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No que diz respeito ao mundo das leis do trabalho, não é exagero afirmar que o Brasil vive um mundo à parte, comparado à realidade de outros países. Em 2016, registrou-se 2,6 milhões de ações trabalhistas na justiça brasileira. Contudo, iniciativas como o projeto de lei da reforma trabalhista (PL nº 6787/16), atualmente em discussão no Senado, e a Lei da Terceirização (Lei nº 13.429), sancionada em 31 de março deste ano, podem ajudar a reverter esse cenário.
As mudanças advindas destas iniciativas e seus impactos para as companhias estiveram em foco no seminário realizado pelo IBEF Mulher, na última segunda-feira (29), patrocinado pela Randstad, empresa líder em soluções de recursos humanos. O time de palestrantes foi composto por: Claudia Abdul Ahad Securato, sócia do escritório Securato e Abdul Ahad Advogados; Jorge Vazquez, diretor geral da Randstad Brasil; e Marcel Cordeiro, sócio da PwC, responsável pelas práticas nas áreas trabalhista e previdenciária. O painel de debates foi moderado pela executiva Angela Seixas, vice-presidente técnica do IBEF SP.
“Quando idealizamos este evento, que trata de um tema vital e com reflexos importantes para nossas empresas e milhões de trabalhadores em todo o país, uma meta foi trazer a diversidade para o painel. Ficamos muito feliz por ver a diversidade também refletida na plateia”, destacou Simone Borsato, líder do IBEF Mulher e CFO da Elektro, sobre a grande participação de mulheres e homens no evento.
Aprendizados das experiências internacionais
Executivo com mais de 15 anos de experiência em projetos globais de recrutamento, Jorge Vazquez ressaltou que a atualização das leis que regem o trabalho, hoje em pauta no Brasil, é uma discussão que já foi enfrentada pelos Estados Unidos, há 10 anos, e por países europeus, como Portugal, Itália e Espanha, há seis.
No caso europeu, a reforma das leis trabalhistas foi um grande colaborador para que países afundados em um cenário de recessão e desemprego, desde o estopim da crise econômica internacional, em 2008, pudessem emergir dessa situação, estimulando suas economias a retomar a geração de empregos.
Nos Estados Unidos, cuja reforma trabalhista avança há uma década, mais da metade dos empregos criados são de formas não convencionais de trabalho, ou seja, que não correspondem a uma visão tradicional de emprego em tempo integral com carteira assinada. A Google (Alphabet) já tem aproximadamente o mesmo número de trabalhadores internos e externos (subcontratados, projeto, freelancers, temporários etc.), segundo o Wall Street Journal. “O fato é que o futuro do trabalho já chegou em todo o mundo, e esta é uma realidade também presente no Brasil”, ressaltou Vazquez.
Muito além da questão legal – O diretor geral da Randstad Brasil também chamou atenção para outro movimento observado nos países que já fizeram reformas trabalhistas. “O debate sobre a reforma trabalhista não se restringe à atualização das leis. Com ele, vem atrelado também outras discussões sociais”. Na Holanda e na Alemanha, por exemplo, o que veio a seguir, após a reforma trabalhista, foi a discussão sobre como garantir o acesso à habitação a esse novo perfil de trabalhador.
Na Holanda, na faixa etária de 25 a 35 anos, o número de profissionais freelancers cresceu 22%. Condição que pode dificultar seu acesso a instituições, que para uma pessoa com um contrato de trabalho por tempo indeterminado seria facilitado.
“Então, essa discussão também passa pelas instituições, como se garante o acesso a direitos e oportunidades para todas as formas de trabalho, de maneira justa, e como as empresas fazem hoje a gestão de suas relações de trabalho. Sem considerar isso, nenhuma reforma trabalhista será sustentável, seja nos próximos 5, 10 ou 20 anos”, ressaltou Jorge Vazquez. Para o diretor da Randstad, o Brasil tem uma oportunidade única pela frente, e pode extrair os aprendizados das nações que já avançaram com suas reformas.
Reforma trabalhista no Brasil: o que vem por aí
O Projeto de Lei n° 6787/2016 foi aprovado no final de abril pela Câmara dos Deputados e hoje aguarda votação de parecer na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Se aprovado como está hoje, o projeto de lei da reforma trabalhista irá alterar mais de 100 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, ressaltou Claudia Abdul Ahad Securato, sócia do escritório Securato e Abdul Ahad Advogados.
A advogada ressaltou que a reforma trabalhista é pauta importante e urgente para o País, e precisa acontecer, independente dos desdobramentos da atual crise política. A CLT, norma que hoje regulamenta as relações de trabalho, completou 74 anos de existência neste ano. Antiga, a norma não considera as transformações pelas quais o mercado de trabalho passou em mais de meio século. Em função dessa desatualização, o País tem operado com decisões de tribunais superiores, que não são unânimes e não dão conforto às empresas, refreando a vontade de empregar.
Claudia explicou as principais mudanças que o projeto de lei da reforma trabalhista propõe, que no fundo vêm para regulamentar práticas já existentes no mercado. Veja algumas:
Prevalência do negociado sobre o legislado – Os acordos e convenções coletivas de trabalho, negociados entre o sindicato patronal (ou empresa) e o sindicato dos trabalhadores, terão força de lei e não poderão ser invalidados no Judiciário.
Contribuição sindical – As contribuições aos sindicatos deixarão de ser obrigatórias. “Existem duas leituras para esse fato: a primeira é que os sindicatos poderão perder força, e a segunda, mais otimista, é que essas associações terão que trabalhar mais para representar suas categorias e fazer valer o pagamento do imposto”, observou a advogada. Contudo, os palestrantes manifestaram, durante o debate, ser possível que este ponto não chegue à versão final do projeto, devido a pressões políticas.
Férias – Poderão ser dividas em até três períodos (um de 15 dias e dois de 5 dias), desde que isso seja acordado com o trabalhador.
Teletrabalho – O trabalho remoto é uma das novas formas de trabalho que passarão a ser regulamentadas. A empresa que tiver empregados nesta condição deverá firmar contratos individuais com estes profissionais. O pagamento de hora extra para o funcionário que fizer home office não será obrigatório.
Trabalho intermitente – Empresas poderão contratar o trabalhador por hora ou dias determinados, conforme a necessidade. “É algo importante para o varejo, pois as lojas costumam ter períodos de maior e menor movimento de clientes. O empregado poderá ser contratado por apenas algumas horas por dia ou só aos fins de semana, por exemplo, e a ele serão devidos todos os direitos trabalhistas. Isso incentiva o primeiro emprego e abre alternativas para o trabalhador com mais de um emprego”.
Demissão em comum acordo – O contrato de trabalho poderá ser extinto por meio de consenso entre a empresa e o funcionário. Neste caso, caberá ao empregador o pagamento de metade do aviso prévio e metade da multa de 40% sobre o saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O empregado, por sua vez, poderá movimentar até 80% do valor depositado pela companhia na conta do FGTS, mas não terá direito ao seguro-desemprego.
Processos de trabalho – A reforma também altera regras sobre a justiça gratuita, honorários e processos trabalhistas. O benefício da assistência judiciária gratuita, por exemplo, poderá ser concedido apenas aos trabalhadores que ganham até 40% do limite máximo de aposentadoria do INSS (R$ 5.531,31) e os que comprovarem insuficiência de recursos, sem a vinculação de prejuízo ao sustento próprio ou familiar.
Outro aspecto é que o reclamante que tiver acesso à justiça gratuita estará sujeito ao pagamento de honorários de perícias, se tiver obtido créditos em outros processos capazes de suportar a despesa. Já os honorários de sucumbência (pagos à parte vencedora por aquela que perdeu a causa) serão cobrados de 5 a 15% do valor da sentença.
Lei da Terceirização: mudanças já vigentes
Marcel Cordeiro, sócio da PwC, responsável pelas práticas nas áreas trabalhista e previdenciária, enfocou as alterações introduzidas pela Lei da Terceirização (Lei nº 13.429/2017), em vigor desde 31 de março. O especialista ressaltou a importância desta medida, pois no cenário brasileiro, em média, de cada três ações trabalhistas, duas são ingressadas por profissionais terceirizados.
A Lei da Terceirização alterou dispositivos da Lei 6.019/1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. O sócio da PwC explicou as principais mudanças introduzidas pela norma, firmando os seguintes pilares:
– Vínculo empregatício – A Lei da Terceirização parte da premissa geral de que não há vínculo empregatício entre a tomadora dos serviços e o empregado terceirizado.
– Subordinação: Quem dá as ordens? Este aspecto é considerado para a caracterização do vínculo entre funcionário e empresa. Portanto, a tomadora dos serviços não pode fazer a gestão dos trabalhadores terceirizados. Isso deve ser feito por representantes da empregadora (empresa prestadora dos serviços).
– Atividade meio e fim: A Lei da Terceirização firma o conceito de serviços determinados ou específicos, prevendo que a contratação terceirizada poderá ocorrer sem restrições, inclusive para atividade-fim (ligada ao core business da empresa).
O sócio da PwC informou que há questionamento se a terceirização da atividade-fim seria restrita apenas ao trabalho temporário, dada a posição em que aparece citada na referida lei. Contudo, manifestou sua posição pessoal (com o disclaimer de que esta ainda não é o consenso da firma), de que tal análise restritiva não faria sentido, considerando o contexto sistêmico da norma.
– Segurança e medicina do trabalho: Quem contrata os serviços é responsável pelo ambiente de trabalho em que o empregado terceirizado irá trabalhar, seja nas próprias instalações da tomadora dos serviços ou em local previamente acordado. “Este entendimento traz consequências para a tomadora dos serviços nos casos de acidente de trabalho, reforçando o que já está previsto na legislação previdenciária”.
– Benefícios: É facultativo à tomadora dos serviços disponibilizar alguns benefícios específicos ao empregado terceirizado, como alimentação, assistência medica e transporte.
– Responsabilização trabalhista: A Lei da Terceirização estabelece uma ordem clara a ser seguida: primeiro será cobrada da empregadora do trabalhador terceirizado (prestadora dos serviços). Só então, se esta não comparecer, é que a justiça poderá acionar a companhia tomadora dos serviços.
– Responsabilidade previdenciária: A tomadora dos serviços continua como responsável solidária. Isso quer dizer que podem ser cobradas as contribuições previdenciárias tanto da prestadora de serviços como de quem os contrata. “Nesse sentido, pedir comprovantes da prestadora dos serviços sobre o pagamento do benefício previdenciário aos seus empregados ganha singular importância”.
Para Marcel Cordeiro, dificilmente haverá uma explosão de terceirização com a aprovação do projeto de lei da reforma trabalhista, pois muito do poderia ocorrer neste campo já foi acomodado pelo mercado. “Contudo, é difícil dizer se as empresas estão aplicando a Lei da Terceirização em sua totalidade. Percebemos que muitas estão aguardando os desdobramentos da reforma”.
Segurança jurídica
A reforma trabalhista poderá diminuir o volume gigante de ações trabalhistas registradas no País? A questão lançada pela moderadora do painel, Angela Seixas, foi um dos pontos altos do debate.
Para a advogada Claudia Securato, os dispositivos introduzidos pela reforma trabalhista irão desestimular a chamada “aventura jurídica”, pois o reclamante passará a ter que arcar com as custas do processo e pagar honorários, salvo casos excepcionais. Outro aspecto curioso, observado pela advogada, é que o crescimento do volume de reclamações trabalhistas também possui ligação com o cenário econômico.
“Nos bons momentos da economia, as reclamações costumam cair, pois os funcionários demitidos conseguem se recolocar mais facilmente, e evitam ingressar com ações. Por outro lado, em momentos econômicos ruins, nos quais o trabalhador tem mais dificuldade para se recolocar, ele fica mais predisposto a processar o ex-empregador”, observou a advogada. “E provavelmente encontrará brechas para isso, porque a legislação atual torna difícil o seu cumprimento integral pelas empresas”.
Na visão de Marcel Cordeiro, assim como a Reforma Trabalhista, a Lei da Terceirização traz o objetivo maior de estancar a possibilidade de ajuizamento de demandas, que no Brasil acabam sem tornando algo desmedido, em comparação a qualquer outro país.
“Quando você explica para uma empresa estrangeira que o passivo trabalhista pode ser um fator de risco para a subsistência do negócio no Brasil, muitas desistem. Esse ambiente de mudanças é positivo para colocar as coisas nos eixos, para o trabalhador e para o empregador, aproximando a lei das práticas atuais”, disse sócio da PwC.
Jorge Vazquez, por sua vez, ressaltou que no País há 38 milhões de pessoas com carteira assinada, e 3 milhões de processos trabalhistas. Tal situação cria um ambiente difícil para os investimentos. “Qualquer país que não cria mecanismos para evitar o excesso de litígios cria problemas graves entre os agentes econômicos”.
“Precisamos reduzir massivamente esse volume de ações judiciais, para pelo menos um décimo do que é hoje. A negociação entre trabalhador e empregador deveria prevalecer antes de se partir para o litígio, como vemos em outros países. Isso ajudaria muito a destravar o enorme potencial econômico brasileiro e atrair mais investimentos internacionais para o País”, completou o executivo.