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ECONOMIA
Por Octavio de Barros, diretor e economista-chefe do Bradesco.
Agora que o país conta com uma nova equipe econômica, em larga medida coesa e com o foco em reformas relevantes, cabe-nos refletir quanto à efetiva capacidade de aprovação de medidas que são imprescindíveis para o país.
Em princípio, os analistas políticos têm nos sugerido que, tão logo haja definição final a respeito do processo de impeachment, previsto para o mês de agosto, teremos mais elementos para avaliar o potencial de avanço no Congresso das medidas que promoverão a retomada do crescimento de médio e longo prazos. Diga-se de passagem, as medidas que estão sendo propostas atualmente pela equipe econômica comandada pelo experiente Ministro Henrique Meirelles são rigorosamente aquelas que nós defendíamos que fossem implementadas durante o governo precedente. Porém as condições de apoio no Congresso naquela ocasião não estavam asseguradas como parecem estar atualmente. A se conferir.
Os nossos consultores políticos consideram remota a possibilidade de que haja surpresas na votação final no Senado do processo de impeachment. Caso se confirme essa análise, eles acreditam que haverá mais espaço para um “não mais interino” governo Temer seguir aprofundando as iniciativas que poderão permitir uma maior previsibilidade para a economia brasileira no médio e longo prazos.
É como se houvesse uma circunstancial autonomia da agenda econômica em relação à política
Chama-nos a atenção o fato de que, a despeito do imbróglio político ainda em curso e dos notáveis desdobramentos da chamada operação Lava a Jato, a pauta legislativa referente aos temas econômicos tem avançado de forma surpreendentemente positiva com um amplo apoio no Congresso nacional. Parece contraditório, mas passa-se a impressão de que as pautas de natureza econômica propostas pela nova equipe são menos sujeitas a divergências do poderíamos supor em um ambiente turbulento politicamente como o atual.
A nova equipe econômica tem conseguido transmitir um sentido de urgência combinado com o reconhecimento de que determinadas negociações políticas (exemplo, dívida dos Estados) merecem um tratamento definitivo que garanta soluções tangíveis e assegure que os problemas atuais não vão se repetir mais adiante. Percebe-se que a alta credibilidade do novo time econômico com “propostas para o país”, e não necessariamente de interesse deste ou daquele partido político, mitigam a fragilidade que o novo governo interino ainda transmite em função da excepcionalidade do momento político e judicial atual.
É como se houvesse uma circunstancial autonomia da agenda econômica em relação à política, a despeito das medidas propostas por Henrique Meirelles tocarem em questões complexas e delicadas, como previdência e desvinculações de gastos obrigatórios. A aprovação da DRU-Desvinculação de Receitas da União, por confortável maioria, reflete essa autonomia temporária do econômico em relação ao político.
Até quando irá essa delicada harmonia não sabemos, mas há o reconhecimento dos principais atores econômicos e políticos brasileiros da necessidade de se ingressar em um ritmo de ajuste macroeconômico que tenha um caráter intertemporal que seja amparado por emendas constitucionais que precisam ser aprovadas. A partir daí, todos os governos futuros se balizarão por um novo marco disciplinar orçamentário e fiscal que poderá trazer de volta a tão sonhada previsibilidade macroeconômica.
Esse cenário é favorecido pela inequívoca recuperação cíclica da economia brasileira já visível
Na perspectiva dos agentes econômicos e do mercado financeiro, em que pesem o desconforto de um governo ainda muito sensível a investigações policiais de alguns de seus membros e a incerteza em relação à votação final do processo de impeachment, prevalece a ideia de que o importante é a capacidade de se aprovar, ainda este ano, as medidas relevantes para estabilizar estruturalmente a questão fiscal, além de garantir o avanço de temas de governança de estatais e algumas reformas microeconômicas. Ou seja, o mercado financeiro aposta que os temas relevantes vão avançar, devido à qualidade da nova equipe econômica percebida como “não partidária”, apontando para soluções racionais e pragmáticas para os principais desafios brasileiros.
Esse cenário é favorecido pela inequívoca recuperação cíclica da economia brasileira já visível, pela trajetória declinante da inflação (apontando para algo não muito distante do centro da meta em 2017), pela forte queda anunciada da taxa de juros (possivelmente próxima de um dígito ao final do ano que vem), pela melhora do risco-país e pela menor pressão cambial diante de um balanço de pagamentos já ajustado (trabalhamos com saldo comercial em 2016 da ordem de US$50 bilhões). Não vemos risco relevante de depreciação do Real nos próximos meses (muito pelo contrário), salvo por alguma hecatombe política.
Não bastasse isso, o Brasil é beneficiado por uma janela de oportunidade global dada pela excessiva liquidez internacional e taxas internacionais de juros próximas de zero ou negativas, reduzindo o risco de pressões cambiais relevantes. Mesmo com a normalização monetária nos Estados Unidos, conduzida com a devida delicadeza, não há indícios de movimentos abruptos nos fluxos de capital para países emergentes como o Brasil.Paralelamente, nos últimos meses, o preço das commodities agrícolas tem sido favorecido por um choque de oferta decorrente de razões climáticas, contribuindo para maior renda agrícola em regiões importantes do país e maiores exportações em valor.
O enigma da relativa autonomia do econômico sobre o político no Brasil nesse momento talvez possa ser decifrado pelo conjunto de fatores mencionados acima. Porém não podemos deixar de ter no nosso radar o fato de que uma maior pacificação política só deverá ter lugar quando das eleições presidenciais em 2018, na medida em que as forças políticas, com o apoio do voto popular, possam virar a página de um período de instabilidade institucional. Por mais que reconheçamos que as instituições no Brasil estejam funcionando, não há como desprezar o imperativo da pacificação democrática a ser conferida pelas eleições em 2018. Algum calor político ainda teremos até lá.
O cenário tende a melhorar de forma gradual e substantiva, mas não será um passeio no parque
No plano estritamente econômico, entendemos que teremos avanços nos temas econômicos relevantes e que a economia brasileira poderá exibir um crescimento econômico em 2017 da ordem de 1,5% e uma queda de PIB um pouco menos pronunciada no ano corrente (da ordem de -3%) em relação ao que imaginávamos antes.
Já dispomos de elementos suficientes que asseguram que a recuperação cíclica está vigente. Observamos pedidos em carteira estabilizados, estoques em queda e confiança aumentando em vários segmentos, tudo isso, a despeito do desemprego ainda elevado e da situação financeira delicada em vários setores empresariais. A altamente provável queda da taxa de juros nos próximos meses (a partir de agosto provavelmente) e a valorização cambial poderá favorecer melhores condições negociais e de restruturação do passivo do setor privado não financeiro. O desemprego também tende a se a estabilizar a partir do ano que vem.
Em resumo, o cenário tende a melhorar de forma gradual e substantiva, mas não será um passeio no parque. Temos uma visão construtiva das oportunidades que já começaram a ressurgir no país caso seja possível confirmar a sustentabilidade dos novos padrões de gestão macroeconômica e particularmente um novo marco disciplinar no plano fiscal.