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O impacto financeiro, especialmente relacionado à liquidez e capital, é uma das maiores preocupações dos CFOs diante da crise do novo coronavírus (COVID-19). O dado foi apontado em pesquisa realizada durante reunião da Diretoria Vogal do IBEF-SP, realizada na sexta-feira, 26 de junho. Questionados também sobre a expectativa para as receitas de 2020, a maioria dos líderes financeiros avaliou que a redução da receita abaixo de 50% deve ser a maior tendência, enquanto alguns acreditam que pode haver aumento da receita.
“Um dos pontos de preocupação que vimos sendo debatido é sobre interrupção na cadeia de suprimentos”, destaca Luciana Medeiros, vice-presidente da diretoria executiva do IBEF-SP e sócia da PwC. Apesar das incertezas, alguns setores considerados essenciais estão se reinventando e avançando em projetos para poderem se alavancar, com adaptação à nova realidade de mercado. Serafim Abreu, presidente da diretoria executiva do Instituto, destaca que o segundo trimestre do ano está sendo concluído, marcado por uma crise não faz tanto tempo assim que começou.
Saúde – No setor farmacêutico, há um investimento grande em pesquisa e desenvolvimento para trazer uma solução para a pandemia com produtividade e agilidade, comenta Helena Pécora, CFO da Eli Lilly. “Tenho orgulho de ver a Lilly utilizando toda a expertise em biotecnologia para buscar uma terapia para o tratamento ou prevenção da COVID-19. Anunciamos, nas últimas semanas, o início de dois estudos em humanos com diferentes anticorpos com potencial para tratar ou prevenir a doença”, destaca.
Ela ressalta que o mercado tem produtos bastante essenciais, como medicamentos para doenças crônicas que apresentam crescimento mesmo durante a crise. “As pessoas com doenças crônicas precisam continuar em tratamento e não podemos deixar essa população sem seus remédios. Em relação ao contexto econômico, com a crise afetando emprego e renda, as vendas no varejo acabam sendo mais afetadas do que as vendas ao governo”.
Helena diz também que a maneira como cada país está controlando a pandemia tem um efeito no mercado. “Alguns pacientes evitam ir a hospital, adiando consultas, e não estão sendo diagnosticados, ou seja, não iniciam seu tratamento”, destaca. “Diante disso tudo, trabalhamos com um cenário base de 4% a 5% de crescimento no setor farmacêutico no Brasil. Nosso propósito segue sendo melhorar a vida das pessoas e dos pacientes”.
No mesmo setor, mas na área de hospitais, Magali Leite, CFO da BP – A Beneficência Portuguesa, destaca que o ano de 2019 foi muito bom, e a BP se beneficiou disso com um crescimento de dois dígitos que se manteve no primeiro trimestre deste ano, mas na segunda semana de março o impacto começou a ser negativo. “A Organização Mundial da Saúde (OMS) orientou parar os procedimentos chamados eletivos, e começamos a receber os pacientes de COVID-19”, explica. A ocupação caiu muito nesse período, conta Magali, e a previsão é de queda de mais ou menos 20% da receita do ano.
Para se prevenir, a BP fez um trabalho de captação no início do ano. “Esse é um momento que gera oportunidades de muito aprendizado”, diz Magali Leite. Com relação à retomada, a BP está repensando seu espaço físico, e parte da área administrativa-financeira não deve retornar para os escritórios. “Também estamos preocupados com a ocupação, pois muita gente está evitando ir a hospital”, ressalta. A preocupação do setor também é com a demanda reprimida de cirurgias. Por outro lado, a telemedicina foi regulamentada no Brasil, e isso possibilita maior inclusão social. “É uma medicina menos onerosa, mais democrática”, complementa Magali.
Tecnologia – Aliando tecnologia à saúde, Kleber Douvletis, vice-presidente sênior de finanças na Siemens Healthineers, destaca que o momento evidencia os benefícios que a tecnologia pode trazer sobre o setor. Mesmo com impactos negativos na cadeia de suprimentos e projetos ligados à infraestrutura postergados, todas as áreas mais afetadas pela COVID-19 tiveram uma demanda maior. “Isso nos trouxe um desafio para o desenvolvimento acelerado de produtos, como nos casos de testes clínicos para Covid-19, e adequação rápida de cadeias logísticas, mas conseguimos nos adequar”, diz Douvletis.
No Brasil e América Latina, a empresa teve que lidar com o desafio de manter a operação da base instalada e aumentar o acesso remoto. “Crise é catalisador de transformação. Tudo que já estava acontecendo andou mais rápido”, afirma Douvletis, ressaltando que tecnologias como a realidade aumentada começou a ser usada por técnicos para atender melhor a essas demandas remotamente. “Aceleramos também no uso estendido de Inteligência Artificial (AI) no suporte aos Radiologistas para elaboração de laudos mais eficientes e precisos e em tecnologias de acionamento remoto de equipamentos, protegendo médicos e pacientes”, complementa. “A digitalização melhorou os resultados da cadeia de saúde”.
Douvletis ressalta que há várias iniciativas que já estavam em curso relacionadas ao bem estar dos colaboradores da empresa, oferecendo acesso a plataformas de telemedicina, mindfulness, apoio psicológico, atividade física em casa, por exemplo. “Isso faz com que a gente cuide melhor também dos nossos clientes”. Ele reforça ainda que a crise traz a necessidade de uma colaboração entre setores e indústrias. “Nós, como CFOs, podemos ajudar nossas organizações, principalmente, avaliando a maneira inteligente de alocar recursos”.
Transformação – Ainda na área de tecnologia, João Ribeiro, CFO da Dell, destaca que a indústria já vinha enfrentando crises antes da pandemia do novo coronavírus, impactada pela guerra comercial entre Estados Unidos e China, forçando a empresa a rever o planejamento de supply chain. “Começamos a enfrentar a crise de COVID-19 em janeiro, e definimos dois focos: garantir a segurança dos times e dos clientes”.
Segundo ele, ao final de março 90 mil funcionários ao redor do mundo estavam em trabalhando em casa. A fábrica, por sua vez, por ser considerada serviço essencial, teve que continuar em operação, adotando todas as medidas de segurança. João Ribeiro ressalta que a Dell não parou, fez lançamento de linhas de equipamentos, lançou site novo, além de um canal de vendas. “Nossos resultados no primeiro trimestre foram acima do esperado. Nosso quarter é de fevereiro a abril, e no último mês tivemos o impacto positivo de maior demanda por equipamentos”, destaca. “Vimos um crescimento grande de PCs não só para o setor corporativo, mas de uso pessoal, impulsionado por maior necessidade das pessoas operarem em casa”.
A maior parte das vendas da Dell agora é feita por e-commerce, segmento que deve se manter representando mais de 50% das vendas após a crise. “Isso significa que o papel da loja física mudou e vai continuar mudando”, diz João, destacando que a transformação foi acelerada e não haverá retrocesso na velocidade após a crise.
E-commerce – A crise provocou aumento das vendas on-line, o que de fato gera impacto positivo no setor de e-commerce, conforme afirma Marcelo Giugliano, CFO da Amazon, “Conseguimos garantir a operação funcionando, o número de clientes aumentou bastante, pois as pessoas passaram a comprar no e-commerce”, diz. Além disso, os clientes que já estavam acostumados com esse tipo de compra as ampliaram e mudaram seus hábitos para categorias que não comparavam antes. Para atender a essa demanda, a Amazon tem cuidado de seus colaboradores, que estão em home office desde março.
Já no Centro de Distribuição, foram estabelecidos processos para garantir afastamento seguro das pessoas, com disponibilização de itens de higiene, leitura de temperatura e outras medidas. Na cadeia de fornecedores e sellers, Giugliano explica que foram tomadas medidas para manter a cadeia o mais saudável o possível”, diz.
O reflexo do avanço do e-commerce é medido também pelo setor de pagamentos. Segundo Tiago Azevedo, CFO do Mercado Livre, o aumento grande do varejo on-line, que subiu de 5% para 12% em poucos meses, deve acelerar o negócio de e-commerce e de meios de pagamentos. “Essa mudança de patamar deve ficar. No Mercado Pago vemos oferta maior de crédito e meios novos de fazer funding entre fornecedores e usuários”, diz.
Setor Financeiro – Diante dessas mudanças, o setor financeiro teve que acelerar a transformação digital e, especialmente, se adaptar aos novos hábitos de consumo. Mauricio Fernandes, CFO da Mastercard, explica que a área de meios de pagamento já vinha crescendo consistentemente devido à mudança de comportamento dos consumidores, e no ano passado o mercado atingiu R$ 1,8 trilhão segundo dados da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (ABECS). “Na última semana de março, contudo, vimos uma queda no volume transacionado globalmente, ficando estável nas três primeiras semanas de abril, segundo dados da Mastercard Global divulgados na última conferência com investidores”, diz.
Na Mastercard, a pandemia é vista em quatro estágios: um de contenção, logo no início, que é o fechamento dos países, gerando queda abrupta de consumo; a estabilidade, mesmo com economias fechadas; o início da abertura das economias, que está ocorrendo em alguns países; a fase da volta à normalidade e uma posterior retomada do crescimento. “A grande questão é quando essas fases vão acontecer, pois elas não necessariamente são lineares e simultâneas em todos os países”, destaca Fernandes.
Ele reforça que o e-commerce cresceu bastante com a crise e uma pesquisa divulgada recentemente pela empresa mostra que a pandemia trouxe inúmeras mudanças para os consumidores. Segundo o estudo, 56% dos brasileiros entrevistados afirmaram ter mudado o comportamento de pagamento devido à COVID-19 e cerca de 75% afirmaram ter aumentado o uso de pagamentos digitais devido ao distanciamento social, enquanto 61% disseram ter testado um novo tipo de pagamento – por aproximação ou digital – nos últimos meses. “O dinheiro, por passar de mão em mão, é associado a pouca higiene, o que é evitado durante a pandemia, e agora a questão do pagamento por aproximação ganha força no comportamento das pessoas”, conclui Fernandes.
Já Marcelo Sellan, CFO do BNP Paribas, destaca sua perspectiva de visão pessoal sobre a crise, ressaltando que o banco se beneficiou por ter uma gestão global. “A Europa iniciou esse processo na frente, e isso nos antecipou informações sobre como agir e se organizar nesse momento”, diz. Os protocolos de contingência foram mais eficientes, com melhorias rápidas nas tecnologias para home office e um protocolo de segurança da informação muito rigoroso. Segundo Sellan, os negócios do banco não tiveram grande impacto. “A demanda de clientes está mantida em um nível normalizado, e em alguns momentos está maior relacionada a determinados produtos, refletindo uma avaliação positiva para nós”, complementa.
Recrutamento – Os impactos da crise na empresa afetaram também a área de contratação, especialmente no C-Level, mas levaram novas oportunidades como contratos terceirizados e temporários. João Marcio Souza, managing partner no Talenses Group, destaca que a uma realidade é diversa entre os setores nesse sentido. “Há uma agenda de liquidez, proteção de caixa e redução de custos não essenciais, e em paralelo a identificação de oportunidades que possam existir durante a crise e antecipação do que pode ser esse novo normal”, destaca.
A Talenses trabalha com recrutamento não somente no top management, mas também na base da pirâmide. “Isso nos dá uma condição de tirar uma foto mais precisa desse impacto. A indústria de headhunter foi afetada para top management, com 80% das posições congeladas. Mas os projetos não estão cancelados”, explica Souza. “As empresas esperam um cenário menos volátil para dar continuidade às contratações. O C-Level é o primeiro que para e o último que volta. Já a base da pirâmide, na parte de staff, não tem crise, pelo contrário, as empresas estão aproveitando para construir bancos de talentos”.
Na questão de colaboradores temporários e terceiros, a companhia está crescendo muito, pois é uma modalidade de contratação alinhada às tendências de trabalho mais flexível. “As empresas devem continuar com seus projetos a partir dessa alternativa do profissional terceirizado ou intermitente para preencher uma determinada necessidade. Isso deve ser uma tendência, e os profissionais também ficam mais inclinados a esse tipo de trabalho. Esse modelo veio para ficar e deve fazer parte da nossa receita”, destaca.
João Marcio Souza diz ainda que os setores mais ativos em contratações são os de alimentos, bebidas e homecare; varejo alimentar e varejo eletrônico; tecnológico e financial service, com destaque para pagamento eletrônico; serviços em saúde como um todo; farmacêutico; e projetos ligados à infraestrutura, com destaque para o setor de saneamento.
Considerações finais – Na avaliação do Professor Keyler Carvalho, as notícias dos diferentes setores explorados na reunião da Diretoria Vogal são positivas. “Todos tem demonstrado criatividade e transformação. As empresas estão caminhando para um futuro próximo bem positivo”, destaca.