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Como é de conhecimento, as recentes alterações na Lei das Sociedades por Ações (LSA) estabeleceram as bases para a mudança das normas contábeis no Brasil. Foi estabelecido o novo marco regulatório contábil brasileiro, baseado nos padrões internacionais de contabilidade. Para tanto, foram adotados os International Financial Reporting Standards (IFRS).
Se as mencionadas leis abriram caminho para a adoção do padrão internacional de contabilidade, são as normas infralegais que, efetivamente, disciplinam as normas contábeis brasileiras. Em decorrência de delegação legal, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) foi investido como órgão responsável por ditar as normas contábeis no Brasil, além da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que tem a atribuição legal de regulamentar as empresas que atuam no mercado de capitais, especialmente as companhias abertas. Atualmente, compete ao Comitê de
Pronunciamentos Contábeis (CPC) apresentar as diretrizes referentes à implementação dos IFRS, por meio de seus Pronunciamentos Técnicos, que são ratificados tanto pelo CFC, tornando tais diretrizes obrigatórias para todas as empresas brasileiras, quanto pela CVM, submetendo as emissoras de valores mobiliários a essas mesmas normas contábeis.
De maneira mais completa do que a antiga prática contábil brasileira, os IFRS não estabelecem diretrizes somente para o reconhecimento e a mensuração das operações e dos eventos financeiros das companhias. Há especial ênfase nas normas de div lgação, o que faz toda a diferença no atual estágio do mercado financeiro brasileiro, entendido como a emissão de títulos (de propriedade e de dívidas) no mercado de capitais, aberto ou restrito, ou como a tomada de recursos nas instituições financeiras (empréstimos e financiamentos).
Ao lado da primazia da substância sobre a forma e da aproximação do resultado obtido pela empresa em determinado período e o caixa gerado no mesmo período, destaca-se como fundamento dos IFRS a necessidade do exercício de julgamento (item 52 do CPC 26). O julgamento da administração é necessário porque o novo padrão da contabilidade brasileira deixou de pautar-se por regras rígidas de registro contábil para aplicar princípios, isto é, normas gerais. As informações financeiras, portanto, são elaboradas considerando a particularidade de cada empresa, orientada pela subjetividade da administração na análise dos interesses da empresa.
Subjetividade: essa é a característica marcante dos IFRS. E, ao contrário de ser demérito ou mácula na apresentação das operações e eventos financeiros, trata-se de uma característica indispensável para diferenciar a gestão estratégica particular a cada empresa. Em outras palavras: a subjetividade garante efetividade ao princípio da primazia da essência sobre a forma, muito caro ao padrão internacional de contabilidade adotado pela legislação brasileira.
Sendo a subjetividade uma característica necessária às demonstrações financeiras, surge a questão de como compatibilizá-la com a comparabilidade, a clareza e a integridade, além de outras exigências dos IFRS. Justifica-se, assim, a importância da divulgação. Não por acaso as normas contábeis estabelecem: a entidade deve divulgar os julgamentos realizados (item 122 CPC 26).
No contexto dos IFRS, que têm a subjetividade como característica marcante, a transparência, e, por decorrência, a governança corporativa, é alcançada por meio da divulgação dos critérios e das premissas utilizados pela administração no seu exercício de julgamento. A apresentação simplesmente dos números e, eventualmente, algum detalhamento em nota explicativa não são mais suficientes para que as empresas cumpram integralmente as novas normas contábeis. Os elementos que fundamentaram os registros contábeis, fruto do julgamento da administração, devem ser exaustivamente expostos.
A divulgação dos critérios e das premissas que fundamentaram os julgamentos da administração é a expectativa de todo o mercado (stakeholders).
Por outro lado, essa conduta deve ser a preocupação primordial de dois atores:
(i) Administração e Conselho de Administração: ao antecipar-se aos questionamentos de acionistas, investidores e analistas (sell side), os gestores garantem maior confiabilidade às demonstrações financeiras da sua empresa; por outro lado, os conselheiros, tendo conhecimento prévio e transparente das razões do julgamento, estarão mais seguros em aprovar as informações financeiras.
(ii) Acionistas: o ativismo societário pressupõe uma postura crítica por parte dos acionistas (e investidores); para tanto, é imprescindível o conhecimento dos critérios e das premissas que nortearam os julgamentos dos gestores.
Os registros contábeis e a sua divulgação são objeto da atuação de várias áreas da empresa, a serem destacadas: Contabilidade, responsável pela elaboração das demonstrações financeiras; Auditoria Interna e Externa e Conselho Fiscal, responsáveis pela adequação das demonstrações financeiras às normas contábeis em vigor e ao planejamento estratégico e à solvência; e Jurídica, responsável pelo cumprimento das normas legais, inclusive no que diz respeito às informações que devem obrigatoriamente ser divulgadas. Por outro lado, pelo menos com a mesma importância dos profissionais anteriormente mencionados, encontra-se o diretor de Relações com Investidores (DRI), haja vista que ele é responsável pela prestação de todas as informações exigidas pela legislação e regulamentação do mercado de valores mobiliários (artigo 45 da Instrução CVM n° 480, de 2009). A atuação do DRI, portanto, está umbilicalmente ligada à elaboração e à divulgação das demonstrações financeiras, o que implica o conhecimento e a participação nas discussões (julgamentos) de tomada de decisão sobre o registro contábil das operações e dos eventos financeiros da empresa.
É importante ressaltar que o mercado financeiro e de capitais vem sendo aberto ao acesso de empresas que não se revestem na forma de sociedade por ações. Isso já ocorre, de maneira bastante antiga e corriqueira, no caso da tomada de empréstimos ou financiamentos bancários: tanto as sociedades por ações, sejam de capital aberto ou de capital fechado, quanto as sociedades limitadas têm atuação importante nesse segmento do mercado financeiro. Por outro lado, às companhias fechadas e às sociedades limitadas têm sido abertas oportunidades para emissão e negociação de valores mobiliários até pouco tempo restritas às companhias abertas: vejam-se os casos do registro, na CVM, de emissor na categoria B (Instrução CVM n° 480) e da possibilidade de distribuição restrita de títulos (Instrução CVM n° 476).
A crescente participação das sociedades fechadas e das sociedades limitadas no mercado de capitais, ainda que, muitas vezes, por meio de emissão de esforço restrito, exige a definição de um profissional para atendimentos aos investidores ou financiadores ou demais credores financeiros. Atribua-se a esse profissional a denominação de diretor de Relações com Investidores (DRI) ou não, o fato é que, independentemente do cargo ou do nome, a sua função será de coordenar o contato entre a empresa e os fornecedores de capital, inclusive no que diz respeito à prestação de contas e divulgação das informações financeiras, dentre elas, as demonstrações contábeis. Sendo assim, também para as empresas fechadas (sociedades por ações de capital fechado ou sociedades limitadas) as demonstrações financeiras, elaboradas (reconhecimento, mensuração e divulgação) com base nos IFRS, são um importante instrumento de avaliação; e, quando elaboradas com alta qualidade, proporcionam, ao menos, a redução do custo de capital, quer pela abertura de alternativas ao empréstimo bancário quer pelo aumento da confiabilidade por parte dos credores financeiros.
Além disso, lembre-se que o resultado do exercício, base para a distribuição de dividendos (remuneração dos acionistas), decorre dos lançamentos contábeis e, portanto, dos julgamentos adotados pela administração. O profissional responsável pelas relações com investidores, então, pode ser, eventualmente, questionado em dois sentidos:
(i) Em razão de baixo nível de dividendos, pelos acionistas minoritários, por exemplo.
(ii) Em razão de temerário excesso no nível de dividendos, considerando que a lei societária estabelece a responsabilidade dos administradores e, possivelmente, dos acionistas em caso de distribuição de lucros fictícios (artigo 1.099 do Código Civil Brasileiro).
Em conclusão, pode-se afirmar que, indubitavelmente, a alta qualidade das informações financeiras tem a capacidade de gerar valor ao acionista ou ao quotista, conforme o caso, e ao investidor, porque, por meio do aumento da transparência e da confiabilidade das demonstrações dos eventos e das operações econômico-financeiras da empresa, há um incremento no valor da empresa, na liquidez dos respectivos valores mobiliários e na segurança do credor nos empréstimos e financiamentos. Um dos objetivos declarados dos IFRS é transformar a contabilidade em instrumento estratégico: buscando a avaliação dos ativos e dos passivos a valor justo, proporciona tomada de decisão mais segura por parte dos administradores (gestores), dos sócios (acionistas ou quotistas) e dos investidores. E essa qualidade é alcançada não só pela observância das normas relativas ao reconhecimento e à mensuração de operações financeiras, mas, também, pela adequada divulgação, especialmente, dos critérios de julgamento adotados pela administração.