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A agenda 15 e o mercado de crédito

Por Flávio Calife, economista Boa Vista SCPC

O governo anunciou com certo alarde a apresentação de um conjunto de medidas que compõem uma nova agenda econômica. Essa agenda é composta de uma lista de 15 projetos que se tornariam prioridade para o governo a partir de agora, a chamada “Agenda 15”. Alguns desses projetos já estão em andamento e alguns foram trazidos de volta, e requentados. O alarde foi visto como uma forma de reduzir o impacto do fracasso na tentativa de votar a tão necessária reforma da previdência. Deixando isso de lado, interessa-nos aqui saber quais os efeitos dessas medidas sobre o mercado de crédito.

Entre esses 15 projetos alguns se relacionam diretamente com o crédito e até podem acelerar as reformas microeconômicas que já vêm acontecendo no setor. Entre eles destacamos; 1) a duplicata eletrônica; 2) o cadastro positivo e 3) a autonomia do Banco Central.

Apesar das três medidas serem extremamente relevantes, a única que ainda não se encontra bem avançada é a que trata da regulamentação da autonomia do Banco Central e seus efeitos sobre a política monetária e creditícia.

Vejamos o estágio em que se encontra cada um dos projetos, lembrando que todas fazem parte de um objetivo maior, que é a redução dos spreads:

1) Duplicata eletrônica: a proposta para a implementação da duplicata eletrônica já está em análise na Câmara dos Deputados e depois segue para o Senado para votação. A medida cria um sistema em que as duplicatas sejam registradas de maneira mais transparente e diminui os custos de transação.
A proposta complementa a medida provisória 775 que regulamentou o registro centralizado de ativos financeiros, o que permitiu aos bancos fazerem os registros de restrições (gravames) sobre ativos financeiros em empresas autorizadas pelo Banco Central. Essas operações antes deveriam ser feitas obrigatoriamente em cartório, o que encarecia as transações e aumentavam o tempo gasto com os registros.
A instauração da duplicata eletrônica, assim, reduz os riscos de transação e as possibilidades de fraude.

2) Entre as três medidas anunciadas, nenhuma foi tão amplamente discutida como a implementação do cadastro positivo. Antiga reivindicação do sistema financeiro e dos varejistas, o uso de informações positivas de comportamento financeiro do consumidor (complementando as informações negativas já utilizadas) diminuem a assimetria de informações, diminuindo os riscos financeiros, abrindo espaço para o recuo dos spreads dos empréstimos e aumento da concessão de crédito. O texto inicial do cadastro positivo foi aprovado em medida provisória em maio de 2011, mas com alguns vetos esdrúxulos da presidência. O principal deles foi a necessidade da autorização prévia por parte do consumidor/empresa por meio de um documento específico ou cláusula à parte do financiamento, aceitando a participação no cadastro, o chamado opt-in. Essa modificação praticamente impossibilitou o adequado funcionamento do cadastro. Desde 2011 até 2017, o cadastro conta com cerca de 7 milhões de consumidores, quando se esperava mais de 100 milhões. O que se pretende agora é corrigir esse erro.
O projeto de lei 212/2017 já foi aprovado pelo Senado em outubro de 2017 e agora se apresenta em tramitação em regime de urgência na Câmara, e deve ser levado em breve para votação em plenário. O projeto torna obrigatória e automática a adesão ao cadastro positivo para todos os consumidores e empresas, seguindo as mesmas regras que hoje valem para o cadastro negativo. A partir da aprovação, as instituições financeiras, empresas do varejo, telecom e etc, poderão incluir as informações sem adesão prévia dos clientes. Os consumidores e empresas podem, se quiserem, não participar do cadastro, mas para isso terão que pedir uma autorização, a chamada opt-out. Como visto, o projeto não é novo, e já está bem avançado. Esse projeto, pelo seu impacto e magnitude, é a grande aposta dos técnicos do Banco Central e do Ministério da Fazenda para atingir os objetivos de redução de incertezas e consequentemente dos riscos financeiros. E deve ser o primeiro a entrar em vigor.

3) Apesar de não existir oficialmente, a autonomia do Banco Central é bem respeitada na prática, à medida que o presidente da República e o ministro da Fazenda praticamente não interferem na política monetária conduzida pelo Banco Central. Este padrão tem sido respeitado, mas para evitar que deslizes ocorram, como por exemplo o que houve no governo Dilma Rousseff entre 2011 e 2012 (quando a presidente exigiu que os juros deviam recuar mesmo sem as condições adequadas para isso), transformar o compromisso público de não interferir nas decisões em lei, deve dar maior poder de decisão ao órgão.
Uma das maiores preocupações do Banco Central hoje está na redução dos spreads. A aprovação dessa medida teria como efeito uma redução no risco de longo prazo do país, na medida em que gera um ambiente muito mais estável para as decisões de política monetária, com poucas possibilidades de mudança mais abruptas provocadas por decisões políticas.
Enquanto os projetos anteriores enquadram-se na agenda de reformas microeconômicas, a autonomia do Banco Central encaixa-se muito mais em uma agenda de preocupação com os riscos externos do país, e como isso afeta as taxas de juros de longo prazo e a própria classificação de risco do país.
O governo ainda prepara um projeto sobre o assunto apoiado em propostas que já existem, entre elas uma que responsabiliza o BC pelo controle da inflação, mas também pelo crescimento e emprego, seguindo os padrões do banco central americano, algo que ainda vai dar muito “pano pra manga”.

Considerando os três projetos apresentados na “Agenda 15”, a única novidade realmente está na discussão sobre a autonomia do BC. Os demais estão totalmente encaminhados e aconteceriam de qualquer jeito. A mudança de foco do governo pode até trazer certa agilidade para a aprovação e implementação de todos projetos em questão, mas o único que essencialmente trará novos ares para o mercado de crédito (por conta do seu ineditismo), é o da autonomia do BC e suas responsabilidades.

 

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