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A Comissão Técnica de Mercado Financeiro e de Capitais do IBEF-SP se reuniu no dia 10 de março para debater a agenda de temas relevantes para os mercados, que inclui, open banking e pagamentos instantâneos, operações de fusões e aquisições, relacionamento com investidores de private equity e venture capital, revisão das regras e definição dos BDR- Brazilian Depositary Receipts, reforma do Código Comercial e o Voto Plural1, entre outros.
A reunião, conduzida pela líder da CT, Rosangela Santos, iniciou com a discussão pelos membros dos recentes acontecimentos desde a última reunião, há poucas semanas, resultante do surgimento do Covid-19 na China, criando um onda de preocupação com as questões de saúde pública e impactos na economia global, com drástica redução nos preços dos ativos, ações, petróleo, entre outros, retomando uma escalada no nível de volatilidade e nas incertezas nas perspectivas para as economias e mercados financeiro e de capitais.
Indo ao tópico central, a reunião contou com a apresentação das sócias da ACE Governance, Adriana Sanches e Edna Holanda, que foram convidadas para fazer uma apresentação do estudo sobre Voto Plural, como o assunto é tratado em outras partes do mundo e em qual fase de discussão o projeto se encontra no Brasil. O tema é polêmico e encontra-se em tramitação no Congresso Nacional, através do Projeto de Lei 10.736/182 que pretende autorizar a atribuição do voto diferenciado para classe de ações ordinárias das empresas, alterando a Lei 6.404.
As consultoras realizaram pesquisa sobre o tema a pedido da própria B3, que achou ser adequado entender o que estimula o movimento das empresas brasileiras a optarem pela listagem no exterior. “Fizemos 22 entrevistas com participantes do mercado para avaliar essas motivações e quais as visões contrárias ou favoráveis ao modelo de voto diferenciado”, explicou Adriana. O estudo teve inicio no começo de 2019, sendo que o projeto de lei para permitir o Voto Plural já estava em andamento. “Há um movimento ocorrendo em alguns países e bolsas de valores em função de empresas optarem pela listagem em países que permitem esse voto”, destacou a consultora.
Em um contexto global, foi explicado como esse tipo de voto foi permitido nas bolsas dos Estados Unidos e outros países. “De 1980 até 2017, 200 das mais de 3 mil empresas de TI listadas em bolsa nos EUA optaram por essa estrutura; e 498 de mais de 5 mil de outros setores também”, disse Adriana. “É fácil entender, quando pensamos nas startups, empresas com crescimento acelerado, que utilizam intensamente de inovação e tecnologia, pois são companhias que passam por uma série de captações e no final, no momento do IPO, o controlador deixará de manter o controle da companhia, estando muito diluído”.
Ela disse ainda que nos EUA, o mercado é mais flexível que em outros países. “Quem é favorável ao voto argumenta que o empreendedor precisa dessa estrutura para implementar seu plano de negócio no longo prazo, além de não existir evidência empírica de que a concentração de poder afeta negativamente a performance da companhia. Há estudos mostrando os dois lados. Nos Estados Unidos, há bastante flexibilidade, não há restrições e a ideia é que o investidor que está comprando aquela ação conheça as características do valor mobiliário que está comprando. Existe uma percepção que nos EUA o sistema judiciário funciona melhor, e acontecendo eventuais abusos ou caso os investidores se sintam lesados, é possível se organizar e processar a companhia”, destacou Adriana em sua apresentação.
Mais recentemente, a partir de 2017, os provedores de índice começaram a constatar movimento de empresas se listando sem direito de voto e iniciaram debate. A MSCI, por exemplo, considerou a possibilidade de tornar inelegível as empresas com Voto Plural, mas decidiu não alterar a metodologia dos índices e criar uma nova família com essas empresas. A S&P tornou inelegível ações com voto diferenciado para alguns tipos de índices.
Ásia – No mercado de Hong Kong a discussão ganhou força em 2011, mas a lei não permitia o Voto Plural e a bolsa também tinha restrições. Por conta disso, alguns anos mais tarde o Alibaba decidiu se listar nos EUA e não na Ásia, mirando esse modelo de voto diferenciado. “Assim, começou um amplo debate sobre competitividade do país. Participaram do processo de avaliação agentes do governo, bolsa de valores e diversos participantes do mercado. Finalmente a Lei mudou e posteriormente, a bolsa também passou a permitir listagem com voto diferenciado. Para adotar tal modelo, a empresa, deve provar que faz sentido para o seu modelo de negócios e seguir algumas regras de listagem da bolsa de valores. Criou-se uma série de normas para proteger investidores”, explicou Adriana.
O processo de avaliação sobre alteração na Lei e nas regras de listagem em Cingapura foi semelhante ao de Hong Kong e aconteceu praticamente ao mesmo tempo. No Japão, as empresas podem simular o modelo de voto múltiplo usando units e também há regras de listagem visando a aumentar a proteção dos investidores.
Brasil – Em seguida, Edna Holanda fez uma apresentação sobre o mercado brasileiro. A pesquisa questionou companhias do Brasil sobre sua motivação para se listar em bolsas fora do país, e todos os entrevistados apontam que a estrutura de voto diferenciado é uma vantagem adicional, mas a decisão é mais voltada à maturidade do mercado com amplitude da base de investidores. “A precificação do IPO também é um ponto destacado como vantagem pelo volume e mix de investidores, tanto em número quanto em volume de dinheiro e apetite a risco”, disse Edna.
Entre os entrevistados, alguns eram contra o Voto Plural, pois acreditam que não iria fazer diferença para atrair essas empresas e poderia produzir efeito negativo sobre a imagem do mercado. “Outros defendiam que não há demanda expressiva nesse setor. Já quem acredita que deveria ter essa estrutura de voto acha que é mais direto, transparente e fácil de explicar, e é um modelo que se mostrou empiricamente melhor, podendo destravar valor no setor de tecnologia e em setores tradicionais”, explicou a consultora.
Entre as dificuldades para implantar esse tipo de voto no Brasil está a arbitragem de limites que se apliquem a todos os casos, além a dificuldade de definir prazos únicos em indústrias com ciclos diferentes. A B3, por sua vez, se posicionou que, caso essa estrutura seja adotada no Brasil, não se aplicará ao segmento do Novo Mercado. Edna explicou também que há discussões sobre como a B3 deveria tratar as companhias que adotassem o Voto Plural, desde a listagem, seguindo a Lei das S.A, até a possibilidade de limitar a poucas companhias ou submetê-las a uma avaliação mais criteriosa antes de irem a mercado.
Entre os países analisados, não existe consenso, pois há lugares, onde apesar de haver previsão na legislação, as bolsas de valores restringem a prática, como é o caso da Austrália. Por outro lado, os países que permitem o Voto Plural requerem condições para tal adesão. Uma importante observação dos advogados entrevistados na pesquisa é que no Brasil, a existência de poder de voto diferenciado nos grupos empresariais já é possível, porém sem a devida transparência. Por um lado, com a alteração da regulamentação incluindo o Voto Plural, a governança poderia ser exercida com mais transparência, dentro de condições que impedissem abusos e que permitissem ao investidor ter seus direitos resguardados sem usurpação de valor. Por outro lado, alguns agentes de mercado acreditam que alterar a Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76) pode ser temerário e trazer implicações indesejadas.