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Os impactos sobre as estruturas societárias e financeiras de empresas multinacionais brasileiras e estrangeiras, em função do alinhamento do Brasil às ações do plano de ação BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), iniciativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), foram tema de seminário realizado na última terça-feira (21), no auditório do IBEF SP. A iniciativa foi patrocinada pela Amicorp – provedor global de serviços corporativos.
O foco do plano de ação BEPS é o combate à erosão da base fiscal e ao deslocamento artificial de lucros, decorrente de assimetrias existentes nas legislações de diferentes países. A OCDE calcula perdas para os países de até US$ 240 bilhões anuais de arrecadação em razão dessas assimetrias.
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A preocupação com o BEPS é crescente e as empresas precisam revisar suas estruturas internacionais, considerando o impacto das 15 ações previstas no plano, destacou Debashish Dasgupta, líder da área de clientes corporativos do Grupo Amicorp. O BEPS torna compulsório às multinacionais que atuam nos países signatários do acordo de compartilhamento de informações fiscais, e que tenham faturamento superior a EUR$ 750 milhões, a especificarem receita, lucro, impostos, funcionários e ativos em cada um dos países onde possuem unidades em operação.
“Grandes corporações precisam avaliar e, se necessário, promover mudanças em operações comerciais e políticas, mapear funcionários e suas funções, entre uma série de medidas para estar em sintonia com as diretrizes do BEPS”, afirma Dasgupta. “Essa transparência é cada vez mais necessária”, sentencia. Apesar de os Estados Unidos e a China não serem signatários, já são 57 os países aderentes ao dispositivo para evitar a evasão fiscal, 25 deles membros da União Europeia.
Os executivos da Amicorp, Fabio Rabelo, Thiago Louro e Ricardo Sitzer participaram do debate realizado na segunda parte do evento.
BEPS no Brasil
O Brasil, apesar de não ser membro da OCDE, vem adotando algumas iniciativas relacionadas ao BEPS como, por exemplo, a DPP (Declaração País a País), o equivalente ao CbC (Country-by-Country Report), preconizado na Ação 13 do plano. Segundo Fernando Giacobbo, sócio responsável pela prática de tributação internacional da PwC, a DPP é obrigatória para toda entidade integrante residente para fins fiscais no Brasil, que seja a controladora final de um grupo multinacional.
Em 21 de fevereiro, a Receita Federal publicou uma Instrução Normativa IN n.º 1.689/2017 para que os contribuintes saibam como incluir novos dados ao ingressarem com consultas ao Fisco, relacionadas a preços de transferência, ao Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis), ou a questões sobre estabelecimento permanente.A regra segue as normas do BEPS e permite a troca de informações entre países sobre regimes tributários preferenciais, em alinhamento com o Plano de Ação 5 (Práticas Tributária Prejudiciais).
Giacobbo afirmou que, na prática, o BEPS já existe há tempos no Brasil. Pois as leis 12.973/14, 12.249/10 (thin cap), 12.715/12, e as instruções normativas IN 1.658/16, IN 1.634/16, IN 1.681/16, IN 1.669/16, IN 1.680/16 são algumas das normas já publicadas na legislação brasileira que se alinham às ações propostas pela OCDE.
“Pode-se dizer que o Brasil está numa posição intermediária na adoção das diretrizes do plano, assim como estão os Estados Unidos e a China”, ressaltou Giacobbo. Já Reino Unido, Espanha, Alemanha e Holanda seriam países mais avançados em termos de iniciativas para implementar as ações que visam coibir o deslocamento artificial de lucros com o objetivo de redução de carga tributária.
Para o sócio da PwC, as grandes corporações devem rever sua estrutura internacional para antecipar possíveis impactos, lançar ajustes para cumprir as novas regras de tributação e aprimorar os sistemas de tax compliance, alinhando obrigações locais (ECF) a novas obrigações como a DPP.
“As multinacionais precisam, efetivamente, conhecer sua carga tributária, saber se desenvolvem atividades em regimes fiscais privilegiados e estarem preparadas para agir com celeridade se a legislação fiscal dessas jurisdições mudar no curto prazo”, orientou Giacobbo.
O sócio da PwC afirmou que ainda é incerto o quanto o Brasil irá influenciar ou será influenciado pelas diretrizes da OCDE em relação ao BEPS. A política de preços de transferência adotada pelo País, por exemplo, já é estudada como modelo por outras nações.
Sob o olhar de um CFO
Sob a perspectiva de José Roberto Beraldo, vice-presidente de Finanças da Latam, o dia a dia das empresas vem passando por profundas transformações e o viés de baixo crescimento econômico dos países membros da OCDE aponta para o fortalecimento das funções de tax compliance mundialmente.
Em 2004, o percentual de crescimento do PIB dos países da OCDE era de 3,3%. Essa taxa chegou a ser negativa em 2009, de (3,5), e hoje está em 1,8 %. A queda vem acompanhada da menor formação bruta de capital fixo, um indicador da confiança empresarial e da capacidade de produção de um país. “Isso gera um aumento da competitividade por renda e da sensibilidade do que seria a justa parte de cada um dos países em relação à carga tributária das grandes corporações”, afirmou. O risco é que essas justas partes somadas sejam maiores do que o valor gerado pela transação para a empresa, resultando em aumento de carga tributária para o contribuinte.
Para Beraldo, os governos devem focar as políticas de crescimento, via políticas fiscais flexíveis, em que pese o controle dos gastos do governo e a promoção de infraestrutura pública, investimentos em P&D e educação. “Para implementar políticas fiscais flexíveis, os países terão que manter sob controle os gastos públicos e as receitas fiscais. Isso coloca o planejamento tributário das corporações em evidência, dada a maior necessidade de transparência da informação por parte das multinacionais e do alinhamento em relação à tributação praticada onde a atividade econômica acontece”, alertou.
Os CFOs precisam estar preparados para o aumento do custo de compliance, para a dupla tributação – pelo menos até o pleno entendimento dos países sobre o BEPS, e para fazer ajustes a fim de atender as novas regras que vêm no esteio da crescente discussão sobre “tax morality”, observou o executivo.
Beraldo destacou alguns princípios que não podem ser ignorados na implementação de um planejamento tributário adequado. Primeiro, será necessário revisar o alinhamento das estruturas corporativas à realidade da atividade econômica (substância). Também é preciso avaliar os trade-offs entre os resultados financeiros e os riscos de imagem, já que estes últimos também podem impactar o fluxo de caixa e a geração de valor da companhia.
Por fim, a governança deve sair fortalecida. “É crescente a responsabilidade dos CFOs. Eles precisam estar atentos aos riscos e ampliar a discussão do planejamento e sua aprovação com as áreas de negócio e os órgãos de governança”, completou Beraldo.
(Reportagem: Natália Fontão e Débora Soares / Fotos: Mario Palhares)