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Economia brasileira: ‘Consenso’ e ‘bom senso’

Quadro brasileiro demonstra a validade dos princípios do Consenso de Washington.

Marcos Troyjo é professor e diretor do BRICLab na Universidade Columbia, em Nova York.

Os céus não são azuis como em tempos atrás. No início do primeiro governo Dilma, o Brasil era o “queridinho dos mercados financeiros”. Teríamos em breve o homem mais rico do planeta. Superada em tamanho a economia britânica, o PIB brasileiro ultrapassaria também o francês em 2015, tornando-se o quinto maior do mundo.

Esgotou-se a ilusão de que existe no Brasil um modelo de crescimento com inclusão social baseado no êxito do intervencionismo estatal na produção e no inesgotável apetite do mercado interno. Será então que precisamos de premissas absolutamente inéditas para o desenho de nossa estratégia econômica?

Incompreendidos e escassamente adotados, dois documentos oferecem pontos cardeais para o caminho adiante. Um é a “Carta ao Povo Brasileiro”, publicada pelo então candidato Lula em junho de 2002. O outro é o “Consenso de Washington”, em especial seus dez pontos originais formulados em 1989 pelo economista britânico John Williamson.

Ao contrário do que o preconceito faz supor, é imensa a coincidência no teor da “Carta” e do “Consenso”. Igualmente enorme é o desvio na implementação concreta do que ambos pretendiam alcançar.

Objetivos da “Carta” foram ficando pelo caminho nos últimos 12 anos

A “Carta” critica os limites do “modelo” adotado pelo governo FHC de 1995 a 2002. Acusa-o de “populismo cambial” e de ter permitido um “equilíbrio fiscal precário”. Mas essas mesmas críticas hoje também assombram diferentes fases dos governos Lula-Dilma.

O mais extraordinário, no entanto, é que a “Carta” prega enfaticamente as reformas estruturais –trabalhista, fiscal e previdenciária. Conclama a investimentos em infraestrutura e respeito a contratos. Sensível à inserção brasileira na economia global, propugna a criação de uma Secretaria de Comércio Exterior diretamente vinculada à Presidência da República. Todos esses objetivos foram ficando pelo caminho nos últimos 12 anos.

Já o “Consenso” enumera como metas a disciplina fiscal e a redução dos gastos públicos. Reformas tributária, trabalhista e de facilitação do ambiente de negócios. Juros e câmbio determinados pelo mercado. Ênfase no comércio exterior e na atração de investimento estrangeiro direto (IED). Privatização e segurança jurídica.

Não sugere, contudo, a adoção de políticas industriais, como faz a “Carta”. Defende que benefícios a indústrias específicas sejam transferidos na forma de investimento em infraestrutura, educação e saúde básica.

Recolocar o Brasil no rumo do desenvolvimento sustentado não exigirá a reinvenção da roda

Argumentar que países como Brasil e Argentina fragilizaram-se nos anos 1990 por adotar esse receituário “neoliberal” só pode ser piada. A Argentina apenas tangenciou-o e, no Brasil, as áreas de excelência são justamente aquelas em que esses preceitos germinaram.

Devemos reler a “Carta” e o “Consenso” sem viseiras ideológicas e mais sábios pelas lições do tempo. Veremos que recolocar o Brasil no rumo do desenvolvimento sustentado não exigirá a reinvenção da roda. Com efeito, estamos assistindo ao ocaso do Estado-capitalismo no Brasil e na Rússia, bem como o malogro de experimentos econômico-diplomáticos de inspiração bolivariana na América Latina.

Em paralelo, observa-se grande euforia com reformas liberalizantes na Índia. Maior dinamismo das economias da Aliança do Pacífico (Chile, Peru, Colômbia e México). Tais contrastes entre êxito e insucesso nos países em desenvolvimento levam a curiosas constatações.

Por um lado, ruiu a ideia de que os mercados emergentes perfazem conjunto de países cujo crescimento econômico e projeção de política exterior se expandiriam de maneira automática e inevitável.

Por outro, muitas das imprescindíveis medidas de razoabilidade fiscal, comércio exterior e, portanto, de política externa, reconduzem aos holofotes aquela série de princípios muito debatidos -e pouco aplicados- desde que elencados nos anos 1990. A realidade está vingando o Consenso de Washington.

Hoje, medidas que Levy propõe para o Brasil se distanciar do abismo inspiram-se no Consenso

Quando o conceito apareceu, suas recomendações foram amaldiçoadas com um duplo defeito de fábrica.

O primeiro: a palavra “consenso”. Ela dá a ideia de um rótulo inofensivo postado sobre um acordo conceitual a que se chegara quanto ao melhor rumo para economias em desenvolvimento recorrentemente em crise. Na realidade, ele encobriria estratagema formulado pela Casa Branca, FMI, Banco Mundial e outros monstros imaginários.

A segunda: a palavra “Washington”. Sua meta subjacente seria expandir a “dominação” por parte do governo dos EUA, alinhando a seus desígnios países em desenvolvimento. Em ação coordenada no âmbito continental estaria a negociação da Alca, voltada a minar a soberania econômica da América Latina.

Hoje, medidas que Levy propõe para o Brasil se distanciar do abismo inspiram-se no Consenso. É o caso de disciplina macroeconômica, reforma tributária e redirecionamento dos gastos públicos para infraestrutura ou educação. Não é o caso de “bolsas-empresário” ou de um rosário de incentivos fiscais.

Será inviável praticar uma política externa em desalinho com as necessidades da gestão econômica

Prioridades de Armando Monteiro, no Desenvolvimento, centram-se na liberalização comercial, acordos internacionais, atração de investimentos estrangeiros diretos e câmbio competitivo, não na manutenção de política industrial “à Geisel”.

Mesmo o tema das privatizações, camufladas sob o pseudônimo “concessões”, ganha agora urgência nunca atribuída nos oito anos de Lula ou durante o primeiro mandato de Dilma.

Nesse contexto, será inviável neste momento praticar uma política externa em desalinho com as necessidades da gestão econômica. Não dá mais, como supostamente se observou entre 2003 e 2008, para orientar Fazenda e Banco Central “à direita” e Itamaraty “à esquerda”.

Os países que mais se afastaram das dez políticas originais do Consenso são os que hoje se encontram em maior fragilidade. Os que dele mais se aproximaram estão mais fortes.

No limite, a história recente mostra que aqueles princípios não guardam relação com um projeto de consolidação de hegemonia em que só a principal potência global ganha. O “Consenso” é nada além do que o mais básico “bom senso”.

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