Para associados / Portal

Somos o maior Instituto de Finanças do Brasil

Reformas tributárias e seus impactos no ambiente de negócios do Brasil

Getting your Trinity Audio player ready...

Complexidade demasiada, distorções distributivas, falta de transparência, tratamento desigual, excesso de benefícios para alguns setores e poucos para outros… São muitos os problemas do sistema tributário brasileiro, que hoje mais amarra do que contribui para a produtividade do país. Especialistas afirmam que uma reforma tributária que enfrentasse esses problemas poderia, sozinha, já contribuir para o crescimento de vários pontos percentuais no PIB.

Com o intuito de discutir os gargalos e as oportunidades desse cenário, a Comissão de Tributos realizou, no dia 19 de julho, o evento “Reformas tributárias e seus impactos no ambiente de negócios do Brasil”. Os painelistas convidados foram Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), Maira Oltra, responsável pela área de International Tax na Amazon Brasil, e Mario Mafra, CFO da Editora do Brasil. A moderação do debate ficou a cargo de Durval Portela, sócio líder da área de Consultoria Tributária da PwC.
O evento foi patrocinado pela SAP Brasil.

Primeiro problema a ser atacado

Segundo estudo do Banco Mundial, as empresas gastam cerca de 1.958 horas para apurar e pagar impostos no Brasil (dados de 2017). São 81,5 dias – tempo suficiente para realizar cinco edições consecutivas das Olimpíadas ou quase três Copas do Mundo de Futebol. Mas já foi pior: em 2013, eram 2.600 horas despendidas.

A necessidade de reformar o atual sistema tributário é reconhecida. Mas qual seria a questão prioritária a se enfrentar? Com essa provocação aos convidados, Durval Portela iniciou o debate.

Tributação do consumo – Na visão de Bernard Appy, o principal problema está no sistema de tributação de bens e serviços, que se tornou uma “maluquice”. Enquanto a maioria dos países possuem um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) para tributar o consumo, o Brasil tem pelo menos cinco tributos gerais sobre bens e serviços: PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI, nota o diretor do CCiF.

O efeito da fragmentação da base de incidência entre vários tributos é conhecido: um custo monumental para se pagar impostos. Adicione-se a falta de equanimidade gerada por incentivos fiscais dados a setores específicos, em regiões específicas. Tudo isso faz com que a economia se organize de forma extremamente ineficiente: fábricas são instaladas em regiões sem vocação para aquele produto, obras são construídas de forma menos eficiente, sobre insumos similares incidem tributações diferentes, para citar apenas alguns dos exemplos ilustrados pelo economista.

“Quando você soma todos esses problemas: custo de conformidade, custo de pagar imposto, custo de contencioso, com o efeito da cumulatividade, com as distorções alocativas provocadas pelo nosso sistema tributário… A soma de tudo isso é uma perda brutal de produtividade, de PIB potencial”, explica o Diretor do CCiF. Por isso, argumenta o economista, a agenda de maior impacto no curto e médio prazo para o aumentar o potencial de crescimento do País seria a reforma da tributação de bens e serviços – onde reside a maior complexidade e fonte de conflitos atuais.

Propostas de reforma – Think tank independente, que visa contribuir para a simplificação do atual sistema, o CCiF elaborou uma proposta de reforma tributária que preconiza migrar do atual sistema de tributação para um modelo tipo IVA, segundo as melhores práticas internacionais. Dentro dessa proposta, haveria a unificação dos tributos que incidem sobre produção, consumo e circulação (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) em um único, denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O prazo de transição para a implementação do novo imposto seria de 10 anos para os contribuintes e de 50 anos para a distribuição de receitas entre os entes federativos.

Além da proposta do CCiF, discute-se hoje no Brasil pelo menos mais duas grandes proposições de reforma tributária, que também visam mudar a tributação sobre o consumo: a encampada pelo Deputado Luis Carlos Hauly e a do Instituto de Pesquisa e Econômica Aplicada – Ipea.

Redução do compliance tributário – Maira Oltra, da Amazon Brasil, apontou como alvo a redução do compliance tributário. “Os executivos sabem o quanto é difícil quando se tenta justificar para a empresa a quantidade de recursos, de esforço necessário… Principalmente entre as multinacionais, onde há departamentos tributários que não se alinham com a estrutura que precisamos montar no Brasil só para poder pagar imposto. O compliance no Brasil demanda um número de horas muito alto, o tempo necessário para cumprir as obrigações tributárias é um dos mais elevados do mundo”.

Com relação aos impactos do atual sistema para o business, a executiva destacou a dificuldade para desenvolver negócios no Brasil. “A Amazon, por exemplo, tem um modelo nos Estados Unidos que depende do marketplace de empresas menores, de porte médio. Empresas que eventualmente não teriam tantos recursos como uma empresa americana de grande porte tem para investir em tecnologia e ser compliant para cumprir o que é exigido no Brasil”, observou, ao lembrar que nos EUA metade das receitas da empresa de comércio eletrônico vêm desses sellers.

Mudança profunda – Na visão da executiva, o caminho para a efetiva redução do compliance tributário seria uma reforma estrutural, que mudasse completamente a tributação sobre o consumo, com a criação de um imposto único e tempo de transição adequado para as empresas se adaptarem. Outro benefício dessa redução é que o profissional tributário teria mais tempo para focar em assuntos estratégicos, agregando mais valor ao trabalho, hoje consumido em boa parte pela entrega massiva de informações ao Fisco, muitas vezes de forma redundante.

Propostas de reformas pontuais nos tributos existentes – como a simplificação do PIS e da Cofins – não atacam o cerne do problema, observa Maira. “Sempre que há uma nova legislação tributária, existe impacto nos sistemas das empresas. Fazer esses ajustes toma um tempo grande, e cada companhia tem o seu modelo, alguns sistemas são desenvolvidos internamente, outros comprados de terceiros… Então, fazer uma reforma sem buscar resolver o problema como um todo não é reforma, não é simplificação; no fim, é mais complexidade para as empresas”.

Edifício medonho – A complexidade tributária também seria o primeiro alvo da reforma, na visão de Mario Mafra, CFO da Editora do Brasil. “O edifício tributário brasileiro foi construído aos pouquinhos, com alguns puxadinhos, desde o Estado Novo, passando pelo governo bossa nova, governos militares, a social democracia, a esquerda sindicalista… Todo mundo contribuiu de forma extremamente competente para tornar esse sistema uma medonha construção, muito complexa.”

Além da complexidade, o CFO destacou outros três pontos que precisam ser tratados, ainda que dificilmente o seriam em uma reforma, devido ao seu componente político ideológico: a carga tributária – hoje equivalente a 1/3 do PIB; a regressividade tributária – no Brasil 51% da arrecadação é sobre o consumo e 18% sobre a renda, na contramão dos países da OCDE; e a partilha tributária – a arrecadação centralizada pela União gera ineficiências, pois os recursos têm que ir para Brasília para então serem distribuídos aos estados e municípios.

Tarefa colossal – E qual seria o principal impacto do atraso da reforma tributária no ambiente de negócios? “A tarefa de pagar e apurar impostos no Brasil é hercúlea”, resume Mario Mafra. “E, paradoxalmente, provar que você não tem que pagar imposto é uma odisseia”, complementou, referindo-se ao caso das editoras – que mesmo com imunidade tributária prevista na Constituição Federal (art. 150) têm que fazer um grande esforço para justificar isso ao Fisco. Os custos que essas dificuldades trazem para os negócios é impressionante, completou o executivo.

“Se você é um profissional ligado à parte contábil tributária de uma empresa, ou você gasta parte significativa do seu tempo tentando calcular corretamente o tributo – o que raramente se consegue fazer com precisão – ou comprovando que você não deve aquele imposto porque está imune, não tem incidência. O volume de obrigações acessórias, de informação, é muito alto”, observa o CFO. Mesmo com o avanço de toda a tecnologia embarcada pela Receita Federal nos últimos anos, ainda é muito complicado, nota o executivo. “Isso gera ineficiência e a conta vai para o preço final do produto”.

 

Tributação corporativa

Existe um movimento global feito por grandes potências econômicas, a exemplo do Reino Unido, Estados Unidos e vários outros países membros da OCDE, no sentido de reduzir o imposto de renda para as empresas, reestruturando seus sistemas tributários, de forma a atrair mais investimentos para suas economias. Isso tem gerado forte discussão em nosso País, no sentido da necessidade de se revisitar a carga tributária corporativa brasileira, contextualizou o sócio líder da área de Consultoria Tributária da PwC, Durval Portela.

No Congresso Nacional, houve a iniciativa por meio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, de criar um grupo de estudos para analisar formas de reduzir a elevada carga tributária que recai sobre as empresas, saindo do atual patamar correspondente a 34% do lucro (pré-imposto) – ainda maior no caso das instituições financeiras – para uma posição mais próxima à maioria dos países da OCDE. E uma das alternativas estudadas para fazer esse movimento, sem reduzir a arrecadação, é a tributação de dividendos.

Tributar dividendos é alternativa? – Como a tributação de dividendos é um tema que divide opiniões, Portela perguntou aos painelistas se viam nesta uma opção para reduzir a tributação dos lucros das pessoas jurídicas. “Isso não implicaria em mitigar o apetite dos investidores externos no País, em relação ao retorno de seus investimentos?”, provocou o moderador.

Executiva de uma multinacional americana, Maira Oltra trouxe o exemplo da reforma tributária aprovada nos Estados Unidos, em dezembro de 2017, e idealizada pelo governo de Donald Trump com objetivo de estimular a economia. “Na reforma americana, houve uma redução efetiva na carga do imposto de renda federal, mas as pessoas olham às vezes só a metade do copo cheio. Por exemplo, ela trouxe uma nova regra por meio da qual empresas que investem em outros países passaram a ser tributadas significativamente, o que não existia”, notou Maira. “Então, não houve simplesmente uma redução do IR aplicável às empresas para 21%. Outras rendas passaram a ser tributadas de uma maneira ampla. Essa readequação também foi feita”.

Com relação à tributação de dividendos, a executiva lembrou que isso não é novidade no cenário global: vários países já o fazem. “Empresas que pensam em investir no Brasil, em longo prazo, não deixarão de fazê-lo por se implementar a tributação de dividendos, considerando que teriam o ganho da redução efetiva do imposto de renda. Feito esse ajuste, não vejo óbice”.

Efeito “mala extra” – O CFO da Editora do Brasil, por sua vez, manifestou preocupação sobre se essa não seria uma forma de bitributação. “O lucro da pessoa jurídica já é tributado, e aí se criaria uma figura de tributação da circulação do lucro – você já pagou o imposto de renda e agora pagaria também pelo fato de o lucro ter trocado de mãos”, observou Mario Mafra.

“Há um outro ponto, prosaico, que devemos considerar na sociedade brasileira. Tenho receio do efeito da ‘mala extra’ no voo. Ou seja, cria-se um ônus adicional ao contribuinte, e não se reduzirá na mesma proporção o ônus preexistente. Então, no final do dia, a soma dessas duas propostas significaria mais carga tributária”, ponderou Mafra.

Transição é necessária – Para Bernard Appy, faz sentido reduzir a tributação do lucro corporativo e compensar isso com a tributação na distribuição de dividendos. “Se você fizer a mudança com um período de transição, e na transição já se definir que haverá um ajuste na alíquota para garantir a manutenção da carga tributária existente, é possível migrar para o novo modelo sem aumentar a arrecadação”.

Sobre o ponto de vista do investidor estrangeiro, o diretor do CCiF observou que a mudança seria um ônus adicional, em princípio. Mas tal situação é resolvida na maioria dos países via acordo de bitributação – o que seria um incentivo para o Brasil fazer mais acordos. Isso melhoraria a competitividade, ressaltou Bernard, mas não é suficiente para uma agenda. Ele lembrou que há também questões proeminentes como a necessidade de rever o atual modelo de tributação de controladas e coligadas no exterior, que poderá provocar a transferência das matrizes de multinacionais brasileiras para outros países, processo conhecido como “inversão tributária”.

 

Travas para a reforma tributária – e como desatá-las

É fato que a reforma tributária no Brasil é absolutamente imprescindível, ressaltou o executivo da PwC. Sua importância vem sendo mencionada por políticos e presidenciáveis há pelo menos duas décadas. Contudo, ela não se concretizou. E mais: a legislação tributária é uma série de blocos que vão se somando e a cada dia aumentam mais a complexidade. Nesse sentido, qual seria o principal entrave para que a reforma tributária de fato aconteça?

Qual reforma se quer? – Para Maira Oltra, os entraves a superar são vários: desde a dificuldade para a operacionalização, o receio de queda da arrecadação, a discussão do pacto federativo… Há também pelo menos uma dezena de PECs e vários projetos esparsos sobre o mesmo assunto tramitando no Congresso – e cujo lugar na fila de aprovação dependerá de vontade política -, o que contribui para aumentar a incerteza.

“Seria muito importante o foco da discussão em uma única reforma. E que todos estivessem comprometidos com ela, para evitar toda essa insegurança que o cenário atual traz para os entes federativos e para o próprio contribuinte”, assinala a executiva. Ela lembra que isso é possível ao trazer o exemplo da Índia, país que tinha um sistema tributário muito complexo, como o Brasil, mas conseguiu aprovar sua reforma em 2016, criando um imposto único de valor agregado sobre bens e serviços, o GST.

Vontade política – Mario Mafra, reforçando se tratar de sua opinião estritamente pessoal, ressaltou que um dos grandes entraves é o forte componente político da guerra pela manutenção do poder de conceder benefícios, isenções e renúncias fiscais – o que torna qualquer acordo muito difícil.

Outro ponto elencado por Mafra, ao invocar a atual situação de desequilíbrio fiscal experimentada nos três níveis de governo (União, Estados e Municípios), é que a arrecadação acaba sendo a forma mais rápida e menos criativa de se cobrir deficit público. “Não culpo os governantes, mas eles têm uma grande responsabilidade por não fazer essa reforma andar”.

Prioridade na agenda – Bernard Appy, por sua vez, destacou que há vários níveis de problemas para aprovação: o medo dos entes federativos de perderem receitas e sua autonomia para geri-las, e também a resistência dos contribuintes que fizeram investimentos contando com os benefícios fiscais existentes. Deve-se considerar, ainda, o fato de que uma reforma tributária ampla muda preços relativos – alguns setores sofrerão aumento de tributação, outros pagarão menos. Para equilibrar isso, a proposta do Centro de Cidadania Fiscal aposta num longo prazo de transição para a conclusão da implementação do IBS (10 anos para os contribuintes, prazo em que seriam extintos os benefícios fiscais atuais, e 50 anos para distribuição das receitas entre entes federativos).

Mas afinal, dá para fazer a reforma? Appy retoma o exemplo Índia, que não fez a reforma tributária ideal (inclusive, adotou um modelo pensado para o Brasil em 1995), mas pelo menos logrou aprová-la. O grande impulso veio do atual primeiro-ministro indiano, Narendra Modi – antes um político resistente à reforma – que colocou o tema como prioridade de sua agenda após assumir o governo.

“A grande pergunta é: no Brasil, desde a Constituinte de 1988, algum presidente de fato colocou como prioridade política aprovar a reforma tributária? A resposta é não. Teve projetos enviados ao Congresso? Sim. Teve capital político? Não”, sublinha Appy, que cuidou da proposta de reforma tributária em 2008, elaborada enquanto era secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

Além de capital político, o próximo presidente deverá ter capacidade de comando no Congresso para levar a reforma tributária adiante, sem desfigurar o projeto original, acrescentou o economista. “Ninguém está dizendo que essa é uma tarefa fácil, mas certamente ela é possível: uma parte se resolve pela técnica (proposta bem fundamentada) e uma parte pela política”.

O CCiF apresentou sua proposta de reforma tributária para as equipes dos principais candidatos à Presidência da República na corrida eleitoral deste ano.

Solução para gestão fiscal – Bruno Ogusuko, diretor de Soluções Fiscais da SAP Brasil, destacou o aumento no volume de autuações realizadas pela Receita Federal desde 2010, em função da era do Fisco Digital, na qual o Governo recebe informações eletronicamente e pode cruzá-las com ainda mais acuracidade. Nesse sentido, Ogusuko apresentou a solução ¨fim a fim¨ de gestão fiscal da SAP, tecnologia que possibilita às empresas terem uma plataforma digital única de comunicação com o Governo, automatizada, assegurando maior conformidade dos processos, assertividade e aumento de produtividade das equipes.

A Comissão de Tributos do IBEF-SP se reúne mensalmente, sempre às segundas sextas-feiras de cada mês. ¨Estamos à disposição de todos os associados que se interessem pelo tema e queiram fazer parte da Comissão, realizando atividades como participação ativa nas reuniões técnicas, organização de eventos e produção de artigos¨, convida a líder do grupo, Meily Franco, head of tax da ContourGlobal.

 

 

Para Associados

Para ter acesso ao demais conteúdos, você precisa ser Associado IBEF-SP

×
Pular para o conteúdo