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Análise quantitativa e a história de três fundos

O clássico Reminiscências de um Operador de Bolsa descreve as intrigantes aventuras de um jovem que, após conseguir um emprego escrevendo preços de ações em quadros negros em pequenas corretoras, acabou se transformando em um bem-sucedido especulador no início do século XX. Ao longo das várias marés de ganhos e perdas, qualquer um com o mínimo de curiosidade tenta depreender o segredo do frio pseudoprotagonista e autor Edwin Lefèvre, jornalista que supostamente emprestou seu nome a Jesse Livermore, famoso operador norte-americano. Será que ao longo do seu texto cativante, embora por vezes hiperbólico, Lefèvre nos ensinaria o caminho para o sucesso nos mercados financeiros? E se aplicarmos suas ideias aos mercados digitalizados de hoje? Existe, por fim, uma estratégia de investimentos que garantirá o sucesso?

Nessa busca por retornos superiores aos de mercado, surgiu, juntamente com a chegada dos computadores, uma escola que acredita na sistematização dos processos de investimento. Os quants seguem um processo em geral similar ao dos cientistas exatos, ou seja, criam teorias sobre como determinados ativos deveriam se comportar dadas determinadas premissas e testam essa teoria com dados históricos. Num segundo momento, julgam a robustez da previsão ao de fato aplicar recursos apostando nessa teoria. Os gestores quantitativos, ou quants, vêm ganhando participação de mercado dos métodos mais tradicionais ao ponto de até mesmo serem criados cursos específicos para esse novo método de análise em MBAs de renome como o da Universidade de Columbia. Funcionaria tal filosofia na realidade brasileira?

Em meu estudo Fundos 130/30 Funcionariam no Brasil?, defendo o espaço dos que optaram por uma sistemática de investimentos mais definida em renda variável. O estudo é calcado em quatro ideias básicas: valor, crescimento, tendência de lucratividade e tamanho.

A estratégia de investimento em valor foi criada por Benjamin Graham, professor da Universidade de Columbia, ainda na primeira metade do século XX. Apesar das várias nuances qualitativas dessa estratégia, ela se baseia no conceito de “espaço para erro”. Segundo esse princípio, como a análise de investimentos é sempre falível, precisamos comprar ações “baratas”, de forma que, mesmo que um cenário negativo se realize, o investidor estará devidamente protegido. Quanto maior a medida de lucro ou valor contábil, mais barata estará a empresa. Quanto maior o valor da empresa como aferido pelo mercado, mais cara ela estará.

É aceito pela cultura geral que a estratégia de crescimento foi criada por Thomas Rowe Price, fundador da famosa empresa de gestão de investimentos de mesmo nome, na década de 1930. A ideia é de que mesmo que os preços de determinadas ações já se beneficiem no presente do crescimento futuro, essas expectativas de crescimento em geral não estão totalmente precificadas nas ações, trazendo um potencial de valorização. Assim, quanto maiores sejam os crescimentos históricos e esperados de lucros e vendas, maior será a atratividade de uma empresa.

Os indicadores de tendência de lucratividade tentam medir o momento atual e a sustentabilidade dos lucros das empresas. Aqui, medimos não só o crescimento de lucros, que pode ser efeito de um artifício contábil, mas também a segunda derivada, ou seja, o crescimento das margens bruta, operacional e líquida. Empresas que mostraram melhoras históricas nesses índices mostram alavancagem do lucro em relação à receita. Da mesma forma, empresas que tem convencido o mercado de que terão lucros maiores no futuro devem, ao poucos, sofrer efeitos positivos no preço das ações.

Finalmente, Rolf Banz e David Booth, ambos da Universidade de Chicago, foram respectivamente o teórico e o empreendedor responsáveis pela popularização do “efeito tamanho”. Historicamente, as ações de menor tamanho (ex: valor de mercado, valor da empresa por preços de mercado) têm desempenho melhor do que os índices mais amplos. O fato de que as empresas menores são menos conhecidas e de que sua realidade muda com maior frequência que no caso de empresas grandes traz sobre os small caps um fator de risco adicional que tem contrapartida em descontos de preço das ações e, por consequência, retornos adicionais.

O resultado do sistema é bastante satisfatório do ponto de vista histórico. Mesmo assumindo custos operacionais consideráveis, um fundo de ações tradicional baseado nessa estratégia teria uma rentabilidade acumulada – de janeiro de 2001 a junho de 2010 – de 353%, em comparação a 233% no Ibovespa, mantendo-se o mesmo nível de risco (tanto sistemático quanto total). Em um fundo com extensão ativa, onde cada R$ 100 é transformado em R$ 120 comprados em ações e mais R$ 20 vendidos em outras ações, o resultado é ainda mais positivo em função da maior liberdade reservada à estratégia. Mantendo as características de risco e correlação com outros mercados, o fundo 120/20 acumularia uma rentabilidade total de 420%, e a média da distribuição mensal de retornos seria superior à média do Ibovespa, com mais de 99% de confiança. Teríamos, então, encontrado uma estratégia semelhante à de Lefèvre?

Alguns fundos quantitativos de investimentos muito bem estabelecidos no mercado pareciam ou parecem argumentar, apenas por meio de seus desempenhos, que acharam tal estratégia. De fato, chamemos três desses fundos de A, B e C. O fundo A rendeu entre 12% e 20% ao ano no período de 26 anos; o fundo B rendeu 14% anuais entre dezembro de 2001 e dezembro de 2006; e o fundo C rendeu 41% ao ano no período de 20 anos. Ajustando-se as estratégias pelo risco, todos os três fundos obtiveram retornos imensamente superiores ao mercado. Teriam eles achado o Santo Graal do investimento ativo?

A resposta da hipótese de mercados eficientes (HME) – formalizada por Eugene Fama, tutor de David Booth na Universidade de Chicago – a essa pergunta seria um sonoro não, pelo menos na sua versão forte. Segundo essa forma da hipótese, rigorosamente todas as informações já estão refletidas nos preços de mercados, o que faz com que os retornos superiores sejam obra do acaso ou simplesmente efeito da exposição a algum risco que não o de mercado (ex: baixa liquidez). Esses fundos, no entanto, superaram a relação com o desempenho de mercado por um período muito grande de tempo, não sendo consistente com a ideia de sorte. A magnitude da superação também parece ser muito grande para que seja justificada por algum risco que não o de mercado. Vamos analisar então, cada um dos três fundos.

O fundo A era administrado pela Bernard L. Madoff, LLC, e apesar de seus supostos retornos não terem recebido a ajuda da sorte nem estarem expostos a outro risco que não o de mercado, corroborou a forma forte da HME. Madoff argumentava possuir algoritmos proprietários que superavam o mercado com um risco negligenciável, mas na verdade estava operando o maior esquema de pirâmide da história. As perdas totais relacionadas ao esquema foram de US$ 18 bilhões.

O fundo B é chamado Global Alpha e foi durante alguns anos um dos maiores destaques do Goldman Sachs, o maior banco de investimento do mundo. Apesar da maré extremamente positiva no período comentado, o fundo sofreu perda de 38% em 2007, enquanto o S&P 500 subiu 3% no mesmo período. O fundo usava técnicas de seleção de ações que acabaram se tornando comuns a um grande número de fundos quantitativos nos EUA. Quando movimentos contrários ao racional do processo de seleção trouxeram perdas a esses fundos, todos eles tentaram fechar suas posições ao mesmo tempo, num fenômeno similar ao que acontece em fundos tradicionais. Apesar de não parecer, o risco de liquidez estava lá. Segundo gol para a versão forte do HME.

Finalmente, o fundo C. Note que o desempenho de 41% ao ano é líquido de taxas, que no caso foram próximas a 5% ao ano mais 36% sobre tudo o que o fundo ganhasse. Embora o fundo de Bernie Madoff esteja suficientemente fresco na nossa memória para evocar comparações, o fundo C, administrado pela Renaissance Technologies, retornou o dinheiro aos seus cotistas, e hoje administra apenas os recursos dos seus próprios funcionários. O fundo teve desempenho positivo em 2001, 2002, 2007 e 2008, quando a exposição a diferentes riscos deveria ter se evidenciado.

O fundo C, ou Medallion Fund, viola a forma forte do HME, assim como a Berkshire Hathaway de Warren Buffet e alguns outros hedge funds espalhados pelo globo. Retornos expressivamente superiores aos de mercado por um período grande de tempo com poucos ou nenhum solavanco maior mostram que é possível superar o mercado por meio de controle e pesquisa (quantitativa ou não) cuidadosos.

Diante desse racional, a forma fraca da HME, em que apenas as informações disponíveis ao público estão refletidas nas ações, parece mais realista. A Renaissance possui mais de 300 empregados com PhDs em ciências exatas (principalmente Física, Matemática, Computação e Estatística), compondo aproximadamente um terço do seu pessoal. As informações geradas por esses cientistas e seus computadores não são compartilhadas com o mercado. É aceitável que uma análise tão dedicada gere valor ao investidor.

Nesse contexto, os fundos quantitativos crescem como mais uma opção para se aproveitar da lei zero dos investimentos líquidos: diversificação. Fundos como os da Renaissance Technologies e outros que apareceram no mercado brasileiro trazem algo complementar aos fundos clássicos, a saber, métodos que permitem a análise de um universo maior de ativos em um tempo menor e sem os benefícios e malefícios do viés comportamental. Apesar dos quants estarem submetidos a alguns dos mesmos riscos que os traders tradicionais, eles trouxeram uma nova forma de ver o mundo, e, assim, expandem o universo de investimentos e nossas expectativas de risco/retorno.

Lefèvre olharia com ceticismo para essa novidade. Entretanto, após descobrir que os computadores da Renaissance equivalem a milhares de Livermores observando atentamente cada operação em todas as ações operadas nas bolsas mundiais, ele talvez mudasse de opinião.

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