Getting your Trinity Audio player ready...
|
Por Flávio Calife e Vitor França, economistas da Boa Vista SCPC
O atribulado ano de 2018 aproxima-se do fim e as atenções já estão voltadas para 2019, quando terá início o governo do novo presidente eleito. O que esperar para a economia, especificamente para o mercado de crédito e o comércio varejista, a partir de agora?
Para apontar as tendências dos empréstimos e das vendas do varejo, é preciso, primeiramente, fazer uma leitura precisa da atual conjuntura, lembrando sempre que o rumo da economia depende de uma série de variáveis, todas interligadas umas às outras, muitas delas simplesmente imprevisíveis.
Em 2018, por exemplo, o PIB brasileiro terá crescido menos do que se esperava até o primeiro quadrimestre do ano. A mediana das expectativas dos analistas consultados pelo Banco Central para o crescimento do produto, que era de 2,75% até o final de abril, hoje encontra-se na casa de 1,4%. Ou seja, de acordo com as estimativas mais recentes, o ritmo de expansão da economia será praticamente metade do previsto anteriormente.
Pelo menos três fatores, que afetaram diretamente o consumo das famílias em 2018, foram cruciais para essa revisão para baixo das expectativas.
Em primeiro lugar, um evento completamente imprevisível: a greve dos caminhoneiros, que paralisou o país por 10 dias no final de maio.
Os problemas de abastecimento decorrente da greve, além de resultarem na queda das vendas do comércio – que recuaram 1,2% naquele mês em relação a abril, já descontados os efeitos sazonais –, tiveram impacto significativo na confiança dos consumidores, que, mais cautelosos, passaram a adiar decisões que envolvessem endividamento.
A partir de julho, passada a Copa do Mundo, a desconfiança dos consumidores foi realimentada pela incerteza decorrente da corrida presidencial (segundo fator determinante na revisão das expectativas). Em setembro, quando o dólar chegou à máxima de R$ 4,19 – reflexo do aumento da incerteza –, as vendas do varejo voltaram a registrar uma expressiva queda – de 1,3% na comparação com agosto, já descontados os fatores sazonais.
Por fim, a recuperação do mercado de trabalho ao longo do ano, mais lenta do que o esperado, limitou a retomada do consumo e pode ser apontada como o terceiro fator que justifica a revisão para baixo das projeções para o crescimento do consumo e do PIB.
Apesar da ainda elevada taxa de desemprego (11,9% no trimestre encerrado em setembro), a criação de postos de trabalho foi suficiente para derrubar a inadimplência dos empréstimos com recursos livres às pessoas físicas para 4,9% em outubro de 2018, o menor patamar da série histórica iniciada em março de 2011.
A redução da inadimplência abriu espaço para a diminuição das taxas de juros e o aumento da oferta de crédito. A despeito da cautela dos consumidores, as concessões de crédito às pessoas físicas vêm registrando crescimento, impulsionadas pelas modalidades de crédito consignado, crédito pessoal e crédito para aquisição de veículos.
Após três anos de queda e um crescimento tímido em 2017, as vendas de veículos dispararam e vem subindo a uma taxa de mais de 10% no acumulado de 12 meses. O elevado nível de desemprego, porém, ainda limita uma retomada disseminada do consumo: se, por um lado, as vendas de veículos estão crescendo neste ano (15,7% até setembro), as de outros bens semiduráveis e duráveis, como vestuário, calçados, móveis e eletrodomésticos, também dependentes da propensão ao endividamento, registram queda em 2018 após a expressiva alta do ano anterior.
Tudo indica que consumidores estão pouco a pouco voltando ao mercado de crédito e retomando projetos adiados de consumo, como a troca do carro ou reforma da casa. A demanda por crédito calculada pela Boa Vista, por exemplo, vem se acelerando nos últimos meses.
O desemprego elevado e o fraco crescimento da renda, contudo, ainda restringem a capacidade de endividamento em outras modalidades, comprometendo assim os gastos em outros itens que não os de primeira necessidade. Enquanto as vendas de móveis e eletrodomésticos registram queda de 1% no ano, e as de vestuários e calçados, de 3%, nos supermercados elas apresentam expansão de 4,6%, e de 5,4% nas farmácias e perfumarias.
Pode-se dizer que o próximo presidente assumirá a economia com condições favoráveis no mercado de crédito. Entretanto, com a inadimplência em patamares historicamente baixos e a taxa básica de juros (Selic) no menor nível da história – e sem perspectiva de alta no futuro próximo, por enquanto –, a continuidade de uma queda dos juros e uma expansão mais significativa da oferta de crédito aos consumidores estarão condicionados a medidas que ataquem problemas estruturais do mercado bancário brasileiro e incentivem a competição no sistema financeiro, como por exemplo, o Cadastro Positivo, o Open Banking e a regulamentação das Fintechs.
Já o crescimento da demanda por crédito e do consumo das famílias segue condicionado à evolução do mercado de trabalho, esta, por sua vez, dependente da retomada dos investimentos por parte das empresas.
Um aspecto a ser destacado é que o novo governo assumirá o país com uma conjuntura econômica favorável, ao contrário do observado em outros momentos de transição. Desde a estabilização da economia brasileira, a partir de 1994, em dois momentos houve alternância do partido no poder: em 2003, quando Lula (PT) substituiu FHC (PSDB), e em 2016, quando Temer (MDB) substituiu Dilma (PT). Ao contrário dos períodos de transição anteriores, hoje os principais indicadores econômicos apresentam tendência positiva, com recuperação da confiança de consumidores e empresas, inflação estável em torno do centro da meta, inadimplência baixa e taxas de juros nos menores patamares da história.
Além disto, o novo governo deverá ter a vantagem de contar com quase a maioria dos parlamentares no Congresso, o que, combinado com a conjuntura favorável, dará melhores condições para se dedicar a problemas estruturais, como Previdência, produtividade, competitividade e inovação, entre outros.
O avanço nestes temas tende a melhorar o ambiente de negócios, a confiança e a capacidade de crescimento da economia brasileira, mas sem efeitos significativos a curto prazo. O cenário do próximo ano para crédito (PF) e varejo, assim, é positivo, com grande probabilidade de observarmos crescimento ligeiramente superior ao registrado em 2018. Entretanto, dificilmente teremos uma expansão muito expressiva destes segmentos a curto prazo sem um aumento significativo da taxa de ocupação, o que ainda não está no radar da maior parte dos economistas, que apostam na redução gradual do desemprego decorrente, entre outros fatores, do elevado nível de ociosidade na economia.