Getting your Trinity Audio player ready...
|
Veículo: Revista Valor Financeiro – Capitalização de Empresas | Data: 01/10/2013 | Pág: 50 a 53
O cenário econômico ainda indefinido depois da fase mais aguda da crise de 2008, e o desempenho nada animador de empresas que conseguiram bilhões de reais na febre da bolsa brasileira entre os anos de 2005 e 2007 fazem com que poucas companhias se arrisquem a abrir seu capital. No ano passado, ocorreram apenas três IPOs (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês) e, neste ano, são sete ao todo. Nada comparado a 2007, quando houve uma avalanche de 64 operações e 12 ofertas secundárias. Na avaliação da maioria dos analistas, há hoje uma fila de espera de empresas prontas para abrir capital, mas que aguardam pela melhora principalmente do cenário interno, e observam com atenção o que vem acontecendo nos Estados Unidos. Um dos fatores que mais vêm pesando neste ano é a crise da OGX, uma das empresas do empresário Me Batista, que compõe o lbovespa, principal índice da BMFBovespa. Depois de conseguir levantar na estreia R$ 6,71 bilhões, a petroleira passa por um momento de alto endividamento, problemas na produção e escassez de recursos para investimentos. O efeito, na opinião dos analistas, tem sido avassalador no mercado.
No fim de setembro, o preço das ações da OGX parecia ter alcançado o fundo do poço. Não valiam mais do que R$ 0,21, um tombo de 99,1 %. Segundo levantamento da consultoria Economatica, no início do ano, a empresa tinha valor de mercado de R$14,2 bilhões. Hoje, é avaliada pelos investidores em R$ 906 milhões. “As empresas X são empresas de projetos. A capacidade de entrega não foi igual ao que se pretendia. Os investidores avaliaram projetos que na época faziam sentido, mas que não se concretizaram”, afirma José Claudio Securato, presidente do Instituto Brasileiro dos Executivos de Finanças (Ibef) e da Escola de Finanças e Negócios Saint Paul. O advento X, em sua opinião, arranha, mas não prejudica o Brasil como um todo, pois o país dispõe de grandes executivos e empresas. Para ele, a bolsa permanece como um dos principais instrumentos de captação de recursos para as empresas. “Um país que quer se desenvolver de forma equilibrada precisa dela”, afirma o economista. Nas suas contas, o sistema financeiro destina entre R$ 150 bilhões e R$ 200 bilhões todo ano em crédito para as empresas. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sozinho financia a mesma quantia e o mercado de capitais como um todo contribui com algo parecido com isso. “É mais barato para a empre- sa levantar fttnding no mercado de capitais do que nos bancos privados. Por isso, ainda é a solução para o crescimento de qualquer país”, acredita o presidente do lbef. Por mais força que tenha este instrumento de captação de recursos, não há expectativa neste momento de que se repita a fartura de IPOs de 2007. Os investidores estão mais seletivos e as empresas estão sendo obrigadas a abrir mão de seus ganhos e trabalhar com margens mais apertadas. É voz corrente que, para entrar na bolsa agora, é preciso muito mais do que boas intenções e promessas futuras. O investidor buscará informações concretas sobre a empresa que irá apostar. “Entrar no mercado exigirá eficiência, amadurecimento, prestação de contas, mostrar bons resultados e consistência; do contrário o investidor sai rapidamente”, afirma Ricardo Tadeu Martins, presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais em São Paulo (Apimec-SP) e analista da corretora I’lanner. Para ele, há vários fatos que explicam o caso da OGX. Além de um marketing agressivo, a empresa foi beneficiada pelo fato de ter suas reservas, ainda não exploradas, validadas economicamente por consultorias internacionais. “O Eike também impressionou ao colocar, na linha de frente da petroleira, um profissional altamente qualificado oriundo da Petrobras como CEO da OGX”, ressalta Martins. O Brasil é reconhecido internacionalmente por possuir um órgão regulador sério e eficiente.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é elogiada e respeitada por empresas, investidores, economistas e governo. O país conta também com uma das maiores bolsas de valores do mundo, considerada bem estruturada e com volumes de operações diários expressivos. O que falta, na opinião dos especialistas, é um incentivo fiscal e tributário para o investimento de longo prazo. Ao estudar os ciclos de longo prazo, é possível verificar que a bolsa antecipa momentos econômicos. O administrador de inves- timentos, Fábio Colombo, observa que estamos passando três longos anos de erros internos na economia, com intervenções nos contratos das empresas e nas regras, o que ajuda o período ruim a se prolongar. “Mas, se daqui seis meses surgir um candidato novo que anime o mercado e ganhe as eleições, a bolsa poderá explodir”, prevê. Porém com menos oscilações do que no passado. “Estudos indicam que, na média, as bolsas costumam dar de retorno entre 10% e 15% ao ano, mais inflação”, afirma. De fato, o mercado de capitais no Brasil hoje está muito mais maduro do que há dez anos. As operações de captação de recursos pela bolsa começaram a se fortalecer em 2004, e vieram numa crescente até o ápice de IPOs entre 2005 e 2007. Só nesses três anos, 99 empresas acessaram o mercado de capitais pela primeira vez, despejando uma avalanche de ações de todo tipo de empresa nas mãos de investidores entusiasmados. No período, os ganhos com o lbovespa foram de 27,7%, 32,9% e 43,6%, respectivamente. O mercado viveu um momento de grande euforia. A liquidez estava muito elevada e o investidor aceitou pagar muito alto pelos ativos. “Muitos se precipitaram – empresas e investidores”, afirma Martins, da Apimec. Aï veio a sacudida com a crise financeira internacional e com ela a prova dos nove. As empresas tiveram que mostrar se teriam consistência para continuar no mercado também em momentos de aperto e escassez de liquidez. Um exemplo negativo foi o banco Panamericano, que captou R$ 700 milhões e teve de fechar as portas debaixo de denúncias de fraudes contábeis.
Outras empresas enfrentaram dificuldades, como é o caso das construtoras, que aproveitaram o momento favorável para se viabilizarem por meio da abertura do capital. “Foram cerca de 20 IPOs só de construtoras em 2007. Elas ficaram megacapitalizadas e correram para comprar terrenos. Com a demanda alta, os preços dos lançamentos inflaram e o custo da mão de obra também subiu”, explica Ricardo Amorim, presidente da Ricam Consultoria. Muitas dessas incorporadoras, como Gafisa, Rossi, Cyrela e MRV, tiveram problemas de fluxo de caixa e não entregaram o que prometeram. “Ficaram com problemas de funding. Claro que o mercado internacional atrapalhou e o endividamento das pessoas ficou elevado, mas o cerne da questão foi o mau planejamento financeiro dessas empresas”, afirma Martins, da Apimec. Houve algumas exceções. “A EZTEC, que entrou na bolsa na mesma época, o fez de forma muito mais estruturada e menos ambiciosa. O resultado é valorização, e não depreciação do valor de seus papéis do IPO até agora”. Os números confirmam isso. Enquanto a EZTEC valia R$ 11 por ação no IPO, em 2007, e hoje está a R$ 32,25, a MRV viveu o revés: lançou a R$ 26,00 e hoje vale R$ 10,43. O que mostra que o problema não está com a abertura de capital. Ela não torna o plano de negócio ruim. O que torna o negócio ruim é a má gestão dos recursos e a inconsistência. O ano de 2013, embora tenha começado com perdas na bolsa, exibia expectativas otimistas em relação à recuperação da economia brasileira. Muitas empresas acreditaram na volta do crescimento do país e na recuperação das economias europeia e americana. Tanto que algumas se arriscaram. Fizeram suas primeiras ofertas de ações. Todas as sete até julho. De lá para cá nada mais aconteceu, devido a deterioração dos dados macroeconômicos no país, como desaceleração do crescimento do PIB, inflação, juros e endividamento do país em alta, superávit primário abaixo da meta e desequilíbrio das contas correntes. Mesmo assim, o número de operações para abertura de capital deste ano já é mais do que o dobro das três emissões iniciais registradas em 2012, mas inferior aos 11 IPOs registrados de janeiro a outubro de 2011.
Em volume de captação, no entanto, 2013 mostrou mais vigor por conta da boa aceitação do IPO da BB Securidade. Os investidores, ávidos por novos papéis de empresas sólidas, jogaram R$ 11,47 bilhões no caixa da empresa – em um total de R$ 15,628 bilhões que o conjunto dos IPOs arrecadou. Somados aos R$ 2,69 bilhões de followon (emissões secundárias), as empresas receberam R$ 18,32 bilhões nas emissões em bolsa neste ano. A Ricam Consultoria desenvolveu um indicador para analisar o que aconteceu nos últimos 20 anos e identificou uma espécie de padrão: quando a bolsa fica 40% mais barata do que a sua média no periodo (que considera vários indicadores, inclusive o PI, preço em relação ao lucro da empresa), ela tende a subir 100% logo na sequência. “Isto já aconteceu cinco vezes em 20 anos. E, sempre após essas baixas, houve reaçào imediata nos preços dos papéis”, afirma Amorim. Foi o que aconteceu em junho deste ano, quando o Ibovespa amargou uma desvalorização no mês de 11,3%, e mais de 40% de queda na média de seu PL Logo no mês seguinte, inverteu a curva e operou no positivo nos meses de julho, agosto e setembro. “[á recuperou 10% desde então. Ainda está 30% mais barata do que a média e se encontra em um momento de recuperação. O que não quer dizer que não ocorrerão outras baixas.” Em meio a tantas instabilidades do mercado, a BMFBovespa resolveu mudar a composição do Ibovespa o que pode evitar o efeito OGX no índice. Isso porque, quando se fala em índice, se considera uma cesta de ações. Dependendo do peso, empresas que não têm um bom desempenho podem puxar o Ibovespa inteiro para baixo. “A mudança melhorou a estrutura do índice e deve evitar peculiaridades que ocorreram no passado. Contemplará empresas por tamanho de capitalização. O que representará melhor o mercado”, afirma Márcio Cardoso, sócio-diretor da Easynvest, da Título Corretora. Ele também acha que o mercado brasileiro gera poucas informações sobre as empresas e os setores em que elas aluam se comparado ao que circula no exterior. “A quantidade de informações que o varejo recebe lá fora é infinitamente maior do que aqui. O que permite uma análise mais aprofundada.” Cardoso acredita que o mercado não está bom para as empresas neste momento por conta das incertezas económicas dentro e fora do Brasil. O professor de finanças Fernando Galdi, da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Hpecafi), ligada à Universidade de São Paulo (USP), concorda. “Há muita instabilidade interna neste momento. O Brasil perdeu um pouco de credibilidade e precisa retomála urgente. Para isso tem que voltar a crescer e respeitar as regras e contratos e diminuir o seu endividamento. O pais é emergente e tem muitas possibilidades de expansão se houver investimento certo”, conclui.