros, que tiraram o paletó e a gravata e vestiram camisas pretas.
Isso soa estranho? Na realidade, não é. Já em muitos setores, as melhores empresas de ambos os países competem diretamente, não só por clientes, mas também pelos mesmos investidores estrangeiros.

E, cada vez mais, o que distingue a empresa vencedora é mais do que o lucro auferido. Os fatores determinantes incluem o modo como a sociedade é regida – a partir do conselho de administração, as políticas de remuneração, os métodos de contabilidade e a maneira como as assembleias de acionistas são realizadas. Os investidores se sentem confiantes quanto ao futuro da empresa se vêem nela abertura, equidade, supervisão independente e uma verdadeira parceria entre a empresa e todos os seus proprietários, e não apenas com os acionistas controladores.

Além disso, os investidores estão diretamente comparando Brasil e Índia. Em Toronto, durante a International Corporate Governance Network Conference, em outubro passado, foi perguntado aos participantes qual país praticaria uma melhor governança corporativa. A resposta: 71% disseram que era o Brasil e 9% disseram que era a Índia.

Seria um simples ranking suficiente para avaliar esses dois países? Em uma palavra, não.

Brasil e Índia têm pontos fortes e fraquezas muito diferentes. Uma simples pontuação numérica não lançará luz sobre como qualquer negócio é feito nesses países. A comparação tem que ser mais detalhada.
Vamos imaginar novamente a final no Maracanã em 2016 e ver como o jogo acabará…

No início do jogo, o Brasil assume o controle e passa a bola para a Gafisa, a construtora de imóveis residenciais que pode ser a empresa mais bem gerenciada do Brasil, com grande pulverização de ações, um conselho de administração que conta com 83% de membros independentes, um comitê de auditoria independente e também um conselho fiscal, uma política de remuneração justa, reuniões de acionistas muito bem feitas, sem pílulas de veneno, e direitos iguais para todos os acionistas no caso de a empresa ser vendida. Gafisa ilude todos os defensores e marca facilmente. Brasil lidera, por 1 x 0.

A Índia ataca de volta com sua própria construtora, a muito bem gerenciada DLF, que é grande (US$ 75 bilhões de faturamento), venerável (60 anos) e altamente valorizada (P/E de 25 e capitalização de mercado de US$ 10 bilhões). Os investidores estrangeiros têm abraçado a companhia de Nova Delhi e a incluem em vários índices – por exemplo, o Dow Jones BRIC 50 Index. A DLF dispara um tiro longo e marca, empatando o jogo em 1 x 1.
O Brasil tem a bola novamente e passa para a BRF, a gigantesca produtora de alimentos baseados em proteínas animais, como frangos e suínos. A BRF é gerenciada de forma semelhante à Gafisa, mas com menos independência no conselho de administração. A BRF, poderosa, dribla a defesa vegetariana da Índia e explode a bola na rede, marcando 2 x 1.

A Índia não tem uma grande empresa de alimentos, como a BRF. O melhor que a Índia pode oferecer em resposta seria a Nestlé indiana, que rapidamente se derrete sob o sol carioca.

Mas a bola é apanhada pelo setor da Tecnologia da Informação da Índia – uh-oh, um problema para o Brasil. Essas são empresas verdadeiramente globais, aderindo a padrões muito elevados de governança corporativa. Elas se elevam sobre os defensores brasileiros – as bem gerenciadas, mas mais novas, Totvs, Cielo e Redecard. Infosys Índia passa a Wipro… então a Tata Consultancy… sobre a HCL para um gol fácil, empatando o placar, 2 x 2.
A Índia começa a jogar de forma agressiva e envia a indústria farmacêutica – Ranbaxy, Dr. Reddy’s, Piramal e Sun Pharmaceutical, para citar algumas. Os brasileiros tentam detê-las com a Hypermarcas e a Natura, listadas no Novo Mercado. Mas as companhias indianas operam em vários países, incluindo Brasil, e atendem a padrões de governança superiores aos do Brasil. Elas jogam com a força de um ciclone e varam a bola na rede sem qualquer resistência adversária, colocando a Índia à frente por 3 x 2.

O primeiro tempo continua assim; perdendo por um gol no minuto final do semestre, o Brasil toca tudo pra cima do setor de petróleo e gás, que, com governança muito boa entre a Petrobras e a OGX, consegue o seu objetivo: Petrobras chuta na trave direita e a OGX desvia o rebote para dentro do gol (ações da Petrobras caíram 5 % e as da OGX aumentaram 20%) e empata o jogo em 3 x 3.

Mas a indiana Reliance Industry, apesar da boa governança da Petrobras e da OGX, volta a colocar a Índia no topo outra vez, agora 4 x 3.

No intervalo, o jogo está empatado, 5 x 5, e os torcedores já entenderam que essa será uma luta apertada e ficaram em seus assentos durante todo o descanso.

Durante o intervalo, as equipes pensaram em novas maneiras de prevalecer e o treinador da Índia faz um break-through conceitual: “Temos algumas empresas mais fortes e algumas mais fracas. A maneira de vencer o Brasil não será apenas enviando a nossa melhor mineradora contra a Vale ou mesmo o nosso melhor banco contra o Itaú Unibanco. Nós só ganharemos se colocarmos todo o nosso sistema contra o sistema deles.”

No segundo tempo, a Índia sai do túnel como uma máquina bem lubrificada, e já na primeira jogada os indianos enviaram uma unidade especial, chamada “Divulgação – Relatório Anual”. Vestindo uniformes que são 95% de transparência, essa unidade especial assume o controle do jogo. Numa camisa lê-se “Perfis dos Diretores”, referindo-se à descrição detalhada utilizada na Índia para cada membro do conselho de administração.

As melhores empresas brasileiras descrevem cada membro do conselho em termos de idade, escolaridade, experiência, comissões e algumas das suas atividades profissionais fora do conselho.

Em contrapartida, todas as empresas indianas relatam tudo o que as melhores empresas brasileiras relatam, e mais: (i) a presença de cada conselheiro nas reuniões do conselho de administração, comitês e acionistas, (ii) o número de outros conselhos e comissões em que ele serve, e o número das quais ele é o presidente.

O resumo quantitativo da Índia torna fácil para os acionistas verem quais os administradores são ativos ou não, e quais os que podem estar mais atarefados. Assim, a Índia confunde a defesa brasileira e pontua facilmente, estabelecendo uma vantagem de 6 x 5.

Os torcedores no Maracanã gemem quando uma nova Unidade de Divulgação indiana pega a bola, a “Perfis dos Comitês”. Considerando que são poucas as empresas brasileiras, mesmo entre as melhores que indicam a composição, a presidência, e a finalidade de cada comissão, as empresas indianas apresentam tudo isso e mais: o número de reuniões, comparecimento de cada membro e, em alguns casos, um relatório de fim de ano de realizações.

Essas informações adicionais das empresas indianas mostram aos investidores o esforço e o desempenho das comissões cruciais do conselho, e a Índia novamente confunde os defensores brasileiros e impulsiona a bola na rede. A liderança agora é de 7 x 5.

Surpreendentemente, mais uma Unidade de Divulgação indiana toma a bola, a chamada “Remuneração de Executivos”.

Enquanto nos relatórios anuais da maioria das empresas brasileiras a remuneração dos executivos e membros do conselho é apresentada por grupos, as empresas indianas relatam a remuneração individualmente para cada alto executivo e todos os membros do conselho. A diferença é enorme: essa informação expõe possíveis excessos, que podem ser de interesse dos acionistas da empresa. Essa é uma falha do Brasil – para não dizer dos controladores das empresas –, que não quer dizer quanto é a remuneração do seu CEO. O resultado é um “gol contra,” com o Brasil colocando a bola em sua própria rede. Os indianos agora estão com uma grande vantagem, 8 x 5.

Na metade do segundo tempo, os juízes pararam a bola e deram um cartão amarelo à Índia por manter duas bolsas de valores – a Bolsa de Bombaim e a da National Stock Exchange – no mesmo jogo. “Isso é muito confuso,” eles dizem.

Os torcedores do Maracanã estão de novo animados, continuam torcendo pelo time da casa e gritam com o técnico: “Põe o nosso sistema! Coloque o nosso sistema!” O treinador do Brasil ouve isso e dá aos torcedores o que eles queriam. Ele manda entrar em campo o Novo Mercado, que entra pela primeira vez no jogo e o resultado é imediato, como se Ronaldinho, Ganso, Robinho e Neymar estivessem na equipe, jogando contra Lakshmi e Pradeep.
O sistema voluntário brasileiro de governança corporativa diferenciada é imbatível.

Com a ajuda do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, o Novo Mercado rapidamente marca três gols, empatando o jogo em 8 x 8.
Depois disso, ninguém mais marca: cada um tem uma maneira de parar o outro, e ambos os lados se cansam, mas, nos últimos instantes, o Brasil tem uma última chance quando o goleiro indiano coloca a bola para escanteio.
O Brasil escolhe o jogador que vai bater o corner. O treinador brasileiro olha para o banco e acena para um novo jogador. Os torcedores ficam de pé ao verem quem é esse jogador que, vestindo verde e amarelo, corre para a posição à frente do gol indiano.

O novo jogador é a CVM, a versão brasileira da SEC dos EUA, com o poder de estabelecer normas mais rigorosas de governança corporativa, iguais ou superiores às da Índia.

“Finalmente!”, gritam os torcedores. “Nós vamos ganhar com certeza, agora que a CVM está em campo!” A bola é lançada para dentro da área, a CVM salta acima de toda a defesa indiana e cabeceia a bola diretamente para o… O resto terá de esperar até 2016.

Enquanto isso, vamos lembrar que o Brasil pode aprender muito com a Índia a fim de ganhar a confiança e o apoio dos investidores globais. De fato, as melhores práticas na Índia representam uma moleza para o Brasil aprender – uma maneira fácil de tornar as empresas brasileiras de menor risco para os acionistas e, portanto, mais valiosas.

Por que esperar até 2016?

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