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Por Luís Alexandre Barbosa e Lucas Bertim Arcuri
Como amplamente divulgado pela imprensa, em 2017 o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS[1]. Em brevíssimo resumo, por ser o ICMS imposto estadual que não é incorporado ao patrimônio do contribuinte, em razão do estrito conceito constitucional de “receita bruta”, o Supremo decidiu pela sua exclusão nessa base de cálculo. Em decorrência deste relevante precedente, o STF afetou temas análogos para julgamento em sede de repercussão geral[2], a saber:
- a exclusão do ISS na base do PIS/COFINS (Tema RG nº 118);
- a exclusão do ICMS na base da CPRB[3] (Tema RG nº 1.048), e
- a exclusão do PIS/COFINS sobre suas próprias bases de cálculo (Tema RG nº 1.067).
Não obstante o próprio STF ter submetido estes temas para apreciação em sede de repercussão geral exatamente pela sua similaridade jurídica, qual seja, abrangência constitucional do conceito de “receita bruta” e “faturamento”, o TRF da 3ª Região[4] vinha reiteradamente julgando em sentido contrário à exclusão do PIS/COFINS sobre as suas próprias bases de cálculo.
Em diversas oportunidades, o TRF havia se manifestado no sentido de que a incidência do PIS e da COFINS sobre as próprias bases de cálculo seria legítima, não sendo plausível a aplicação análoga do entendimento firmado pelo STF quando do julgamento do RE nº 574.706, que reconheceu que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS/COFINS[5].
Em uma importante reviravolta jurisprudencial, em recente acórdão proferido por unanimidade pela 4ª Turma do TRF da 3ª Região, constata-se o primeiro precedente, de que se tem notícia, em que este Tribunal decidiu favoravelmente aos contribuintes sobre a tese (Autos nº 5022842-67.2018.4.03.6100).
Dentre os argumentos brilhantemente apontados pelo relator, Desembargador André Nabarrete, destaca-se exatamente o desvirtuamento do conceito de “faturamento” e “receita bruta”, bases de cálculo do PIS e da COFINS e, consequentemente, o indevido alargamento de base tributável sem qualquer amparo na Constituição Federal[6].
Em seu voto, destaca-se ainda a violação ao princípio da capacidade contributiva, pois ao se tributar o PIS/COFINS acrescido sobre o valor da receita bruta, está se alargando a base tributável prevista pelo Texto Constitucional. Neste contexto, tal como ocorre com o ICMS e o ISS, o PIS e a COFINS também são repassados ao Erário, não sendo incorporados ao patrimônio do contribuinte de forma definitiva.
O Acórdão ainda tratou expressamente da Lei nº 12.973/14, que trouxe relevantes alterações ao conceito de “receita bruta”. Dentre as disposições alteradas, destaca-se o artigo 12, § 5º do Decreto-lei nº 1.598/77, que, ao arrepio de seu conceito constitucional, passou a prever expressamente a inclusão do PIS/COFINS sobre as próprias bases[7].
Sobre este diploma normativo, destaca o Relator que sua interpretação deve ser sistemática ao caput e demais parágrafos. Assim, a despeito do conceito de “receita líquida”, autorizar expressamente o desconto dos tributos sobre ela incidentes (artigo 12, § 1º, do Decreto-Lei nº 1.598/77), sua omissão não significa automaticamente que esses devam ser incluídos ao conceito de “receita bruta” (artigo 12, caput, do Decreto-Lei nº 1.598/77).
Em suas conclusões, o Relator afirma novamente que o §5º do art. 12 do Decreto-lei nº 1.598/77 deve ser afastado pelos mesmos argumentos já firmados pelo STF quando do julgamento da exclusão do ICMS na base do PIS/COFINS.
Mesmo diante deste relevante precedente, alguns fiscalistas ainda pretendem justificar a inclusão do PIS/COFINS sobre suas próprias bases, fundando-se basicamente nos antigos julgamentos do STF (RE nº 212.209 e RE nº 582.461), que entendeu constitucional a inclusão do valor do ICMS sobre sua própria base de cálculo.
No entanto, a diferença é que, relativamente ao ICMS, verifica-se expressa determinação no Texto Constitucional, além de lei complementar[8] que prevê a inclusão do ICMS sobre sua respectiva base de cálculo; previsão esta que inexiste relativamente às contribuições sobre o “faturamento” e a “receita bruta”, dentre as quais se destacam o PIS/COFINS e a CPRB.
Aliás, em tema idêntico ao presente, historicamente o STF já se deparou com esta questão jurídica quando do julgamento da base de cálculo do PIS/COFINS-Importação, instituído pela Lei nº 10.865/04.
Originalmente aquela lei ordinária previa, dentre outras inclusões, que sobre a base de cálculo dessas contribuições (valor aduaneiro), deveriam ser incluídos os valores dos próprios PIS-importação e COFINS-importação. Quando do julgamento pelo STF, também em sede de repercussão geral (RE nº 559.937/RS), o Plenário firmou seu posicionamento pela inconstitucionalidade da inclusão do PIS/COFINS-importação sobre as próprias bases de cálculo, exatamente por violar a base de cálculo expressa no Texto Constitucional.
Ademais, especificamente sobre a tese da exclusão do PIS/COFINS sobre suas respectivas bases, verificam-se relevantes indícios na própria Suprema Corte de que a discussão tenha desfecho favorável aos contribuintes. Neste sentido, destaca-se o relatório do Min. Dias Toffoli quando submeteu o tema a apreciação do Plenário para fins de reconhecimento da repercussão geral do RE nº 1.233.096/RS. Naquela oportunidade, o STF por unanimidade reconheceu a semelhança quanto à natureza jurídico-constitucional entre a exclusão do ICMS sobre a base do PIS/COFINS e a exclusão do PIS/COFINS sobre as próprias bases.
Na prática, a inclusão do PIS e da COFINS em suas próprias bases de cálculo representa, por si[9], um aumento nominal de 0,86% na tributação sobre o faturamento ou receita bruta do contribuinte. Vejamos:
PIS/COFINS – Receita Bruta | PIS/COFINS sobre base ampliada | ||||
Receita Bruta (base de incidência constitucional) | Alíquota nominal PIS/COFINS | Valor PIS/COFINS | Base de incidência ampliada (Faturamento + PIS /COFINS) | Valor PIS/COFINS
(base ampliada x 9,25%) |
Alíquota efetiva PIS/COFINS |
R$ 100,00 | 9,25% | R$ 9,25 | R$ 109,25 | R$ 10,11 | 10,11% |
Portanto, além de todos os argumentos jurídicos já amplamente discutidos quanto ao conceito constitucional de “receita bruta” para fins de apuração do PIS/COFINS, verifica-se que a inclusão do PIS/COFINS sobre suas próprias bases dissimula a alíquota efetiva destas contribuições. Afinal, se a real pretensão legislativa seria determinar a alíquota do PIS e da COFINS à razão de 10,11%, que fosse editada lei ordinária que expressamente previsse este percentual sobre o “faturamento” e a “receita bruta”.
Por essa razão, entendemos que esse camuflado aumento da alíquota efetiva do PISCOFINS, por meio deste alargamento de base, viola o texto do artigo 149 da CF/88, bem como princípios constitucionais relevantes, tais como da justiça, transparência tributária, capacidade contributiva, lealdade, razoabilidade, proporcionalidade e da moralidade pública.
Enfim, este novel entendimento jurisprudencial deve representar uma guinada no até então contrário posicionamento do TRF da 3ª Região sobre o tema, que finalmente deve reconhecer a semelhança entre a indevida inclusão do PIS e da COFINS nas próprias bases e a inclusão do ICMS na apuração das mesmas contribuições.
Portanto, não apenas pelo Direito à repetição de todo o valor indevidamente recolhido nos últimos 5 anos, e da potencial redução do PIS/COFINS daqui em diante, espera-se que esse relevante precedente do TRF 3ª Região estimule outros contribuintes a buscar a Justiça Tributária e, via de consequência, manterem-se competitivos em um mercado cada vez mais impactado por questionáveis políticas fiscais, impostas aos contribuintes sem a devida observância do sistema constitucional vigente.
Luís Alexandre Barbosa é advogado em São Paulo, membro do comitê tributário do IBEF-SP e Sócio fundador do LBMF | Barbosa e Feraz Ivamoto Sociedade de Advogados; Lucas Bertim Arcuri é advogado em São Paulo e Sócio do LBMF | Barbosa e Feraz Ivamoto Sociedade de Advogado.
[1] RE nº 574.706 – Tema RG nº 69.
[2] Repercussão Gral (“RG”) é instrumento processual que possibilita ao STF o julgamento de temas trazidos em Recursos Extraordinários que apresentem questões relevantes sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico e que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Trata-se de instrumento processual trazido pela EC nº 45/2004, atualmente regulamentado pelos arts. 322 a 329 do Regimento Interno do STF e pelos arts. 1.035 a 1.041 do CPC (Lei nº. 13.105/2015).
[3] CPRB – Contribuição Patronal sobre Receita Bruta, INSS patronal alternativo à folha de salários, instituído pela Lei nº 12.546/2011. Trata-se de contribuição incidente sobre a “receita bruta”, mesma base de cálculo do PIS/COFINS.
[4] Tribunal competente pelos Estado de São Paulo e Mato Grosso do Sul.
[5] Por exemplo: 3ª Turma – Autos nº 5025929-31.2018.4.03.6100, 4ª Turma Autos nº5024329-09.2017.4.03.6100; e 6ª Turma – Autos nº 5006964-42.2018.4.03.6120.
[6] O fundamento constitucional das contribuições ao PIS e à COFINS reside nos artigos 195 e 239, ambos da CF/88.
[7] Previsto no art. 12, § 5º do Decreto-lei nº 1.598/77 (com redação dada pela Lei nº 12.973/2015), assim determina: “§ 5º Na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes e os valores decorrentes do ajuste a valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, das operações previstas no caput, observado o disposto no § 4º”
[8] Lei Complementar nº 87/1996, art. 13.
[9] Desconsideradas as indevidas inclusões do ISS e do ICMS nas bases dessas contribuições, cujos reflexos variam a depender da alíquota aplicável para cada tipo de operação.