Como criar um ambiente propício para o desenvolvimento de lideranças femininas? Como encarar a busca por diversidade em posições de alta liderança não como uma tendência, mas como uma pendência a ser equacionada? Essas e outras reflexões marcaram o painel “Elas lideram 2030”, promovido pelo IBEF-SP no dia 27 de fevereiro, na sede da KPMG Brasil.
O encontro contou com a participação de Charles Krieck, presidente da KPMG no Brasil e na América do Sul, Mônica Orcioli, presidente dos Conselhos das Universidades Anhembi Morumbi, São Judas e Unifacs, e Claudia Muchaluat, presidente da Intel Brasil, além da mediação de Stânia Moraes, vice-presidente do IBEF Conecta, núcleo do IBEF-SP que busca maximizar o valor da diversidade no ambiente de negócios.
“A construção da igualdade é feita por todos nós. Precisamos nos engajar nesse processo. Juntos, homens e mulheres podem fazer acontecer através de mentorias e apoio às carreiras de mulheres”, destacou Stânia Moraes. A vice-presidente do IBEF Conecta acrescentou que ainda há muito trabalho a ser feito para ampliar a representatividade feminina em cargos de liderança. Para atingir essa meta, é necessária a contribuição dos homens, que compõem ainda a maioria dos líderes nas empresas.
Pesquisa: Lideranças femininas
Janine Goulart, sócia-líder de People Services e do KNOW (KPMG’s Network of Women) da KPMG, abriu o evento apresentando os resultados da pesquisa Female Leaders Outlook 2023, estudo anual feito pela companhia e que apresenta o perfil e as percepções de executivas sobre mercado e carreira em nível global e com um recorte do Brasil.
O estudo aponta que 25% das executivas globais atuam no setor financeiro, área com o maior número de mulheres líderes. No Brasil, esse índice é de 20%. “Quando a gente olha a área de atuação, 24% das participantes brasileiras atuam na área de gestão de riscos, no jurídico ou no compliance, enquanto 17% integram a área de finanças”, destacou Janine.
O Female Leaders Outlook também apresenta as percepções sobre quais são os impulsionadores de carreira, apontando que 24% das respondentes entendem o pensamento estratégico como crucial, enquanto 23% ressaltam a boa capacidade de liderança. Em relação a perspectivas, 87% das entrevistadas identificaram que a adaptabilidade é crucial quando se fala em resiliência empresarial e 78% estão otimistas com o crescimento profissional. “É interessante termos este retrato. Vemos que as otimistas estão aumentando. Sabemos que existem muitos desafios, mas há uma mudança na percepção das pessoas”, ressaltou a executiva.
Janine encerrou trazendo a percepção das entrevistas sobre as principais habilidades requeridas para chegar a cargos de alta liderança. “São desafios acontecendo ao mesmo tempo e estão interligados. As mulheres entendem que para assumir a alta liderança elas e outras mulheres precisam ter como habilidades pensamento estratégico, liderança, flexibilidade e agilidade”, complementou a executiva.
Movimento “Elas Lideram 2030”
Verônica Vassalo, gerente de Diversidade, Equidade e Inclusão do Pacto Global da ONU – Rede Brasil, apresentou o movimento “Elas Lideram 2030”, que tem como objetivo ter 11 mil mulheres em cargos de alta liderança (posições de gerência sênior, diretorias e conselhos) no país. A meta é contar com 1,5 mil empresas comprometidas com o movimento. Atualmente, o movimento tem a adesão de 118 companhias, dez parcerias estratégicas e cinco empresas embaixadoras.
A iniciativa está ligada ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5 da ONU que é alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. “Quando começamos a desenhar o movimento, pensamos no cenário que vivemos já há muito tempo de desigualdades baseadas em gênero. As mulheres, de fato, ganham menos, estão em menor quantidade em posições de liderança e têm dupla jornada de trabalho. São demandas muito antigas de décadas atrás”, salientou Verônica.
Esta é a “década da ação” para conseguir alcançar os objetivos traçados para 2030, ressaltou a representante do Pacto Global. “Diversidade não vai acontecer de forma orgânica, tem que ser intencional. Diversidade não é tendência, é pendência histórica. Temos que colocar metas ambiciosas, pois já estamos atrasados em várias pautas e o desafio é muito grande. Queremos que as empresas se comprometam cada vez mais com essas metas”.
Ao aderir ao movimento, as companhias são estimuladas a buscarem duas metas: a primeira, alcançar 30% de mulheres em cargos de alta liderança até 2025 e, a segunda, elevar esse número para 50% até 2030. “Estamos aqui para pactuar. Queremos construir um futuro possível para todas as pessoas, sem que ninguém fique para trás, principalmente as mulheres”, finalizou Verônica.
Painel: Elas Lideram 2030
Após as apresentações, o evento abriu espaço para o debate sobre os desafios de equiparar a presença de mulheres em cargos de alta liderança e a importância de as mulheres contarem com o apoio de mentorias.
Charles Krieck, presidente da KPMG no Brasil e na América do Sul, reforçou a importância de que iniciativas nessa direção aconteçam de forma autêntica e balizada por metas. “Este é um movimento que realmente importa. Se fizer por fazer, por moda ou porque quer sair bem na foto, não vai funcionar”, afirmou. É preciso ter metas ousadas, mas que estejam em linha com a capacidade do que a empresa pode realizar. “Não basta definir uma meta de 50% na alta gestão se a empresa não tiver e preparar gerentes ou sêniores suficientes e se não contratar de maneira correta”, destacou o executivo.
Mônica Orcioli, presidente dos conselhos de administração das Universidades Anhembi Morumbi, São Judas e Unifacs, ressaltou a importância de as empresas caminharem junto às políticas públicas. “Quando falamos em metas de liderança feminina e de diversidade, estamos bebendo dessa água. É nossa responsabilidade, enquanto executivos, estarmos próximos, ampliarmos e fazermos valer essas iniciativas”.
Importância da mentoria – Outro destaque no painel foi a importância da mentoria no desenvolvimento profissional de mulheres e o quanto é fundamental a participação de homens que atualmente ocupam posições de alta liderança nesse processo.
Mônica Orcioli contou a experiência de passar por uma mentoria quando era diretora regional da Swarovski na América Latina e buscava uma transição de carreira de executiva para posições de conselho. Ela teve como mentor Charles Krieck, que trouxe outras perspectivas para a carreira, apontando que ela ainda teria muitas contribuições a dar como executiva. Neste direcionamento, Mônica assumiu a posição de CEO na Universidade São Judas, passou por um M&A, assumiu como CEO na Universidade Anhembi Morumbi até migrar para a presidência do Conselho das instituições.
“A ajuda que o Charles me deu foi no simples acreditar que eu poderia acreditar em mim. Quando fazemos uma transição, descemos a nossa régua e por isso é importante ter alguém que nos apoie e desperte o melhor que existe em nós”, destacou Mônica.
Os painelistas comentaram também sobre a mentoria reversa e o aprendizado que o mentor pode ter com gerações mais novas e de diferentes segmentos.
Claudia Muchaluat, presidente da Intel Brasil, desmistificou o caráter hierárquico da mentoria. “Quanto mais mentores tivermos, melhor. E o mentor não tem que ter uma posição hierárquica, ele tem que ter experiências que você não viveu. A partir das experiências do outro, você pode identificar seus inibidores. Um dos privilégios da mentoria é poder desenhar sua estratégia a partir da vivência do outro”, analisou Claudia.
O painel contou com um depoimento por vídeo de Rodrigo Kede Lima, presidente de Americas Enterprise da Microsoft e conselheiro de administração do IBEF-SP. Rodrigo foi mentor de Claudia. Ele contou essa experiência e ressaltou o quanto as mentorias também foram importantes em sua carreira.
Busca por equilíbrio e quebra de barreiras – Uma das principais reflexões do painel foi sobre o desafio de ter um equilíbrio na carreira e saber se a sua trajetória profissional se encaixa em seu propósito de vida. “Uma frase que gosto muito é que o sucesso é você se orgulhar das suas conquistas, mas ter a coragem de ajustar o caminho para que o sucesso valha a pena”, ressaltou Claudia Muchaluat. Ela também compartilhou os desafios que enfrentou na carreira e ressaltou a mensagem de que as mulheres não devem desistir de atingir seu máximo potencial, acreditando em si mesmas e enfrentando as resistências, em ambientes em que ainda são minoria.
Já Charles Krieck também citou como desafio o “viés inconsciente”, que tende culturalmente a favorecer homens em escolha e diminuir o potencial das mulheres. O presidente da KPMG chamou atenção para a necessidade de mudar e combater isso. “Corporativamente, temos a obrigação de quebrar barreiras que culturalmente existem há anos”, afirmou.
Mônica Orcioli finalizou destacando a representatividade como uma obrigação dos conselhos de administração para garantir uma extensão disso à gestão das empresas e para refletir o mercado consumidor. “Os conselhos representam empresas, com consumidores que são pelos menos 50% mulheres. Se o conselho exerce este real papel, ele também tem que ter essa representação por mulheres”, finalizou.