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Desequilíbrio regional e políticas de incentivo, desafios a serem enfrentados

O combate ao desequilíbrio regional assumiu contornos locais a partir da promulgação da Carta de 1988, que desde então assegura maior autonomia de gestão aos Estados, inclusive no que tange ao seu principal tributo, o ICMS. É evidente que o texto constitucional pretende resguardar a estrutura federativa fortalecendo a autonomia dos Estados-membros e ainda fornecer-lhes os meios necessários à promoção do desenvolvimento socioeconômico e o equilíbrio regional, e isto se dá através de políticas de atração de investimentos baseados na concessão de incentivos financeiros.

A despeito das discussões acadêmicas e jurídicas sobre o assunto é importante destacar que as políticas de incentivos fiscais estaduais produziram resultados expressivos em termos de criação de empreendimentos localizados em Estados mais pobres da Federação, contribuindo para uma efetiva desconcentração da atividade econômica e, portanto, das oportunidades de elevação do nível de bem estar das respectivas populações e fortalecimento do mercado interno brasileiro.

Os críticos dos programas estaduais de incentivo afirmam que sua concessão reduz a arrecadação, o que não é verdade; pelo contrário, por ser um tributo diretamente vinculado a circulação de mercadorias, estas ações dinamizam a economia promovendo aumento de arrecadação.

Citando os campeões de arrecadação de ICMS em 2009, observa-se que os quatro primeiros – Goiás – 27,75%; Bahia – 26,86%; Pernambuco – 24,13% e Ceará – 23,36% possuem em comum políticas de desenvolvimento atreladas ao tributo. Não por acaso estes Estados também apresentaram, no mesmo período, o melhor desempenho em relação à produção industrial, variando entre 10,9% – Goiás e 1,0% – Pernambuco. Esses números explicam o crescimento dos PIBs estaduais, 8% em média, bem acima da média nacional, 3,5% entre 2002 e 2009.

Também não procede a crítica daqueles que veem os programas como mola propulsora da chamada “guerra fiscal” decorrente de suposta renúncia fiscal dos Estados concedentes, que, in extremis, tenderiam a reduzir sucessivamente as suas arrecadações a ponto de produzir enorme prejuízo a todos. Tal argumentação ignora os conceitos fundamentais envolvendo a política de incentivos, entre os quais o de autofinanciamento, e, na melhor das hipóteses, encontra-se superada, principalmente após o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2001, o instrumento que trata de eventuais abusos no campo das finanças públicas.

Estas críticas decorrem principalmente de desconhecimento dos programas, que em sua maioria caracterizam-se pela concessão de empréstimo financeiro, não havendo redução da alíquota de ICMS, tampouco isenção, ou são financiados através de fundos estaduais e ainda determinam contrapartidas a serem cumpridas pelas empresas incentivadas ao longo da duração do contrato, entre estas, o fiel cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, bem como o prazo e as condições para implementação dos projetos.

Se para os Estados os programas baseados no ICMS constituem uma importante ferramenta de desenvolvimento econômico, para as empresas seu principal atrativo é a possibilidade de planejar sua expansão contando com prazos de fruição que podem chegar até a 25 anos, taxas de juros em torno de 0,2% a 0,5% a.m., não capitalizáveis pagos mensalmente sobre o saldo de parcelas do ICMS financiado e antecipações mensais das parcelas do ICMS entre 5 e 10% a serem pagos no momento da utilização do incentivo, contando ainda com prazo para pagamento do saldo devedor acumulado através dos fatores de descontos previstos nos regulamentos e vantagens locacionais como doação de terrenos e subvenção para construção da planta industrial.

Como se observa, as condições de contratação são atrativas, o que explica o interesse das empresas em listá-los como parte de sua estratégia empresarial dentro de seu planejamento tributário. Neste sentido é importante esclarecer a diferença ontológica entre os institutos, já que, enquanto o planejamento tributário cria situações a fim de que a regra tributária não incida sobre o fato praticado, o incentivo fiscal, para ser aproveitado, requer conduta que, necessariamente, siga o que está na norma de aplicação do incentivo.

O que equivale a dizer que em planejamento tributário parte-se da conduta descrita na regra de incidência do tributo em direção a atividades diversas e possíveis ao contribuinte, na sistemática de incentivos parte-se da atividade do contribuinte que se direciona para a conduta descrita na norma prescritiva do benefício fiscal.

Logo, o planejamento empresarial, na seara dos incentivos fiscais, não consiste em fugir à incidência das normas instituidoras de deveres tributários, mas, precisamente, nas oportunidades tributárias concedidas pelo próprio Poder Público para a possibilidade de, mediante o aproveitamento de incentivos, sistemáticas e programas oficiais, nortearem-se o planejamento empresarial do contribuinte para a economia segura de tributos e, daí, para a otimização de seus recursos e o conseqüente incremento de sua competitividade.

Importante ressaltar que os programas de incentivos permitem a fruição somente enquanto o contribuinte estiver comprometido a atender às exigências e objetivos estipulados pelo próprio Poder Público, e visam à implantação, expansão, modernização e diversificação dos parques industriais, o fortalecimento das empresas estabelecidas nos estados e da competitividade de sua produção e, obviamente, a geração de emprego e renda.

Frequentemente os programas preveem a aplicação de recursos originários de contrapartidas pagas pelas empresas na inovação tecnológica e na redução das desigualdades regionais e sociais, através de programas de inclusão social.

Do ponto de vista puramente econômico é inegável que a implementação dos programas de incentivos fiscais impulsionou o desenvolvimento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste cujas taxas superam a média nacional. De fato, a geração de empregos formais e a participação dessas regiões no PIB brasileiro passou de menos de 25% para 27% entre 1995 e 2007.

Um salto bastante expressivo, principalmente levando-se em conta que os Estados citados anteriormente também foram os que mais geraram postos de trabalho formais superando a média nacional de 6,71% registrada pelo Caged para o período compreendido entre junho de 2009 e junho de 2010. Neste mesmo intervalo o Ceará registrou um aumento de 10,40%, seguido de perto pela Bahia 7,89%, Goiás 6,42% e Pernambuco com 8,76%.

A importância dos incentivos fiscais, como instrumento legítimo de promoção do desenvolvimento socioeconômico, é confirmada pela recente prorrogação dos incentivos federais concedidos a empreendimentos do setor automobilístico localizados nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, estabelecidos pelas Leis no. 9.440, de 1997 e no. 9.826, de 1999, com validade até 31.12.2010. A prorrogação da vigência, até 2015, deu-se por meio da edição pelo governo federal da MP no. 471, de 20.11.2009. Na respectiva Exposição de Motivos, o governo apresenta uma estimativa da geração de empregos formais nessas regiões, decorrente dos incentivos, que, em relação ao total nacional, teria saltado de uma média de 0,15% no período 1990-98 para nada menos que 9,5% na década seguinte (1999-2009).

Diante deste cenário convém recordar que incentivos de caráter regional constituem um dos dois únicos casos de instrumentos de incentivo/subsídio admitidos pela Organização Mundial do Comércio – OMC. Além disso, é positivo destacar que muitos países adotam políticas de incentivos fiscais, prática tradicionalmente utilizada como instrumento de desenvolvimento de regiões menos desenvolvidas.

Bom exemplo comparativo vem da China que recentemente anunciou um ambicioso programa de incentivos voltados para o desenvolvimento da porção ocidental de seu território, ainda pobre e isolada, através de redução de 25% para 15% do imposto de renda, contando ainda com investimentos estatais em infraestrutura, pretendendo com isso dar competitividade à abundante riqueza mineral existente.

Já passa da hora de tratar os incentivos não como renúncia fiscal, mas sim como estratégia de desenvolvimento, pois na verdade não há uma renúncia, e sim a concessão de uma espécie de crédito, feito como desconto na tributação que será paga, e concedido apenas por um período, após o qual a empresa beneficiada começa a pagar o imposto integralmente.

Além disso, as empresas atraídas pelos incentivos, principalmente as de grande porte, geram não somente o total do investimento e empregos diretos, mas toda uma cadeia produtiva integrada ao processo, além da ampliação dos setores comercial e de prestação de serviços. Promovem também o avanço tecnológico na medida em que investem em novas soluções exigindo do poder público maiores investimentos na geração de pesquisas e qualificação da mão-de-obra – a isto se costuma chamar desenvolvimento.

Na ausência de uma política nacional de desenvolvimento capaz de diminuir as desigualdades regionais existentes, a utilização dos incentivos fiscais regionais é legitima e, quando bem utilizada, constitui um importante fator de desenvolvimento econômico e inclusão social. Assim, retirar da economia essa oportunidade é condenar os Estados periféricos à obsolescência e a dependência dos Estados mais ricos, na manutenção de um modelo de ilhas que só interessa a grupos, mas condena todo o País a perder as “janelas de crescimento” experimentadas por outros países.

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