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TENDÊNCIAS
Por Luiz Roberto Calado, economista e vice-presidente do IBEF-SP.
Em primeiro lugar, a definição de autorregulação é conhecida como um subtipo de regulação constituída pela identidade dos reguladores e regulados. Ou seja, o próprio regulado estabelece suas regras.
Recentemente, muito se tem falado sobre autorregulação dos mercados, sobretudo dos mercados financeiros. Seu conceito é amplo, tornando propensas algumas análises equivocadas a respeito, dentre as quais duas se destacam:
- “Autorregulação é a novidade que vai resolver todos os problemas”
- “Autorregulação vai aumentar ainda mais os já elevados custos de supervisão”
Autorregulação não é novidade para as fundações, uma vez que estas possuem código de conduta para seus funcionários e os submete ao exame de certificação, o que na prática já é um exemplo da regulação de mercado. Adicionalmente, autorregulação se manifesta na maior parte dos produtos de investimentos, visto que já são autorregulados pela Anbima, BM&F Bovespa e Cetip.
Assim, como vimos, o assunto não é novidade para o sistema. Inclusive, em 2008, o prêmio da Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar) agraciou a tese que mostrava o quanto a autorregulação dos serviços de custódia beneficiava os Fundos de Pensão *.
O movimento beneficia o mercado como um todo, ao permitir uma regulação a custos menores. Adicionalmente, em teoria, as entidades de mercado, por estarem diariamente envolvidas com as atividades, teriam posição privilegiada para identificar “gaps” de regulação**.
Por sua vez, a importância de reguladores voltados ao setor financeiro retrata o risco de contágio inerente a esse segmento. A autorregulação visa a minimização do contágio, o risco de que um problema numa instituição se alastre às outras, devido a quebra de confiança.
O movimento beneficia o mercado como um todo, ao permitir uma regulação a custos menores
Entendido que a autorregulação já faz parte do cotidiano do setor, podemos explorar na prática como ela se manifesta. As normas de autorregulação são mais restritivas ou adentram em mais detalhes que o regulador do Governo.
Um exemplo prático, no caso da Indústria de Fundos de Investimentos, foi o aprimoramento das informações contidas no prospecto dos fundos, que era justamente o material acessado pelo investidor. Aqueles prospectos que incorporavam as informações determinadas pelo Código de Autorregulação passaram a receber o selo Anbima.
Com isso, os participantes do mercado como um todo se beneficiaram, ao equalizar o tipo de informação disponível, diminuindo incertezas, contribuindo para aumentar a confiança de todos os agentes e, principalmente, dificultando a rotina daqueles que se beneficiavam com a falta de informação. Estes últimos simbolizavam fonte de risco sistêmico contra a transparência de mercado.
Assim, fez-se necessário o atendimento de regras mais restritas, para diminuir o risco de ocorrer uma situação de contágio, e que conforme dito, ocorre quando o problema de uma instituição se alastra a outras, ocasionando quebra de confiança generalizada.
Adicionalmente, um dos consensos estabelecidos no pensamento econômico é o funcionamento especial do sistema financeiro quando comparado aos outros setores. A existência de mudanças extraordinariamente rápidas em razão das inovações financeiras torna necessária alterações rápidas nas regras, em decorrência de seu caráter extremamente dinâmico.
Quando se trata de alterações ágeis nas regulamentações, o esforço via governo pode não ser a melhor alternativa, visto que pode gerar regulações excessivamente custosas ou ainda levar um tempo maior para entrar em vigor.
Quando se refere ao mercado financeiro e de capitais, o assunto ganha destaque à medida que crises nessas relações são capazes de causar danos irreversíveis
Muitos associam regulação a custo, mas sabemos que o custo maior vem da perda de confiança pelo mercado quando uma grave falha ocorre. Evidentemente, os custos de regulamentação não devem exceder os seus benefícios gerados. Por contarem com participantes do mercado na elaboração de suas regras, a autorregulação é muito mais atenta aos custos de execução do que o regulador do governo.
Quando se refere ao mercado financeiro e de capitais, notadamente um setor regido por relações de confiança entre os agentes, o assunto ganha destaque à medida que crises nessas relações são capazes de causar danos irreversíveis ao mercado.
Como integrante deste sistema, as fundações também estão sujeitas a este risco, e é por este motivo que há dois anos o Sindapp, Abrapp e ICSS discutem a autorregulação voluntária, que é a autorregulação voltada para as entidades que deliberadamente decidirem se submeter às regras, não sendo imposta ao sistema como um todo.
A escolha da autorregulação voluntária não se dá por acaso, já que sabemos que esta regulação é ainda mais cautelosa com relação à análise custo benefício, uma vez que para seu sucesso é necessário que as fundações livremente decidam aceitar estas regras. Assim, a preocupação com gastos é uma realidade constante. Igualmente, as regras elaboradas pretendem sanar problemas do sistema, beneficiando principalmente seus participantes e atuando na diminuição do risco sistêmico.
A busca por um ambiente regulatório mais seguro conduziu as instituições à autorregulação, evidentemente gerando um benefício para o mercado. Mas isso não significa que seja a “cura para todos os problemas”. Afinal, em 2008, o mercado norte-americano quebrou, e eles se intitulavam autorregulados – o episódio mostrou que a autorregulação não é uma solução mágica, e que também encontra suas restrições.
Assim, o principal benefício da autorregulação em diversos mercados foi o de tornar mais fluido o intercâmbio de informações do regulador com o mercado, favorecendo melhorias regulatórias apropriadas e com prazo para adequação realizável.
* Prêmio conferido a Luiz Roberto Calado, cujo trabalho foi publicado no livro do 29º Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão. Rio de Janeiro : Nucleo ABRAPP, 2008, v.1. p.263.
** Uma análise mais aprofundada dos benefícios da regulação pode ser encontrada em Regulação e autorregulação do Mercado de Capitais – de Luiz Roberto Calado, Ed Saint Paul