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O que a crise financeira de 2008 pode nos ensinar sobre a Gestão de Estoques?

Por Rubens Batista Jr., CFO da Martins Comércio e Serviços de Distribuição S.A.

O artigo “Confessions of a risk manager” (Confissões de um gerente de risco) publicado na revista “The Economist” em sua edição de 9 de agosto de 2008 aborda as razões que levaram os bancos a ignorar a análise de riscos básicos e se envolverem na maior crise financeira pós-1929.

Pode-se pensar que, por se tratar de outra indústria (financeira), varejistas não possam dela aprender. No entanto, podemos enxergar os mesmos riscos com os quais lidamos no dia a dia na gestão de ativos, com destaque para os estoques.

No artigo, o gerente de risco de uma instituição financeira americana dá seu depoimento sobre a origem da crise. O papel de um gerente de risco é, basicamente, identificar os cenários (geralmente os piores) a que uma instituição financeira está exposta quando se realizam transações. Toda transação ou produto passa pela avaliação dessa área antes de ser “vendido” ao público ou a uma contraparte. Esses gestores são responsáveis também por estabelecer os limites de risco (chamado de exposure, ou seja, quanto é o máximo que se pode arriscar a perder).

Ocorre que os gerentes de riscos não desempenharam o seu papel, e, em função disso, as instituições para as quais trabalhavam estavam vulneráveis quando sobreveio a crise. Eles não anteviram uma crise de liquidez, uma vez que o mundo estava vivendo uma era de extrema liquidez. Eles não tiveram força ou personalidade para dizer não, quando questionados sobre as transações propostas pelos seus colegas da área de investimento (aqueles que desenvolvem e vendem as operações aos clientes).

Àquela altura, a pressão sobre o departamento de risco para aprovar as transações era imensa. Os colegas da área de investimento os consideravam inimigos e não amigos, bloqueadores de negócios, “sanguessugas” que não adicionavam qualquer valor ao negócio, até porque não “faziam” dinheiro. Adicionalmente, eles impediam que os seus colegas da área de investimento ganhassem bônus maiores. Eles eram “não comerciais” e “não construtivos”. A análise de riscos sempre era uma parte pequena de qualquer apresentação de produto e sempre justificada, pois havia fatores “atenuantes aos riscos”.

O fato é que os bancos não apenas venderam muitos títulos (CDOs –Obrigações de Débito Garantidas) a clientes, mas também formaram estoques desses títulos em seus balanços. Esses estoques mantidos pelas instituições financeiras eram daqueles títulos de melhor qualidade (como as mercadorias de alto giro). E quando a crise veio, esses papéis perderam valor e se tornaram ilíquidos.

Os maiores e (outrora) mais sólidos bancos do mundo perderam bilhões de dólares, tendo que buscar capital junto aos acionistas. Anos depois, essas mesmas instituições financeiras ainda estão envoltas em disputas com clientes que confiaram que os títulos ofertados por elas eram bons. Ou seja, essas empresas ainda perdem dinheiro com uma crise de anos atrás.

As lições que se extraem desse episódio são as seguintes:

  1.  Fazer o básico, analisando as posições em títulos em seu balanço por tipo, tamanho e complexidade antes e depois que você as “segurou”;
  2.  Cobrar pelo custo da iliquidez, aumentando o custo do capital sobre as transações de títulos mantidas no balanço e aumentar liquidez (via capitalização de reservas);
  3.  Aumentar a importância da área de risco, envolvendo-a com a área de investimento, estimulando job rotation entre essas áreas.

 

Você poderia se perguntar: qual é a relação da história acima com um varejista? Tudo a ver, pois:

  • Títulos são ativos, cambiáveis (“trocáveis”) como o são os estoques;
  • Títulos podem perder valor, como também pode acontecer com os estoques;
  • Títulos consumem liquidez (caixa), assim como os estoques. Maior investimento em títulos ou estoques significa menos caixa;
  • Toda decisão de investimento importante em ativos deve ser precedida de uma análise de risco. “E se …? ” é uma pergunta que aqueles que estão analisando (ex.: comitê de sortimento), propondo ou decidindo uma transação devem se fazer;
  • Adicionalmente, deve-se analisar diariamente a posição de estoque, por produto, idade e rotação. Decisões corretivas devem ser tomadas rapidamente. Deve-se ganhar no giro (rotação) e não no estoque! Lembrando-se da fórmula básica de Retorno sobre Investimento: giro (rotação dos estoques) x rentabilidade (margem de lucro) = ROI.

 

As opiniões e conceitos emitidos no texto [acima] não refletem, necessariamente, o posicionamento do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF) a respeito do tema, sendo seu conteúdo de responsabilidade do autor.
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