A pandemia de COVID-19 trouxe impactos para as empresas em diversos âmbitos financeiros e a forma de comunicar esses impactos em demonstrações financeiras e gerenciais deve ser observada, dando maior ênfase na forma que os cálculos são feitos para se chegar em determinado resultado ou provisão diante do cenário atual, que é adverso. O tema foi discutido em webinar da Comissão Técnica de Controladoria e Contabilidade do IBEF-SP, realizado em 9 de outubro, com moderação de Luciana Paixão, Controller do Grupo InterPlayers. O líder da comissão, Alexandre Staffa, que também é diretor administrativo financeiro da Suhai Seguradora, destacou que o atual momento exige maior prestação de contas. “Os impactos relevantes da crise precisam ser colocados nas demonstrações financeiras e gerenciais”, destaca.
O distanciamento social, contudo, trouxe diversos desafios para o setor, sendo o mais pertinente deles, aplicável a empresas de serviços, o trabalho remoto com times grandes, conforme explica Felipe Kasai, gerente sênior da Ernst & Young. “Nos trabalhos de auditoria, uma das dificuldades encontradas foi a comunicação com os clientes. Antes ficávamos em campo trocando ideias no dia a dia com cliente, e agora esse contato é remoto. Em aspectos mais específicos, antes do distanciamento social, os auditores acompanhavam os inventários físicos, e tivemos que encontrar maneiras de fazê-los remotamente, por meio de ferramentas digitais”.
Além da dificuldade com o trabalho remoto, devido à incerteza do mercado e do futuro, as estimativas se tornam mais subjetivas e Felipe Kasai pontua a dificuldade em saber o que está sendo estimado. “A maneira de evidenciar os controles de revisão com distanciamento social é diferente, pois é um desafio saber como essa revisão é documentada de maneira correta”. Ele ressalta que o entendimento das mudanças dos negócios, e como isso é refletido nas demonstrações financeiras das empresas, é o principal ponto a ser superado nas empresas.
Por conta dessas dificuldades, Thays Candido P. Calegari, coordenadora de Controladoria da Ferring Pharmaceuticals, fala sobre a importância dos contadores estarem bem preparados para levar o detalhe de informação nas demonstrações financeiras. “Temos um cenário diferente de tudo que já foi visto. O contador deve conseguir expurgar esse efeito e trazer uma informação que possibilita a todos os stakeholders da contabilidade trabalharem números com impacto e sem impacto”, diz. “Trabalhamos com o efeito da COVID-19 destacado. É importante ressaltar que temos que considerar tanto os efeitos bons quanto ruins. Temos efeitos de diminuição de despesa e de aumento de receitas, precisamos destacar ambos e relacioná-los à COVID-19, pois em 2021 não teremos os mesmos efeitos ou os teremos em grau diferenciado”, explica.
Comunicação – Assim, a informação passa a ser cada vez mais relevante dentro das demonstrações das companhias. “Os trabalhos acabam ficando mais pesados para todas as áreas. O gestor precisa colocar o conhecimento do negócio e a capacidade de provisão, e a auditoria entra para mensurar se essas avaliações estão corretas e as bases são confiáveis para que não se tenha nenhum efeito incorreto”, diz Thays. Ela destaca que é preciso entender o momento do próprio negócio, e também o do cliente. “Tenho que me preocupar como vou colocar as informações para que o auditor consiga analisar isso. Em geral, se temos uma mudança, devemos nos preocupar em documentá-la via memorando interno, explicando o que aconteceu e como. É preciso formalizar, pois se o analista, contador ou board da empresa forem alterados, é necessário um embasamento que possibilite a continuidade dessa administração”.
Em termos de auditoria, Felipe diz que os stakeholders de fato precisam de mais informações para a tomada de decisões, pois o momento é de muita insegurança. “Nosso papel como auditoria é entender se está tudo em compliance e adequado, e assim questionar como se chegou nos números demonstrados”, ressalta.
M&A – Os processos de fusões e aquisições (M&A) também foram afetados pela crise. Tatiana Guerra, diretora de M&A da PwC, diz que no início da pandemia houve maior cautela dos investidores, atrasando o início da análise de novas operações, e as que estavam em andamento foram suspensas temporariamente. “Naturalmente percebemos uma forte redução da análise dos investimentos no início da pandemia. Já final de maio, início de junho, tivemos uma forte aceleração da demanda de novos projetos. Fundos de investimentos e clientes estratégicos começaram a perceber que precisavam retomar as atividades, porque a pandemia iria se prolongar. Hoje estamos com demanda crescente de novos projetos e potenciais compradores olhando empresas-alvo”.
Além disso, ela destaca que a pandemia trouxe, na atividade de fusões e aquisições, mais desafios na relação pessoal entre comprador e vendedor. “Com o distanciamento, fica mais complicado estabelecer uma relação de confiança, pois o que antes era realizado em reuniões presenciais ou em almoços, hoje é realizado em reuniões virtuais. As partes precisam desafiar a barreira virtual, com a capacidade de explicar para o vendedor/empreendedor como o investimento irá agregar valor no negócio. Assim, percebemos que, com o distanciamento, as chamadas soft skills são essenciais”.
Tatiana diz que há potenciais aquisições ou investimentos em curso até o final de 2020, mas para que essas operações andem de maneira segura, os compradores e vendedores precisam ser mais diligentes. “É importante avaliar a geração de caixa operacional, o nível de capital de giro, e do endividamento durante a pandemia, e mapear os efeitos recorrentes e não recorrentes que a COVID-19 gerou no período. Mas cada caso é um caso, tivemos atividades mais impactadas, outras menos, e a área de controladoria precisa ter a preocupação de demonstrar estes efeitos para os stakeholders e mercado investidor”.
Neste caso, as transações realizadas em 2020 contam com um ajuste de preço futuro, o que significa que as partes excluem do valuation os meses que foram mais impactados pela crise, conforme explica Tatiana. “Em 2021/2022, o preço é ajustado conforme a performance da empresa. É importante que a controladoria continue a monitorar os principais efeitos da COVID-19 nas demonstrações financeiras e, assim, conseguir estabelecer bases de comparação. Certamente o ano de 2020 ficará para sempre guardado com todos os desafios que passamos”, pontua.
Ela citou como exemplo setores de eventos e hotelaria que foram bastante afetados pela pandemia, o que não significa que são setores que não terão continuidade, mas que precisam se reinventar. “Temos atividades que foram diretamente impactadas, outras indiretamente, deve-se ter cautela e analisar caso a caso. Nas atividades muito impactadas é preciso avaliar a perspectiva do negócio no futuro, inovar para continuar operando, e parcerias serão fundamentais nesse novo normal”, diz.
Outro ponto abordado por Tatiana são as atividades que tiveram resultado muito positivo durante a pandemia, ficando acima do budget. Ela diz que tantos os impactos negativos quanto positivos na capacidade de geração de caixa da empresa precisam ser normalizados, sempre mantendo os resultados de forma sustentável, pois o pico não se sustenta. “Esses picos trazem o aumento da geração de caixa, mas talvez não seja sustentável, precisa normalizar. Não significa que uma empresa que teve aumento de receita/margem durante a pandemia vale mais hoje do que em 2019. Precisa entender a continuidade, a sustentabilidade do crescimento da margem, o business plan e, assim, analisar se o crescimento é sustentável nos próximos anos”.
Continuidade operacional – Do lado da auditoria, a continuidade operacional é um dos princípios contábeis, e as demonstrações devem ser elaboradas com esse pressuposto. “A continuidade operacional geralmente é baseada em projeções financeiras. O gestor deve preparar essas projeções, e o auditor pode questionar como essa projeção está substanciada”, diz Felipe Kasai. Ele pontua, contudo, que há riscos específicos para cada empresa. “De maneira geral, os clientes devem ir conta a conta no balanço e no resultado e verificar o que foi impactado pela COVID-19, para de fato identificar se há algum risco a ser endereçado”.
Thays destaca a importância de se medir a sustentabilidade dos negócios. “Se é um fator de crescimento que eu consigo sustentar pela mudança de comportamento do consumidor, consigo deixar isso expurgado e colocar na nota explicativa que teve uma mudança que afetou o business plan, e é visto o crescimento devido a essa mudança de comportamento”. Ela alerta para o excesso de provisões que não se sustentam por terem sido muito pontuais, decorrentes de um momento específico.
No processo de auditoria, Felipe diz que em uma análise conta a conta é identificado o risco e desenhando procedimentos para endereçá-los. “Vamos continuar considerando projeções futuras das empresas, mas seremos mais diligentes para premissas que podem ser mais subjetivas”, diz, destacando que haverá maior questionamento da administração sobre a segurança e certeza em relação a um determinado crescimento.
Testes de impairment – Eles explicam ainda o efeito da crise em testes de impairment, quando há redução do valor recuperável de ativos. Segundo Felipe, especialistas com conhecimentos específicos estão sendo chamados para avaliar projeções futuras nesses casos. “Por exemplo, para o crescimento da receita, verificamos se faz sentido, se está dentro das expectativas de mercado, tentando avaliar se as estimativas são razoáveis. Estimativa requer julgamento, e como se substancia esse julgamento? Ele está lastreado em quê?”, diz.
Thays ressalta que é cada vez mais importante que a informação seja analisada de forma diligente, e do lado da administração deve ser checada a sustentabilidade do negócio. “Isso afeta de forma significativa os números, e os auditores podem trocar essas discussões. Em termos de impairment, ficou mais difícil, pois antes se sabia como o business funcionava e era impactado, e agora se mexeu em todas as provisões”.
Tatiana destaca que é importante os profissionais da área continuarem resilientes, sempre observando que o setor financeiro vem passando por mudanças constantes, a rápida evolução tecnológica, que oferece novos recursos cada vez mais inovadores, e clientes cada vez mais exigentes. “Estamos com um mercado super acelerado de mudanças”, pontua.