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Um novo panorama para as organizações globais
Por Luiz Roberto Calado e José Rogério Luiz*
O Conselho de Administração costuma ser reconhecido como a instância máxima da governança de uma corporação. Seu papel se baseia em organizar os eventos passados e presentes e tomar as ações, avaliando as situações de concorrência e riscos, preservando e perseguindo um maior valor para a organização.
No entanto, com o acúmulo de responsabilidades legais por parte de seus membros, a agenda de cumprimento de regras, denominada compliance, tem sido uma constante e tomado boa parte das reuniões do Conselho.
A chegada de novas regulações, os recentes escândalos corporativos e corrupção e as novas situações de riscos encontradas no tripé socioambiental têm tomado um tempo extraordinário dos conselheiros.
Somado a isso, ao avaliar a composição do Conselho percebe-se que a maioria de seus membros tem o perfil de executivo em fase final de carreira ou já aposentado, sendo que para muitos a participação em 4 ou 5 Conselhos é a sua “nova carreira”.
Num contexto de avaliação de riscos, sem sombra de dúvidas o perfil desse experiente executivo é o que melhor se encaixa para compor um Conselho e cumprir essa função. Acostumados com situações de risco passadas, esses executivos podem prevenir com mais afinco situações a serem evitadas.
Contudo, ao centrar-se em riscos, o papel de pensar o futuro acaba sendo delegado à Diretoria. Assim, o CEO deixa de operar as demandas e direcionamentos advindos do Conselho, e passa a planejar o futuro, sem enxergar o que o Conselho deseja e sem focar sua energia na entrega mais efetiva e eficiente do presente.
A função do CFO, por sua vez, também é prejudicada com a falta de visão e por essa situação, onde a disciplina à condução dos negócios sofre a distração do tempo, mais do que proporcional, ao planejamento estratégico, que novamente, deveria ser liderado pelo Conselho. É importante destacar que na verdade um dos papéis fundamentais de um Conselho é o de criar longevidade para o negócio.
O resultado dessa lógica? Muitos conselheiros e CEOs têm sido destituídos. Principalmente aqueles que se parecem mais com estadistas do que empresários. Dentre eles, estava Jeffrey Immelt da General Electric. Em junho de 2017, ele anunciou inesperadamente os planos de se aposentar depois de 16 anos na função. O CEO da Ford, Mark Fields, esteve no cargo há menos de três anos quando foi demitido em maio último. Em comum, ambos enfrentavam um preço flutuante das ações e a pressão de investidores ativistas.
Com isso, a era baronial do executivo-chefe, sentado sobre um domínio industrial com todos os privilégios, está chegando ao fim. O mesmo com os Conselheiros.
Os eventos foram particularmente importantes, dada a reputação das empresas como campo de treinamento e inspiração de futuros executivos de outras empresas. Qual a lição aprendida? Eles tentaram mudar suas organizações, mas não conseguiram reagir rápido o suficiente para as forças que afetam as suas empresas.
A dúvida é: apenas a mudança do CEO é suficiente para alterar o rumo da organização? Ou seria necessário também mudar o perfil dos conselheiros? A resposta parece bastante óbvia e já está acontecendo. Os Conselhos também precisam mudar, evoluindo de grupos semelhantes a clubes de rostos familiares para um círculo eleitoral muito mais diversificado e exigente. De uma visão pautada no risco, para uma visão voltada ao futuro.
Isso reflete o aumento do poder dos investidores controladores, que compram participações em empresas e depois exigem mudanças. Eles agora estão buscando retorno maior, exigindo crescimento de ganhos anuais de dois dígitos em uma economia ainda quase estagnada.
Uma primeira alteração provocada foi de destituir os CEOs Chairmans, aqueles que ocupam as duas posições. Segundo uma análise da Strategy &, braço de consultoria da PwC, em 2001, mais da metade dos novos CEOs também assumiu o cargo de presidente do Conselho (Chairman). Até 2016, apenas 10% ocuparam os dois papéis.
Isso é um reflexo dos investidores ativistas, que estão ficando bem mais ativos. Mais de 300 empresas americanas foram direcionadas por esses investidores em 2015, e pouco mais acima de 100 em 2010, de acordo com estudo da Wharton Business School. Eles também estão se tornando mais bem-sucedidos em ganhar lugares no Conselho.
Assim, percebe-se uma evolução nos Conselhos das empresas, que passam a se preocupar menos com o papel burocrático ou compliance e mais com a avaliação do futuro da empresa. Tornam-se, portanto, Conselhos estratégicos. Esse papel, anteriormente delegado ao CEO ou sua diretoria, passa a ser exercido pelo Conselho, em conjunto com a Diretoria.
Uma das conclusões desta análise é a de que a atuação do Conselho e do CEO na maior parte das empresas pode estar sendo pautada da forma errada, e isso se reflete também nos incentivos financeiros concedidos. Com exceção de empresas onde os membros do Conselho são também grandes acionistas, podem ser raras situações onde existam bônus para Conselheiros.
Qual seria então o benefício de um Conselheiro em pensar no longo prazo da empresa, se não poderia compartilhar dos benefícios econômicos? Outra questão leva o olhar para o futuro. Não seria interessante a presença de executivos jovens no Conselho? Ou maior diversidade de gênero ou étnica? Certamente não em sua maioria, mas, para que atuem sobre esse gargalo assumindo o papel de gestores de riscos e futuramente tornem-se bons estrategistas.
Assim, reconhecendo que hoje muitos Conselhos de Administração focam sua atuação com um olhar para o passado ou para o cumprimento legal, delegando ao C-level e consultorias externas a tarefa de planejar o futuro. Isso toma tempo precioso do CFO e do CEO, que deveriam focar na entrega mais efetiva do presente, seguindo um plano estabelecido pelo Conselho.
Algum exemplo de empresa que está mudando isso? Petrobras. Acaba de criar comitês de apoio do Conselho para realizar um planejamento estratégico. Para tornar o Conselho mais estratégico também é necessário selecionar com mais cuidado seus membros, permitindo uma maior diversidade de opiniões, ao convidar executivos mais jovens ou de outras áreas. Dessa forma, será evitado que empresas tenham o mesmo destino de Kodak ou Olivett.
CASO REAL
Na segunda reunião em que participamos de um Conselho de Administração de uma grande empresa, presenciamos a seguinte cena:
Board Member: Precisamos rediscutir nossa estratégia, pensar na minha segunda reunião no CA de uma grande empresa pública, concordam?
Chairman: Sim, vamos contratar uma consultoria global de estratégia.
Board Member: Considerando que boa parte dos membros do Conselho já participou na sua vida de algum desses processos, não poderíamos fazer isso criando comitês e utilizando nossos funcionários, assim economizando mais de 2 milhões de dólares?
Chairman: Não temos esse conhecimento in house.
Lição: confiar e construir esse conhecimento.
*Artigo publicado originalmente em inglês na revista da IAFEI.
Luiz Roberto Calado é vice-presidente de Relações Institucionais do IBEF SP.
José Rogério Luiz é sócio da ITU Partners e membro de Conselho.