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Por Valdirene Lopes Franhani, sócia do escritório Lopes Franhani Advogados e membro da Comissão de Tributos do IBEF-SP [1]
Desde o julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no início deste ano, definindo o alcance do conceito de insumo a ser utilizado pelas empresas sujeitas ao regime não cumulativo de PIS/COFINS, o assunto tem ocupado a pauta dos gestores financeiros, seja para reavaliação de eventuais contingências em relação aos créditos tomados no passado pela empresa, seja para definição do procedimento a ser adotado para o futuro.
Afinal, a depender desta análise seu efeito pode significar, desde já, a melhora no resultado e a redução dos valores devidos a título de PIS/COFINS, enquanto não acontece a provável reforma destes tributos prevista para o novo Governo que se aproxima.
Como a decisão do STJ foi proferida em sede de recurso repetitivo, sua função é pacificar a questão e obrigar sua aplicação imediata pela administração pública e pelos tribunais nas decisões a serem proferidas em processos administrativos e judiciais em curso.
Vale lembrar, o questionamento surgiu há mais de quinze anos, com as Instruções Normativas (IN´s) nºs 247/02 e 414/03, onde a Receita Federal, sem base legal, passou a considerar para o PIS/COFINS o mesmo conceito de insumo utilizado para o IPI, autorizando o crédito, basicamente, apenas sobre as aquisições de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, o que restringia o direito dos contribuintes, em prejuízo não apenas à indústria, mas principalmente às empresas comerciais e as prestadoras de serviços.
Desde então, muitos contribuintes foram autuados pela Receita Federal, tendo seus créditos glosados, levando a discussão ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), enquanto outros optaram por discutir a questão no Judiciário, chegando, enfim, a matéria ao STJ.
É importante esclarecer que a decisão do STJ não reconhece de forma taxativa como insumo nenhum crédito ao contribuinte, apenas determina os critérios gerais a serem utilizados para aferição do que seria o insumo em cada caso, considerando a essencialidade e relevância do item no desenvolvimento de sua atividade.
De acordo com a ementa da decisão, o STJ definiu que para o PIS/COFINS “o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pela contribuinte.”
Ainda para o STJ, o item será essencial quando “dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço, constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço, ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência.” E será relevante quando sua “finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva, seja por imposição legal.”
Como consequência, o STJ considerou ilegal e afastou o critério restritivo utilizado até então pela Receita Federal, via IN´s nºs 247/2002 e 404/2004, a medida que tal critério ofende o sistema não cumulativo do PIS/COFINS, definido nas Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003.
Contudo, a decisão apesar de favorável ao contribuinte não significa uma “carta branca” para a utilização irrestrita de créditos, haja vista os limites a serem considerados e as questões que ficaram em aberto, pendentes de definição.
Quanto aos limites, não se pode negar que a decisão abriu espaço para análise da prova em cada caso, de modo que o contribuinte deve estar devidamente amparado para demonstrar o que, de fato, é insumo em sua atividade específica, dentro dos critérios pré-estabelecidos de essencialidade e relevância.
No caso analisado, por exemplo, onde o contribuinte é uma indústria alimentícia, o STJ determinou a devolução do processo ao Tribunal de 2ª Instância para análise das provas apresentadas e adequação ao conceito de insumo em relação aos créditos pleiteados a título de “Custos Gerais de Fabricação”, em que incluiu água, combustíveis e lubrificantes, materiais e exames laboratoriais, materiais de limpeza e equipamentos de proteção individual – EPI.
Já para os créditos a título de “Despesas Gerais Comerciais”, em que o contribuinte incluiu desde seguros, viagens e conduções, comissão de vendas, fretes, prestação de serviços – PJ, promoções e propagandas, até telefone e comissões, o STJ, de plano, negou o direito ao crédito do contribuinte, por considerar que não são despesas essenciais ao processo produtivo de empresa que atua no ramo de alimentos.
A decisão sugeriu, assim, um “teste de subtração”, de modo que para saber se determinado item seria insumo ou não, bastaria subtraí-lo do processo de produção (no caso, uma indústria alimentícia) e avaliar se sua falta impossibilitaria a atividade da empresa ou acarretaria substancial perda da qualidade do seu produto. Nessa linha, com base nas informações juntadas ao processo pelo contribuinte e a atividade da empresa, o STJ não reconheceu o direito para aquele contribuinte do que chamou de “Despesas Gerais Comerciais”.
Recentemente, a Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN) se manifestou, expedindo a Nota Explicativa nº 63/2018, de observância interna, na qual reconhece a aplicação do critério definido pelo STJ e orienta seus procuradores a não recorrerem nos processos.
Contudo, na referida Nota a PGFN deixa claro que continuará discutindo a questão em algumas situações, quando afirma que “não devem ser consideradas insumos as despesas com as quais a empresa precisa arcar para o exercício das suas atividades que não estejam intrinsecamente relacionadas ao exercício de sua atividade-fim e que seriam mero custo operacional “.
A decisão do STJ sob este aspecto traz, de fato, algumas contradições entre os votos proferidos, inclusive, algumas lacunas. Uma delas é saber se para as empresas que exercem atividade comercial (e não apenas indústria) haveria direito ao crédito de “insumos” na apuração do PIS/COFINS, como por exemplo, de despesas com cartão de crédito, propaganda, etc. A princípio, seguindo o raciocínio da decisão, não reconhecer o crédito neste caso, significaria ferir o princípio da não-cumulatividade aplicável a estas empresas.
Embora este ponto ainda possa vir a ser julgado pelo STJ em outros processos específicos da atividade comercial, também não se pode descartar a análise do direito sob o viés constitucional, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) onde, aliás, já existem processos com repercussão geral reconhecida e pendentes de julgamento.
Enquanto isso, no CARF, a decisão do STJ já começa a ser aplicada nos processos relativos à glosa de créditos, agora reforçada pelo Parecer da PGFN, reconhecendo a favor do contribuinte o direito aos créditos de insumos, sobretudo aqueles relacionados à atividade industrial.
Diante desse novo cenário, portanto, os contribuintes sujeitos à não-cumulatividade devem reavaliar com cautela quais são seus créditos de insumos de PIS/COFINS com base na decisão do STJ, seus impactos e providências, não descartando por completo a discussão dos demais créditos, inclusive visando reaver eventuais valores pagos indevidamente.
[1] Advogada, LLM em Direito Tributário e Societário pelo Insper de São Paulo, Especialista em Direito Empresarial e Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sócia do escritório Lopes Franhani Advogados
As opiniões e conceitos emitidos no texto [acima] não refletem, necessariamente, o posicionamento do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF) a respeito do tema, sendo seu conteúdo de responsabilidade do autor.