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Reforma Tributária precisa ser mais discutida para reduzir complexidades e incertezas

A Reforma Tributária está em pauta atualmente no Congresso Nacional por meio de duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) apresentadas por parlamentares e de um Projeto de Lei defendido pelo governo federal. Ainda assim, estão em curso discussões sobre a necessidade de se ter uma reforma mais transparente, eficiente e abrangente, reduzindo complexidades e incertezas do sistema tributário brasileiro. O tema foi discutido no webinar Reforma Tributária: Simplificar é Preciso, promovido pelo IBEF-SP junto ao LBMF Advocacia de Negócios, no dia 30 de setembro. Com moderação de Fernando Scheller, repórter de Economia do Estadão, estiveram presentes no debate Meily Franco, Tax Director South LAM da Alstom Transporte e líder da Comissão Técnica de Tributos do IBEF-SP, e Luís Alexandre Barbosa, sócio fundador do LBMF Advocacia de Negócios. 

Segundo Meily, devido à complexidade do sistema tributário brasileiro no Brasil, ainda se perde muito tempo no cumprimento de obrigações acessórias, e a maioria das empresas tem feito uma jornada de transformação digital para que o tempo do profissional de tax seja direcionado não a prestar contas, mas sim melhorar o negócio pela ótica dos tributos. “Não temos tédio nessa área, todo dia no deparamos com surpresas e novidades. Por outro lado, é um ambiente dinâmico que nos deixa em uma posição de capacidade de discussão, de enxergar o sistema tributário e nos enxergar no negócio de maneira privilegiada”. 

Ela ressalta que a Alstom está em 60 países e conta com vários tax directors cuidando de regiões específicas. “No Brasil, temos um sistema que nos dá capacidade de raciocínio sobre negócios e riscos frente a colegas que cuidam de sistemas tributários menos complexos”, diz. Ainda assim, Meily destaca que são feitos muitos investimentos em tecnologia para que as pessoas possam pensar em como usar a área tributária estrategicamente, visando o crescimento da empresa. “O dinamismo da área se contrapõe à insegurança de certas medida tributárias, dificultando um pouco nosso dia a dia ou nossa credibilidade frente à matriz”, pontua.

O dinamismo mencionado por Meily está relacionado às mudanças abruptas de regras e requisitos de adaptação em relação a tecnologia, novas obrigações acessórias ou cobranças que entidades fiscais trazem, além de mudanças de cenário. “A gente precisa fazer diversas entregas e dar esclarecimentos aos nossos stakeholders. Além do dinamismo do negócio, que exige uma movimentação e rapidez grande da área, também nos deparamos com julgamento, fiscalização, auditorias, requerimentos das autoridades, tudo isso no dia a dia da gestão tributária”, complementa.

Judicialização – A complexidade tributária também leva empresas a um alto nível contencioso dentro de suas operações, sendo que uma das maiores concentrações de contenciosos está nas operações de aquisição de empresas envolvendo o pagamento de ágio, conforme explica o advogado Luís Alexandre Barbosa. “Um dos maiores valores que temos em contenciosos envolve ágio, além de pagamentos de benefícios para diretores, planejamentos tributários internacionais, ICMS, classificação fiscal e PIS/COFINS”. 

Ele ressalta ainda as dificuldades na classificação de tributos com base na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), código estabelecido pelo governo brasileiro para identificar a natureza das mercadorias, o que pode também acarretar em judicializações. “Temos inúmeros regimes diferenciados por NCM, dificultando a classificação de produtos, e isso é muito diferente do que acontece com empresas fora do Brasil”, diz Luís Alexandre. Segundo ele, essa judicialização não é positiva e evitá-la poderia gerar dinheiro no longo prazo. “Muitas empresas ganham dinheiro com planejamento tributário, alguns robustos e eficientes, outros nem tanto, e acho que o sistema fiscal que temos hoje remete a um grande problema de custo Brasil. A ideia é que o país passe a ser eficiente não em planejamento tributário, mas na operação em si”, destaca. 

Meily complementa dizendo que o Brasil deve destravar sua agenda de reformas para poder iniciar a curva de crescimento. “As empresas precisam se preocupar com suas operações e como elas vão gerar riqueza, e não como vão pagar menos um determinado tributo. Perdemos muito tempo e energia imaginando e desenhando como pagar menos impostos. As empresas sérias e éticas cumprem esse papel, mas queremos pagar tributos de forma inteligente, eficiente, pensando no negócio e no retorno que ele levará à própria sociedade”, salienta.

Reforma Tributária – A Reforma Tributária teria a proposta de resolver essa complexidade, dando às empresas maior eficiência de negócios, mas ainda há muitas incertezas sobre como essa reforma se dará, sendo que hoje há três propostas tramitando no Congresso Nacional. A PEC 45, conhecida como a proposta da Câmara, unifica cinco tributos, sendo três federais, um estadual e um municipal, em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado), sistema utilizado na maioria dos países desenvolvidos para tributar bens e serviços. A PEC 110 também prevê um tipo IVA, mas chamado Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), com regras diferentes. Já o Ministério da Economia apresentou a sua proposta por meio do PL 3.887, criando a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), unificando PIS e Cofins e deixando estados e municípios fora do projeto. 

As três propostas se restringem basicamente à tributação sobre o consumo, tentando implementar o Imposto de Valor Agregado. “Hoje, no Brasil, há tributos não cumulativos, mas o sistema IVA, tal como o modelo europeu que estão querendo trazer para o Brasil, é um pouco diferente. A ideia é não ter débitos de créditos ou destaques separados”, explica Luís Alexandre. Segundo ele, o problema é que a Reforma Tributária proposta está em uma primeira etapa, que se limitou à criação desses novos impostos, e a proposta atual do governo acaba empurrando os demais tributos para etapas futuras, o que não é positivo para o contribuinte. 

Meily diz ainda que com a atual proposta na mesa, as empresas sentirão pouco os efeitos da reforma. “Hoje temos uma alíquota de um regime não cumulativo e acabamos colocando todo mundo na mesma página com uma alíquota de 12%. Temos muitas dúvidas sobre o impacto disso, que ainda não conseguimos analisar, pois temos uma proposta de reforma que tratará de um pedaço do que as empresa pagam hoje. Precisamos tomar determinadas decisões empresariais hoje sem segurança do que vai acontecer no futuro”.

Ela pontua que seria necessário discutir todo o ambiente tributário para depois entregar um projeto mais consistente, com um pacote mais completo. “Hoje ainda é discutido um pedaço ou propostas diferentes. Há uma falta de consenso sobre o que a reforma deve atacar primeiro, há disputas pelo protagonismo, e esse momento que estamos agora, com pouco crescimento da economia em função da pandemia, gera muita incerteza”, complementa.

Diante do ambiente de incertezas, Luís Alexandre acredita que possivelmente a reforma não deve ser aprovada em 2020, reforçando que a Reforma Administrativa deve, inclusive, ser aprovada junto para se medir o tamanho do Estado e depois tratar da questão tributária. “É necessário primeiro saber quais são os custos do Estado a curto, médio e longo prazo, para entender as demandas, e depois os economistas projetarem a arrecadação de tributos para chegar na arrecadação necessária para o Estado”, diz. “O problema de ter somente a Reforma Administrativa sem a Tributária junto é que dificilmente alguém vai cortar cargos e custos. Seria importante colocar, no mínimo, as duas reformas em paralelo”.

Simplificar é preciso – Meily reitera que é preciso tornar o sistema tributário brasileiro mais simples e o problema não está no recolhimento de tributos, mas sim no tamanho do Estado e na gestão financeira. “Temos esperança de emplacar algum tipo de reforma que deixe o sistema tributário mais simples. Meu maior receio é que a gente emplaque reformas faseadas que não se conversam, que não endereçam o que precisam endereçar, trazendo uma fuga de investimento e nos colocando em posição distante de atratividade. Hoje, quem possui cenários mais benéficos para determinadas exportações, se for mais barato produzir em outro país, não vai escolher produzir no Brasil, não somente pela carga tributária, mas pelo ambiente de incertezas”, pontua.

Apesar da necessidade de simplificação, usar uma alíquota única e tratar todo mundo no mesmo patamar não é a melhor estratégia, destaca Meily, sendo que em alguns casos o aumento da carga pode não ser grande, mas em outros pode ser muito expressivo, sem oportunidade de repassar esse aumento para as operações. “Queremos equalizar a carga tributária, mas não simplesmente aumentado para todos. Por isso essa reforma precisa ser mais discutida, amparada, ter mais transparência, e não podemos generalizar”. 

Luís Alexandre reitera que simplificar é preciso, mas que isso não significa ser simples. “Simplificar é diminuir todo o custo de conformidade atual sem tirar o foco a necessidade de isonomia tributária e de capacidade contributiva. Se colocarmos o que está previsto na CBS ou no IBS, teremos uma alíquota única de 12% ou 25% generalizada, desde cesta básica até remédio ou perfume. É importante ter alíquotas intermediárias e uniformes em todo o país”, ressalta. “Acredito que precisamos simplificar, mas mantendo a capacidade produtiva de todo o Brasil”, complementa. 

Incertezas – Para Meily, entre as maiores incertezas quanto à reforma proposta pelo governo federal, está a indefinição sobre o que é receita ingressa, o que será tributado pela CBS, se ela será igualmente aplicável para todos os tipos de serviços, e na parte de crédito, há ainda incertezas sobre o que dará direito a créditos. “Basicamente, está incerta a base e cálculo de créditos antes da CBS virar regra; há incertezas sobre como usar créditos acumulados de PIS/Cofins; e que tipo de obrigação acessória pode-se preencher. Essas são obscuridades ou pontos que não foram endereçados ou que precisam ser esclarecidos para o pagador de tributo”, explica. 

Luís Alexandre reitera que será aberta uma etapa de sugestões ao texto, sendo que o IBEF-SP contribuirá para que a proposta de Reforma Tributária seja aprimorada. “Gostaríamos de deixar claro, por exemplo, quais receitas financeiras fazem ou não parte. Há vários pontos de dúvida e precisamos aprimorar a legislação ao longo do processo. Vamos discutir tributos sempre, mas a ideia é que a gente tenha segurança jurídica”, diz. “É importante que a sociedade civil, o IBEF-SP e outras entidades contribuam para evitar esse contencioso para todos”, complementa.

Meily reforça que a sociedade brasileira também precisa trabalhar em prol da Reforma Administrativa discutindo, apontando falhas e trazendo soluções através de associações e institutos como o IBEF-SP. “Esses assuntos estão mais conhecidos agora, é hora da sociedade estudar o tema, conhecer, se manifestar e ser agente de mudança”.

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