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Por Flávio Calife e Vitor França, economistas da Boa Vista SCPC
As eleições se aproximam e esquenta o debate a respeito das medidas necessárias para incentivar o crescimento da economia e a criação de empregos no País. Nas falas de muitos dos candidatos, ganha destaque o papel das micro e pequenas empresas. Não sem razão.
Segundo estimativas do Sebrae, dos 6,4 milhões de estabelecimentos existentes no Brasil, 99% são micro e pequenas empresas (MPEs), que respondem por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado e 27% do PIB brasileiro.
Além disto, diante da elevada taxa de desemprego e das recentes mudanças na legislação trabalhista, as perspectivas para o empreendedorismo nos próximos anos são bastante favoráveis.
A expansão, a profissionalização ou mesmo a simples sobrevivência dos pequenos negócios, contudo, ainda esbarra na dificuldade de acesso destas empresas ao mercado de crédito.
Se, por um lado, elas respondem por 27% do produto brasileiro, a participação das MPEs nos saldos das operações de financiamento com recursos livres para pessoas jurídicas (PJ) é de apenas 17%.
De acordo com dados do Banco Central (BC), no 1º trimestre deste ano os saldos das operações de crédito para micro e pequenas empresas somavam R$ 168 bilhões, sendo R$ 123 bilhões de recursos livres e R$ 45 bilhões de recursos direcionados. A carteira total de empréstimos para PJ, por sua vez, ultrapassava R$ 1,4 trilhão (R$ 728 bilhões de recursos livres e R$ 686 bilhões de recursos direcionados).
Os números, porém, não necessariamente refletem falta de apetite por crédito deste segmento empresarial. Segundo pesquisa de 2017 do Sebrae, 84% das MPEs entrevistadas não tinha tentado obter financiamento novo em banco nos 6 meses anteriores à entrevista. Destas, apenas 39% disseram que não precisavam de crédito. 51%, por outro lado, mostraram cerca aversão a empréstimos bancários, alegando que não gostam de empréstimos ou de pagar juros.
Entre as 16% que haviam buscado financiamento em bancos, 82% enfrentaram dificuldades ligadas principalmente a taxa de juros elevada, falta de garantias ou fiador e excesso de burocracia.
Em cinco anos (2013 a 2017), apenas 36% dos entrevistados tomaram ou mantiveram algum tipo de empréstimo bancário.
Com restrição de acesso ao sistema financeiro, utilização do capital próprio e negociação de prazos com fornecedores se destacam entre as principais formas de financiamento dos micro e pequenos empresários.
Já quando recorrem a empréstimos bancários, utilizam frequentemente linhas emergenciais como cartão de crédito e cheque especial, para as quais a burocracia é menor – os limites, em geral, são pré-aprovados –, mas as taxas de juros, em compensação, são bastante elevadas.
27% das MPEs entrevistadas havia utilizado cartão de crédito para financiar capital de giro nos 12 meses anteriores à pesquisa (percentual inferior apenas ao das que utilizaram capital próprio). 21%, por sua vez, usaram o cartão para financiar investimentos (também o segundo maior percentual de respostas, atrás de capital próprio).
Entre os tipos de financiamento que estavam sendo utilizados no momento da pesquisa, cheque especial, com 19%, e cartão de crédito empresarial, com 18%, apareceram na terceira e quarta posição, respectivamente, entre os itens mais respondidos, atrás apenas de pagamento de fornecedores a prazo (53%) e cheque pré-datado (28%).
Por isto, ao contrário do que observamos entre médias e grandes empresas, cheque especial e cartão de crédito aparecem entre as cinco principais modalidades de empréstimo para MPEs. Da carteira de cheque especial para PJ, os empréstimos para micro e pequenas empresas respondem por 73,1% do total. No caso dos saldos das operações de cartão de crédito, a participação é de 59,7% – lembrando que as MPEs respondem por apenas 17% do total da carteira PJ.
Isto explica em parte a elevada taxa de inadimplência do segmento, que era de 9,9% no 1º trimestre deste ano entre pequenas empresas, 12,3% entre microempresas, contra média de 4,4% quando é considerada a carteira total PJ (micro, pequenas, médias e grandes empresas), segundo o Banco Central.
O perfil da carteira e os elevados índices de inadimplência refletem-se nas taxas médias de juros, também mais altas para MPEs quando comparadas às pagas pelos demais segmentos empresariais. Enquanto, na carteira total PJ, a taxa média de juros era de 21,2% ao ano no final do 1º trimestre, as pequenas empresas pagavam juros de 49,7% ao ano. No caso das microempresas, a taxa média era de 56,2% ao ano.
O maior risco das operações também se reflete na evolução dos saldos das operações de crédito, que apresentam um desempenho mais fraco no caso das MPEs. Apesar da recuperação da economia e do crescimento da demanda apontado na pesquisa trimestral de crédito do BC, os empréstimos para este segmento empresarial seguem em queda. Na comparação entre o 1º trimestre deste ano e o mesmo período do ano passado, as operações para microempresas recuaram 3%. No caso das pequenas empresas, o recuo foi de 4%.
Ainda segundo pesquisa do Sebrae, das micro e pequenas empresas que buscaram empréstimos novos em 2017, 49% precisavam de capital de giro, 34% pretendiam investir na reforma ou ampliação do negócio, 32% tinham o objetivo de comprar mercadorias e 31%, de comprar máquinas e equipamentos.
Os números dão uma boa dimensão da capacidade que o segmento tem de dinamizar e alavancar a economia brasileira. Entretanto, a procura das MPEs por empréstimos ainda esbarra na escassez de oferta e nas altas taxas de juros.
No debate de propostas para micro e pequenas empresas, portanto, é fundamental se pensar em medidas para baratear e facilitar o acesso ao crédito a este segmento. O aumento da transparência e da concorrência entre os concedentes de crédito é essencial nesse ambiente, e o desenvolvimento de instrumentos que sejam aceitos como garantias aos financiamentos também merecem atenção. Nessa linha já vemos avanços, como por exemplo, a regulamentação e o incentivo ao desenvolvimento das fintechs, de um lado, e do outro lado, a criação de instrumentos como a duplica eletrônica e o registro eletrônico de garantias, que devem permitir uma maior facilidade de acesso das MPES ao mercado de crédito. Mais medidas devem vir nessa direção.
As opiniões e conceitos emitidos no texto [acima] não refletem, necessariamente, o posicionamento do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF) a respeito do tema, sendo seu conteúdo de responsabilidade do autor.