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Quando mais pode ser menos

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CRÉDITO

 

Por Flávio Calife e Bruna Martins, economistas da Boa Vista SCPC.

 

 

Os ventos trouxeram boas novas, mas talvez a neblina tenha distorcido um pouco a realidade.

Um novo levantamento da Boa Vista SCPC divulgado em abril mostrou que cerca de dois milhões de empresas foram abertas no Brasil em 2015. Um aumento de 4,4% quando comparado ao resultado de 2014. Um resultado significativo em um ano de forte retração da economia.

E 2016 não começou diferente. No 1º trimestre do ano, foram contabilizadas mais de 538 mil novas empresas, registrando um acréscimo de 6,4% em relação ao 1º trimestre de 2015 e de 16,0% ante o trimestre imediatamente anterior.

E a economia brasileira patinou ainda mais nesse período. O IBC-BR (indicador antecedente do Banco Central para o PIB) apontou queda de 6,3% da atividade econômica no 1º trimestre na comparação com o mesmo período do ano passado.

Apesar do crescimento de novas empresas ser um acontecimento observado em todas as regiões, o Sudeste e o Sul foram os grandes destaques do período. Na variação do trimestre em comparação ao mesmo período do ano anterior, registraram 9,6% e 6,9% respectivamente. Em seguida, tivemos o Norte (1,7%), Centro-Oeste (0,8%) e o Nordeste (0,2%).

O número parece uma luz em meio à escuridão da atual atividade econômica. O que chama a atenção, no entanto, é que somente o número de MEIs (Microempreendedores Individuais) aumentou. Essa forma jurídica cresceu 14,3% na variação interanual. Esse resultado refletiu em uma mudança na composição da abertura de empresas, elevando a participação de MEIs de 71,3% para 76,7% em um ano, conforme ilustrado pelo gráfico 1.

Na mesma base de comparação, as MEs (Microempresas) e as demais formas jurídicas recuaram 10,4% e 19,6%, respectivamente.

O levantamento pode ocultar um dado não tão positivo, principalmente quando analisado em conjunto com o mercado de trabalho. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), a taxa de desemprego atingiu 10,9% no 1º trimestre do ano, totalizando 11,1 milhões de pessoas desempregadas. Ademais, 1,4 milhão de empregos com carteira assinada foram cortados em um ano, 772 mil apenas no último trimestre.

O desemprego aumentou de forma mais significativa nas regiões Sul e Sudeste. Em um ano, o crescimento do número de desempregados foi de 46,2% e 47,4%, respectivamente, para uma média nacional de 39,2%.

Com o forte aumento das demissões e a redução das vagas com carteira assinada, muitas pessoas parecem estar tentando a sorte como autônomos. E as MEIs podem auxiliar nesse processo de formalização do trabalho. Como o faturamento permitido para o enquadramento desta natureza jurídica é baixo, R$ 60 mil bruto por ano – com tolerância de 20%, e o recolhimento de impostos é simplificado, parte dos desempregados pode efetivamente estar migrando para um negócio próprio ou mesmo atuando como terceiros, como sugerem os números.

Outro fator que contribui para uma análise mais pessimista acerca desse levantamento é a própria distribuição por setor e sua relação com os indicadores de solvência da Boa Vista. Apenas o setor de Serviços registrou ganho de representatividade no 1º trimestre de 2016, passando de 54,0% para 56,9%. Como Indústria e Rural praticamente permaneceram estáveis, o Comércio foi quem perdeu espaço, ao passar de 35,5% para 32,5% do total.

É interessante notar que ao mesmo tempo em que há essa tendência de crescimento de abertura de novas empresas, os pedidos de falências e a inadimplência das empresas vêm aumentando em ritmo acelerado, confirmando a hipótese de que o cenário tem sido extremamente prejudicial para a sustentabilidade e a solvência das empresas. Em 2015, o número de pedidos encerrou o ano com alta de 16,4% e, no 1º trimestre de 2016, o crescimento foi de 31,6% ante o mesmo período do ano passado. Analisando a divisão por setor da economia, Serviços também foi o setor que representou maior parcela dos pedidos de falências (40%), seguido pela Indústria (34%) e pelo Comércio (26%). E a inadimplência das empresas no acumulado de 12 meses já é quase 10% maior do que o período anterior, segundo indicador da Boa Vista.

O atual movimento na direção de MEIs, nesse contexto, pode caracterizar o conhecido empreendedorismo por necessidade, quando o desempregado se lança em um negócio próprio, na esperança de obter rendimentos que compensem a perda de sua remuneração. Na maior parte dos casos são apostas sem planejamento e tendem ao fechamento no curto prazo.  Esse tipo de empreendedor costuma ser a maioria nos países em desenvolvimento.

Do outro lado temos o chamado empreendedorismo por oportunidade. Neste caso, mesmo quando as pessoas possuem outras opções de emprego, optam por iniciar um novo negócio. Mais planejado e com os objetivos claros, o negócio tende a ser mais sustentável. É a forma mais saudável de empreendedorismo e cresceu enquanto a economia aumentou sua dinâmica na década de 2000.

Mas os retrocessos que a economia brasileira presenciou nos últimos três anos não nos deixam muito otimistas em relação ao crescimento de empresas com esses atributos.

Se esse movimento se caracterizar muito mais como um empreendedorismo de necessidade do que de oportunidade, não temos de fato muito o que comemorar.

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