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O cargo de CFO exige a responsabilidade cotidiana de tomada de decisão. Os riscos inerentes à função podem ocasionar consequências negativas, e o administrador financeiro ser responsabilizado em processos administrativos e judiciais que podem impactar o seu patrimônio pessoal. Para auxiliar os executivos de finanças a resguardarem seus bens desses riscos, o IBEF Mulher realizou o Seminário “CFO – Como proteger seu patrimônio”. O evento contou com a participação dos advogados Ivandro Maciel Sanchez Junior e Luciana Costa Engelberg, do escritório Machado Meyer. O painel foi mediado por Simone Borsato, membro do Conselho de Administração do IBEF-SP e head de Desenvolvimento de Negócios da Neoenergia.
Novas regulações, novos riscos – Luciana Costa Engelberg apresentou as principais responsabilizações que recaem sobre os administradores, nos âmbitos civil, administrativo, fiscal e trabalhista. Ela alertou também para os riscos advindos de mudanças na legislação e repercussões de decisões judiciais recentes.
No âmbito fiscal, por exemplo, de acordo com posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o mero não recolhimento de tributos pela companhia não caracteriza necessariamente ato praticado com excesso de poderes ou infração de lei pelo administrador que ensejaria a sua responsabilização pessoal, conforme previsto no artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional (CTN). “Porém, recentemente, a 3ª Seção do STJ decidiu ser crime o não recolhimento de ICMS em operações próprias, desde que comprovado o dolo. O entendimento é que o não recolhimento do referido imposto constituiria apropriação indébita e ficaria ensejada a responsabilidade do administrador”.
Além disso, mudanças recentes na legislação (alterações na Lei nº 10.522/2002 pela Lei nº 13.606/2018) possibilitaram que, nos casos em que o administrador é inscrito na Certidão de Dívida Ativa (e não pago o débito fiscal, acrescido de juros, multa e demais encargos), a Procuradoria da Fazenda tenha o poder de comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres, bem como averbar (inclusive por meio eletrônico) a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora. Assim, o patrimônio fica gravado antes mesmo do processo de execução. “É uma situação ruim, pois todos os bens podem ser penhorados, exceto o bem de família (local de residência), assim registrado”, acrescenta Sanchez Junior.
Outra mudança importante, mas que teve impacto positivo, foi a Reforma Trabalhista. A Lei 13.467/2017, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.
Os administradores podem ser responsabilizados pessoalmente por débitos trabalhistas da companhia se violaram a lei ou estatuto social ou atuaram com dolo ou negligência. Podem, ainda, ser responsabilizados quando a companhia não tem capacidade financeira para pagar seus débitos trabalhistas. “Além disso, os administradores podem responder por obrigações trabalhistas da companhia relacionadas a períodos até dois anos após sua renúncia ou destituição”, informa Luciana.
Proteção patrimonial – Segundo Sanchez Junior, há três bases fundamentais para a tomada de decisão que possibilitam maior proteção ao CFO. A primeira medida é que antes das deliberações importantes sejam utilizados pareceres de uma assessoria externa. Além disso, as decisões precisam ser submetidas ao conselho de administração da companhia, nem que seja preciso pedir ao presidente a convocação de reunião extraordinária. O terceiro ponto é a necessidade de a empresa estar sustentada em regras de governança claras e objetivas. “Isso reduz muito a responsabilidade pessoal como administrador, mas não resolve completamente”.
De acordo com o sócio do escritório Machado Meyer, basicamente, para que um administrador não seja responsabilizado, a decisão empresarial precisa ser lícita, ainda que os efeitos tenham sido inadequados ou malsucedidos. Por isso, é importante que os administradores estejam atentos ao nível de informação que recebem de seus assessores. Além disso, é aconselhável que a matéria a ser decidida também tenha o aval do conselho de administração da companhia. “A recomendação é que o voto do administrador que contrarie a decisão, com as devidas justificativas, esteja registrado em ata ou em alguma comunicação ao conselho de administração da companhia ou aos acionistas. Abster-se apenas não costuma ser algo bem visto por órgãos reguladores, como a CVM, pois pode ser interpretado como omissão”.
Adicionalmente, para melhor proteção, Sanchez Junior recomenda que mesmo companhias fechadas busquem adotar as regras de governança aplicáveis a companhias abertas. Porém, existem ainda dois remédios caso o ato regular de gestão e as camadas de governança não sejam suficientes para evitar responsabilizações do administrador.
O primeiro deles é o Seguro D&O, regulado pela Circular Susep 553/2017, cujo objetivo é indenizar os prejuízos (valor da condenação, acordos, honorários advocatícios) resultantes de determinadas reclamações (processos judiciais, administrativos, arbitrais etc.) de terceiros contra os administradores segurados, quando esses forem responsabilizados. “É importante que ele seja assinado antes do fato gerador”, diz o advogado.
Ele destaca a importância de prestar atenção nas cláusulas, especialmente os casos de exclusão. “É essencial discutir com a seguradora e prever todas as situações que podem hipoteticamente ocorrer. Porém, quanto mais ampla a apólice, mais caro fica o seguro”, observa o advogado, ao acrescentar que mesmo um bom Seguro D&O não garante proteção absoluta, mas ajuda muito.
O segundo instrumento de proteção é o contrato de indenidade celebrado entre a companhia e o administrador. Ele é o vínculo obrigacional que visa assegurar ao diretor da empresa ou membro integrante do Conselho Fiscal a garantia de que será ressarcido por qualquer prejuízo financeiro pessoal, caso venha a ser processado por conta do exercício de suas funções (desde que não tenha atuado com violação à lei ou estatuto social, fraude ou dolo). “Devido aos sucessivos casos de corrupção, as seguradoras ou descontinuaram ou elevaram os prêmios e diminuíram as coberturas do seguro D&O no Brasil”, informa o sócio do escritório Machado Meyer, podendo o contrato de indenidade ser usado em caráter complementar ao seguro D&O.
Os administradores podem ainda receber dos próprios acionistas da companhia uma hold harmless/comfort letter, com o mesmo propósito do contrato de indenidade. Seria o terceiro instrumento de proteção, que, inclusive, é “muito utilizado pelas multinacionais”, observa Sanchez.
“A recomendação é que o contrato (indenidade, hold harmless ou comfort letter) não tenha prazo ou que supere o prazo prescricional fiscal dos fatos gerados, ou seja, pelo menos cinco após a data de saída da empresa”, observa o advogado, ao alertar que esses termos devem ser negociados também no pacote de saída, pois uma vez fora da organização o executivo terá maior dificuldade para acessar os recursos necessários para sua eventual defesa.
Recomendações adicionais – Na opinião de Sanchez Junior, a adoção de princípios de Governança, do Seguro D&O, do contrato de indenidade, hold harmless ou comfort letter já possibilita que o CFO possa dormir tranquilo.
Questionado se os familiares dos administradores podem vir a ter seus bens bloqueados, o advogado esclarece que é uma possibilidade remota. O regime da comunhão parcial (regime que vigora pela lei se não houver convenção em contrário) não permite que essa responsabilidade seja estendida ao cônjuge.
Sanchez Junior faz um alerta final ao dizer que apesar de os membros do conselho de administração de companhias decidirem questões importantes, eles são menos responsabilizados que os CFOs, já que aqueles não respondem perante terceiros, pois não assinam documentos. “É o órgão máximo, mas é invisível burocraticamente. Então, reforço a importância de os CFOs registrarem os seus votos contrários nas atas (em caso de deliberação colegiada da diretoria) ou documentos para se resguardarem”.
reportagem: Renata Passos