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Diante da pandemia do novo coronavírus (COVID-19), o mundo passa por um momento desafiador e que atinge à toda população e às empresas. A crise, que afeta diretamente o setor da saúde, está se desdobrando também em uma crise econômica, e o grande desafio é que ela não colapse uma nova crise financeira no país, que vinha ao longo do ano passado mostrando recuperação. Dentro desse cenário, o mercado de crédito é um dos temas que mais afligem as empresas brasileiras. Durante o Webinar “Cenário e Perspectivas para o Mercado de Crédito”, coordenado pela Comissão Técnica Mercado Financeiro e de Capitais do IBEF-SP, e mediado por Rosângela Santos, líder da comissão, especialistas discutiram como as empresas e os bancos estão lidando com esse cenário. O conteúdo reflete a opinião pessoal dos palestrantes.
Diante de uma necessidade de busca por liquidez, muitas empresas estão revistando fluxo de caixa e fazendo teste de estresse para tentar identificar qual o patamar de liquidez necessário para atravessar o período de crise. Segundo Reinaldo Grasson, sócio de Financial Advisory da Deloitte, patrocinadora do evento, por não haver visibilidade de quando as atividades serão retomadas e o cenário voltará à normalidade, muitos clientes da consultoria estão buscando crédito nas linhas disponibilizadas no mercado, como o BNDES. “Esse capital ainda está focado em empresas de grande porte, enquanto nas médias e pequenas os recursos estão represados por necessidade de certidões ou pelo fato das empresas estarem optando por adotar outras medidas, como redução de jornada e salário, para não aumentar endividamento”, disse.
Ele destacou ainda que grandes empresas estão captando para manter reserva de caixa e liquidez, mantendo esses recursos entesourados para reforço em um período mais longos de crise, caso isso ocorra. “Para pequenas e médias, os recursos não estão chegando à ponta”, ressaltou Grasson. Já os saldos de crédito e níveis de inadimplência não apresentam grandes oscilações, segundo ele. “As concessões no primeiro trimestre deste ano, com exceção de março, estão em linha, e o estoque de crédito na pessoa jurídica se mantém na casa de R$ 1,5 trilhão. Esses números talvez não reflitam que muitos desses recursos estão canalizados para grandes operações que se mantêm dentro do caixa muito mais por um conforto de liquidez do que necessidade imediata”.
Iniciativas – Para contribuir com a liquidez dos caixas da empresas, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) adotou um posicionamento que abrange tanto grandes empresas quando as pequenas e médias. Claudenir Brito, diretor de Compliance e Riscos do BNDES, destacou durante o evento que a atuação do banco foi, primeiramente, ajudar os mais vulneráveis a combater à crise de saúde e dar suporte às grandes cadeias produtivas. “Em torno de R$ 55 bilhões foram aprovados com foco nas micro, pequenas e médias empresas e pessoas físicas. Também tivemos R$ 20 bilhões em transferência de recurso do PIS/Pasep para o FGTS; R$ 15 bilhões de standstill (suspensão temporária de pagamentos de parcelas de financiamentos) para operações diretas com o BNDES; R$ 11 bilhões de standstill para operações indiretas; e R$ 5 bilhões em crédito emergencial para pequenas e médias empresas, mas até agora temos efetivamente R$ 1,7 bilhão colocados. Nem todo esse recurso acaba sendo utilizado, mas está disponível”, ressaltou.
Outra iniciativa do banco, direcionada ao emprego, seria a transferência de recurso para poder sustentar a folha de pagamento em empresas com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões, visando manter empregos nos primeiros dois meses. “Esses recursos virão de R$ 34 bilhões do Tesouro Nacional e R$ 6 bilhões dos bancos. E o BNDES disponibilizou tecnologia para colocar em prática essa iniciativa”, destacou Brito. Na tentativa de minimizar a crise de saúde, o BNDES criou ainda um plano emergencial, com demanda de até R$ 2 bilhões, mas a ideia é ajudar na compra de equipamentos de saúde. “É essencial que empresas tenham esse recurso disponível. Também ofereceremos crédito emergencial para as cadeias produtivas. Ainda estamos analisando os critérios de relevância e impacto junto aos sindicatos de bancos”.
Algumas ações estão em implementação, como a versão turbinada do FGI, Fundo Garantidor para Investimentos que tem o objetivo de facilitar a obtenção de crédito por micro, pequenas e médias empresas, e que já é um produto de prateleira do BNDES. Além disso, houve uma aceleração no matchfunding (financiamento coletivo) de saúde, e dos FIDCs. “Importante citar uma pesquisa do Sebrae dizendo que mais de 50% das micro, pequenas e médias empresas iam precisar de crédito para operar nesse momento, e 30% chegaram a buscar crédito, mas apenas 11% conseguiram efetivamente concretizar seu objetivo. O FGI ajudará nisso. A estruturação de crédito de FIDC foi anunciada, vai ser feita uma chamada pública de investimentos em até 6 meses, e até 10 fundos devem ser estruturados. Por fim, o matchfunding visa adquirir materiais e equipamentos de saúde para quem está na linha de frente”, complementou.
Bancos estrangeiros – Monalisa Guarda, CRO do Bank of America, falou sua visão pessoal sobre a perspectiva dos bancos estrangeiros diante da crise. “A demanda por crédito já vinha diminuindo no período 2015-2019, marcado pela acentuada recessão econômica e pela baixa taxa de investimentos em relação ao PIB, que atingiu um patamar de 15% – um dos menores níveis observados. Nesse mesmo período, houve uma diminuição do total de empréstimos dos maiores bancos estrangeiros ao país. Ao mesmo tempo, após a perda do grau de investimento, a parcela da dívida pública federal detida pelos investidores não-residentes, através das contas regulamentadas pela Resolução 4.373, declinou de cerca de 20% para 15%. Interessante observar, que essa retração coincide com o recrudescimento da situação fiscal e aumento da relação Dívida/PIB”, disse.
Segundo ela, houve uma diminuição do fluxo de capital estrangeiro para o Brasil, e mercados emergentes de maneira geral, pois a crise de saúde afeta todo o mundo, o que faz com que cada um se volte para seus próprios mercados. Monalisa destacou que o mundo vai mudar depois desse episódio, bem como os padrões de consumo e, consequentemente, a demanda de crédito. “Por ora, observamos um foco dos bancos estrangeiros nos relacionamentos em suas matrizes, e estes por sua vez, apoiando suas subsidiárias multinacionais. Em relação à oferta de crédito, entende que os bancos vão ter que dar suporte para pessoas e empresas nesse processo de recuperação”.
Pós-pandemia – Mesmo diante de iniciativa dos bancos para amenizar os impactos da crise, há ainda muita incerteza sobre como será a retomada após a COVID-19. Roberto Luis Troster, sócio da Troster & Associados, destacou que o país não será o mesmo após a pandemia. Em comparação a crises anteriores, ele destacou que a atual não é financeira, mas se o governo não agir rapidamente, a crise atingirá o setor. Traçando um panorama histórico de 2017 e 2018, Troster destacou que o Brasil tinha expectativa de recuperação mais forte, mas o investimento hoje continua baixo. “O governo atual conseguiu reestruturar dívida, mas estamos em um nível perigoso. O produto potencial do Brasil é baixo, há dificuldade de fazer negócios, burocracia. Temos grandes distorções que poderiam ser discutidas rapidamente”, disse. Ele citou que o impacto no mercado financeiro dependerá também do tipo de recuperação que o país terá, sendo que hoje são discutidas as recuperações em V, U, W ou L. Troster destacou que, para sobreviver pós-crise, a atuação deve ser mais rápida, pensando em como se renovar.
Riscos e oportunidades – Frente às incertezas, alguns cenários de impacto são traçados para tentar medir o reflexo da crise no mercado. Claudio Gallina, diretor sênior e country head da área de FI e NBFI da Fitch no Brasil, fez uma apresentação sobre o efeito da COVID-19 nos bancos brasileiros que, segundo ele, continuam bem resilientes. Ele destaca que a maioria dos ratings está em categorias acima da média da escala nacional da Fitch). “Atribuímos rating para 70 instituições financeiras bancárias e não bancárias, cobrindo mais de 90% dos ativos totais do sistema financeiro”, disse. “O que a gente ouve agora são dúvidas, incertezas e inseguranças, e o ponto é o quão profunda será a crise e por quanto tempo vai durar. Acreditamos em uma recuperação mais gradual”, destacou.
Segundo Gallina, os riscos mais elevados são em bancos que têm maiores concentrações, mas é difícil dizer quais setores têm risco baixo. “O que vemos são riscos gerenciáveis, e entre eles telecom, tecnologia, alimentação, bem-estar, saúde, etc.”. Ele abordou ainda o risco de inadimplência, que é relacionado à capacidade e também à propensão de repagamento pelo cliente. “Aqui entra a questão de empresas que têm contratos com cláusulas de força maior que podem ou não ser levados para judicialização”. Segundo ele, há também pequenas e médias empresas cuja propensão a repagar fica prejudicada frente à pandemia. A inflação e taxa de juros ficam no radar, mas não são riscos tão relevantes no curto prazo.
Já as oportunidades para os bancos estão na digitalização. “A experiência com trabalho remoto tem sido positiva. Mobile também tem funcionado bem.” Ele destacou que, em termos de despesas, há renegociação de contratos de bancos com seus fornecedores, e também que a baixa da taxa de juros permite que bancos consigam reduzir a taxa de captação e, de certa forma, até a inadimplência, pois isso permite capacidade de pagamento maior dos tomadores.
Apresentação Claudio Gallina
Apresentação Roberto Troster
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