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Crescimento de dois dígitos, contratação de 30% a mais de pessoas e sede nova. É assim que a Alelo vai encerrar 2015, um dos melhores anos de sua história, conta o CEO da empresa, Eduardo Gouveia. A companhia está entre as maiores do segmento de benefícios alimentação e refeição do Brasil.
Gouveia é um dos líderes empresariais mais admirados do País. Os membros do IBEF Jovem foram recebidos por ele no escritório onde a companhia se instalou, há pouco mais de três meses, em Alphaville, Barueri. Logo na entrada, encontramos um confortável lounge onde os funcionários podem tomar café e conversar. Nas paredes, o verde vivo se mistura a imagens de colaboradores sorridentes e criativas instalações que retratam, na linguagem da arte, os valores da empresa, como paixão e ousadia.
O presidente nos mostra sua mesa. O espaço com um notebook, cercado por livros e documentos, se mistura às estações de trabalho dos demais funcionários. “Queríamos um ambiente colaborativo, que não demonstrasse divisões hierárquicas. A minha cadeira é a mesma do estagiário”, observa.
Esse foi apenas um esboço do que nos aguardava: uma entrevista surpreendente que você lerá nas próximas linhas.
Participaram do encontro o líder do IBEF Jovem, José Vinicius de Oliveira, os associados Alberto Faria, Guilherme Avelino, Aline Nozima, Marcella Paes, e a jornalista Débora Soares.
A entrevista foi dividida em duas partes. Nesta primeira, você conhecerá a trajetória profissional de Gouveia. A segunda parte, dedicada aos conselhos para jovens executivos, será publicada nesta segunda-feira (02/11).
PARTE I – DESENVOLVIMENTO DA CARREIRA
DÉBORA SOARES: Para começar o bate-papo, você poderia falar como foi o seu primeiro contato com o mundo do trabalho? Sua carreira teve várias mudanças. Você poderia falar um pouco sobre esse começo?
EDUARDO GOUVEIA: Eu tenho uma curiosidade em minha vida. Eu nasci na Califórnia, nos Estados Unidos. Sou um nordestino californiano (risos). Meu pai estava fazendo PhD na Universidade de Berkeley e eu acabei nascendo por lá. Quando eu tinha 1 ano e meio de idade, voltamos para o Brasil e fui criado em Recife (PE).
Comecei a trabalhar relativamente cedo. Meu primeiro contanto profissional foi aos 15 anos. Eu era office-boy em um escritório de cálculo estrutural do Paulo Cordeiro, que era um amigo do meu pai. Depois, aos 18 anos, eu entrei no banco Banorte, como programador de sistemas. Minha primeira formação é em Ciências da Computação, e eu só falo isso em fóruns fechados (risos). Eu sou formado em Computação e em Administração de Empresas.
DÉBORA SOARES: Por que você decidiu mudar de área? Foi o momento mais decisivo da sua carreira?
GOUVEIA: Eu percebi claramente que eu não seria feliz sentado diante de uma máquina. Eu passava 8 horas por dia fazendo programação de sistemas e percebi que o que gostava mesmo era de estar junto das pessoas. A minha veia era muito mais comercial.
Depois de cinco anos na área, aos 23 anos de idade, eu decidi que não queria mais isso. Eu iria virar marqueteiro ou comercial. Então, eu consegui uma transferência, dentro do próprio banco, para a área de produtos e marketing. Essa foi a principal ruptura da minha carreira.
ALBERTO FARIA GONÇALVES: Quando você mudou para essa área de produtos, marketing… Você estava seguro dessa decisão ou você chegou a pensar “será que é isso mesmo”?
GOUVEIA: Eu tive muito medo (risos)! Minhas mudanças profissionais sempre tiveram um risco muito forte. E muito medo, muita insegurança. Todas as vezes. Inclusive, quando vim para cá (Alelo).
VINICIUS: O jovem executivo tende a pensar que o CFO, o CEO, nunca teve preocupação na carreira, né? Acha que ele já nasceu formado…
GOUVEIA: Eu tenho orgulho da minha carreira. Eu já fiz muita besteira. Nós erramos todos os dias, e acho que vocês têm que ter consciência disso. Agora, eu nunca tive medo de dar certo. Vocês entendem, né? Eu sempre tive muita certeza dessas decisões.
VINICIUS: Você não tem medo de tentar.
GOUVEIA: Eu não tenho medo de tentar. A minha carreira teve muito disso. Então, eu fiz computação. Depois fui para (área de) produtos e marketing e, posteriormente, virei gerente corporativo do banco. Eu não entendia nada de finanças e eu tinha uma carteira de grandes contas. Então, o que eu fiz? Fui estudar. Cursei um MBA em Finanças no Insper (na época se chamava Ibmec), quando estava me tornando gerente corporate. Depois, virei gerente geral de agência.
ALBERTO: Para o varejo?
Varejão. Porque no banco eles tinham um programa chamado “Five stars” e eu estava nisso. Eram jovens executivos sendo preparados para o futuro. Até que pedi demissão do banco e montei uma distribuidora de produtos. Montei uma empresa!
VINICIUS: Saiu do mundo corporativo.
GOUVEIA: Saí do mundo corporativo, com a sensação de “ah, vou ganhar dinheiro”. Loucura, maluquice isso. Eu fui sócio do pessoal da Frevo Refrigerantes. Na época, chegamos a vender mais do que a Coca-Cola, em Pernambuco. Também criei uma corretora de seguros com o meu ex-diretor corporate do banco, que tinha se aposentado. O nome era PGF – o “G” de Gouveia.
VINICIUS: Você teve várias mudanças bruscas na carreira. E o medo? Como foi isso? Você não teve medo nenhum ou pensou “vamos para cima”…
GOUVEIA: Vamos para cima. Como é que monta uma distribuidora? Eu não tinha a mínima ideia. Você vai, faz, quebra a cabeça e dá certo. Demos certo em Recife. E precisávamos expandir as fronteiras da distribuidora. Então, fui morar em Salvador (BA) para montar outra distribuidora de produtos. E a minha família ficou em Recife. Eu fazia ponte aérea: ia na segunda-feira para Salvador e voltava na sexta para Recife.
Depois de dois anos e meio, o meu casamento estava um lixo, porque eu havia passado muito tempo sem conviver com a minha família. Decidi então vender a minha parte na distribuidora e voltar para Recife para recuperar a minha família. Foi a decisão mais acertada da minha vida.
ALINE NOZIMA: Não havia chance de você voltar e continuar com a empresa?
GOUVEIA: Eu já estava cansado do negócio também. Eu trabalhava feito um condenado! Era uma empresa distribuidora de produtos para baixa renda. Era um negócio louco porque fazíamos rotas na periferia com pronta-entrega.
Então, carregávamos uma kombi ou um caminhão com os produtos e íamos batendo de porta em porta, vendendo o que as pessoas estavam precisando na hora. Saíamos da empresa às 5 horas da manhã, todos os dias. Eu passei cinco anos acordando às 4h30 da manhã.
GUILHERME AVELINO: Mas você fazia a rota?
GOUVEIA: Fazia também, junto com os funcionários. Era engraçado. Por isso que eu gosto tanto de rua e gosto tanto de cliente. Eu era o dono da empresa e saía, uma ou duas vezes por semana, fazendo a rota com o vendedor. Eu colocava o jaleco da empresa e orientava o funcionário para não me apresentar como o dono da empresa. Supostamente, eu era um “vendedor em treinamento”. Então, eu ia lá carregando caixa, conversando com a turma.
Mas os comerciantes são muito inteligentes. Certa vez, um deles perguntou: “Quem é esse cara aí? ” – “Ah, é um vendedor em treinamento”, respondeu o funcionário. E comerciante disse: “Pô, e vendedor tem um relógio desses?!” (risos). E aí eu comecei a sair com um tênis mais vagabundo, sem relógio, uma calça jeans bem surrada…
Depois dessa fase, eu voltei para Recife. Eu estava sem emprego e sem empresa. E o Marcelo Silva, um cara por quem eu tenho o maior orgulho e devoção, me chamou para ser o diretor-geral da Hipercard. Eu já conhecia o Marcelo pessoalmente, em Recife, porque o Bompreço tinha sido um dos clientes da minha carteira na área corporate do banco.
VINICIUS: Então, você já entrou como diretor.
GOUVEIA: Sim. Na verdade, eu era um head da unidade de negócio. Foi uma experiência muito bacana. E tudo na vida, você vai aproveitando. Assim que me tornei diretor, fiz um MBA em Marketing na Fundação Getúlio Vargas.
Aí o Bompreço foi vendido para a Royal Ahold, uma empresa holandesa. E a Ahold exigiu que a organização tivesse uma área de marketing estruturada. O João Carlos Paes Mendonça (fundador da rede varejista Bompreço), junto com o Marcelo Silva me convidaram para a posição. Foi assim que me tornei diretor de marketing do Bompreço para a região Nordeste, em uma época louca, alucinante, para o varejo.
Depois de quatro anos, aproximadamente, o Wal-Mart comprou o Bompreço. E aí, para a minha surpresa, o presidente me chamou para ser o VP de marketing em São Paulo. Foi então que decidimos, há 10 anos, vir para São Paulo.
Após 1 ano e meio, recebi o convite para ser o vice-presidente de vendas e marketing da Cielo, que era Visanet na época. Participei da transformação de Visanet para Cielo, da mudança da marca, da abertura de capital. Enfim, fizemos todo esse processo. Em julho de 2010, houve a abertura do mercado de adquirência. Meses antes, montamos um plano de estratégia go-to-market. Eu fui visitar os nossos 50 maiores clientes com o presidente da Cielo, Rômulo Dias.
Uma dessas visitas foi para a TAM. O presidente na época era o Líbano Barroso. Eles tinham acabado de fazer o spin-off da Multiplus. E no meio da conversa, eu ofereci a rede da Cielo em troca de vendas MasterCard. Dessa forma, seria possível capturar e resgatar pontos Multiplus com nossas máquinas. E o Líbano adorou, né? Porque ele precisava do varejo. No dia seguinte, ele me ligou. Nós tivemos uma segunda reunião e de lá saiu o convite para eu virar o presidente da Multiplus.
VINICIUS: Como foi essa transição?
GOUVEIA: Quando eu cheguei na Multiplus, eram apenas 20 pessoas trabalhando. Conseguimos montar uma empresa muito bacana. Uma empresa que vale R$ 6 bilhões, está consolidada. Então, a experiência foi maravilhosa.
Quatro anos depois, durante um day off para discutir o longo prazo da empresa, eu estava conversando com o CFO sobre a cultura da companhia. Ele virou para mim e disse que precisávamos “desGouveificar” a empresa. Porque ela estava muito centrada na figura do presidente. Eu fiquei irritado na hora, mas depois refleti e vi que ele estava certo. Isso estava começando a prejudicar a empresa.
Então, comecei a ficar mais aberto ao mercado. Um ano antes, o Raul e o Marcelo Norões haviam me chamado para assumir a Alelo. Recebi alguns convites de outras empresas também e avaliei que na Alelo teria uma oportunidade bacana, porque eu já conhecia cartão e já conhecia programa de fidelidade, mas eu não conhecia nada de voucher. Então, fui para a Alelo. E estou apaixonado.
DÉBORA: Como está o momento da empresa?
Está acontecendo uma transformação cultural forte. Estamos no meio de um desafio grande em termos de processos e operações. Somos uma empresa de clientes e funcionários, esses são os nossos dois pilares.
O melhor de tudo é o reconhecimento externo. Semana passada, tivemos uma grata surpresa. Nós vencemos o prêmio Top of Mind de RH 2015. Fomos reconhecidos como a marca mais lembrada no segmento de cartões-benefício. E nesta semana fomos reconhecidos como uma das 150 melhores empresas para trabalhar, segundo o Guia Você S/A. Isso tem uma importância muito grande para nós. Em uma semana fomos reconhecidos pelos clientes e agora estamos sendo reconhecidos como uma empresa bacana para os funcionários. Então, isso mostra que a estratégia de transformação cultural está no caminho certo.
DÉBORA: Como você percebe o momento de encerrar e de começar uma nova fase em sua carreira?
GOUVEIA: Eu tenho uma forte cultura de construção. Gosto muito de construir junto. E sou um inquieto com a aprendizagem. Quando começo a achar que não estou contribuindo da forma que posso contribuir para a empresa, eu começo a ficar agoniado, inquieto. E essa “agonia” me dá uma inquietação tão grande que começo a pensar diferente.. Em ciclos de quatro, cinco anos, eu começo a ter uma inquietude muito grande para aprender alguma coisa nova. Ainda bem que ainda estou no meio desse ciclo! (risos)
ALBERTO: Olhando para sua trajetória, o fato de você ter saído do mundo corporativo e partido para o empreendedorismo… Você acha que se tivesse ficado apenas no mundo corporativo, você teria avançado na carreira da mesma forma ou isso seria mais difícil?
GOUVEIA: Penso que seria mais difícil, pois eu aprendi muito nessa fase. Humildade foi uma coisa bacana que aprendi durante a época de empreendedor. Trabalhar com pessoas de baixa renda foi uma experiência muito interessante. Ganhei muita inteligência emocional também, porque eu era o dono da empresa, o financeiro, o RH, o comprador. Fazia tudo. Era uma empresa pequena, cerca de 100 funcionários.
Por outro lado, eu acabei “emburrecendo” corporativamente, pois estava praticamente sozinho, o meu nível de interação e de troca era muito baixo. Fiquei muito distante do mundo corporativo. Então, tive dificuldade de voltar para esse mundo, no tocante à linguagem, aos termos do dia a dia. É duro, mas depois você retoma.
VINICIUS: Você teve que se provar na cadeira?
GOUVEIA: Toda a vida você tem que se provar, né? Isso daí acontece sempre; como eu estou me provando hoje (risos). É algo natural. Mas eu tive dificuldade, na época, de voltar ao mundo corporativo. Foi duro, mas depois de três, quatro meses, você se adapta. Adaptar-se a uma coisa boa é fácil!