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Impactos de novas regras tributárias dos EUA geram mais um “custo Brasil” para investimentos e fluxos comerciais entre os dois países

O IBEF-SP realizou café da manhã no dia 13 de abril para debater o novo regramento do Tesouro Americano sobre Foreign Tax Credits (TD 9959), que pode gerar dupla tributação para investimentos e fluxos comerciais entre Brasil e Estados Unidos. Em janeiro de 2022, o país norte-americano aumentou as exigências para o aproveitamento de créditos tributários de outros países. Essa medida tem impacto ainda mais severo para as nações que não têm acordos para evitar a bitributação, como o Brasil.

O evento teve a participação de Gersoni Munhoz, líder da Comissão Técnica de Tributos do IBEF-SP, Mariana Carneiro, sócia de consultoria tributária da PwC Brasil, Adolpho C. Nunes de Souza Neto, VP e CFO para a América Latina da Whirlpool Corporation, Camila Nicacio, head de tax do Citibank, e Romero Tavares, sócio e líder de International Tax na PwC Brasil.

Mudanças nas regras – A norma do Tesouro Americano TD 9959 foi aprovada no fim de dezembro nos Estados Unidos e está em vigor desde janeiro de 2022. Equivalente ao que seria um Ato Declaratório Normativo da Receita Federal, a norma impede a compensação dos 15% ou 25% de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) que incide nas remessas para o exterior (direta ou indiretamente pagas a empresas americanas), bem como dos 34% (ou mais, no caso de instituições financeiras) de IRPJ e CSLL no caso de multinacionais americanas com operações no Brasil, e o imposto de renda que as empresas americanas pagam nos EUA sobre seus lucros, cuja alíquota nominal é de 21%.

Até a nova norma, o IRRF, o IRPJ e a CSLL pagos no Brasil poderiam ser abatidos na apuração do imposto de renda americano. Com a nova regulamentação, só será permitido o aproveitamento de crédito de tributo pago em outros países que tiverem apuração de imposto de renda similar à americana ou acordos/tratados com os Estados Unidos para evitar a bitributação, além de outros requisitos.

Head de tax do Goldman Sachs para a América Latina, Gersoni Munhoz destacou que o tema é importante não somente para as empresas e investidores americanos que estão no Brasil, mas para todos que fazem negócios com os EUA. “Está todo mundo debatendo sobre o que acontecerá agora com os impostos pagos no Brasil e como isso impactará os custos das operações ou os resultados desses investimentos. É um tópico extremamente relevante e precisamos não somente entender, mas também tomar a dianteira de debater, discutir com a Receita Federal, com todos os órgãos reguladores e governamentais”.

Mariana Carneiro, responsável por organizar o painel, reforçou a necessidade de compartilhar informações sobre o assunto e pensar em ações. “O tema provoca um pouco como as empresas do Brasil se conectarão para conversar com o governo brasileiro ou como elas trarão o assunto para os seus headquarters nos Estados Unidos e falar como isso pode ser direcionado lá, como o impacto tributário será sentido”, disse a sócia de consultoria tributária da PwC e membro da Comissão de Tributos do IBEF-SP.

Regra de preço de transferência não é suficiente – Ao iniciar o debate, Camila Nicacio, head de tax do Citibank, colocou pontos cruciais para discussão: o sistema tributário brasileiro estaria condenado para que as empresas tomem crédito nos EUA, em razão da ausência do princípio de arm’s length – utilizado como padrão internacional para preços de transferência entre os países-membros da OCDE? Nesse sentido, a apresentação feita pela Receita Federal em 12 de abril último, em parceria com a OCDE, sobre o projeto de novo sistema de preços de transferência para o Brasil seria a solução para tudo?

A resposta curta é “não”, afirmou Romero Tavares, sócio e líder de International Tax na PwC Brasil. Ele explicou que a norma do Tesouro Americano traz consigo questões muito mais complexas. E o impacto da nova regulamentação para a precificação e a importação de serviços e tecnologia dos EUA para a economia brasileira será penoso. “Mais de um terço de tudo aquilo que importamos em serviços e tecnologia vem dos EUA, sofrerá uma tarifa nova, de 15% ou mais, um novo custo. À primeira vista, o impacto pode parecer maior para quem opera sem gross up na importação de tais itens (e que agora possivelmente terão aumento no valor total da importação); a nova regra porém aumenta o custo da importação de conhecimento de origem americana para todas as empresas brasileiras e estrangeiras que se beneficiam direta ou indiretamente de tais importações – ou seja, de uma forma ou outra haverá impacto adverso na produtividade da economia brasileira como um todo”.

Revisitação do conceito de imposto de renda – Romero contextualizou que a TD 9959 vem no esteio de uma grande reforma tributária que foi realizada nos Estados Unidos em 2017, e que vem provocando uma série de novas regulamentações desde então. A reforma modificou o sistema tributário dos EUA também para lidar com novos impostos (digital services taxes) e novos ajustes de preços de transferência que, sob a perspectiva americana, superavaliam intangíveis de mercados consumidores. Todavia, a reforma de 2017 motiva alterações mais profundas, como a revisitação do conceito de imposto de renda estrangeiro, de fonte geradora de renda e de nexo jurisdicional.

“Os EUA precisavam regulamentar o sistema americano todo, porque este foi refeito em 2017 e em aspectos fundamentais, como o que é fonte produtora de renda. Então, por isso que essa norma (TD 9959) é tão perigosa. É como se fosse um ato declaratório interpretativo ou parecer normativo. Ou seja, não é lei, não é decreto, é menos que isso; é a leitura do Tesouro Americano sobre como deveria ser interpretado o Código, a lei, os regulamentos e os decretos. Eles estão dando guidance, e para isso têm um preâmbulo de 100 páginas, explicando os porquês, as razões, o que é muito relevante para fins de interpretação jurídica lá”, explicou o sócio da PwC.

A norma envolve a redefinição de conceitos sobre o que é imposto de renda estrangeiro, e inclusive os testes feitos para sua verificação, que são bastante complexos. Mas há uma salvaguarda: ao requerer tal análise, o Tesouro Americano observa que se o país possuir um tratado que já reconhece aquele imposto estrangeiro como imposto de renda, não haverá necessidade de fazer o novo teste de qualificação – que se mostra bastante complexo e pode gerar mais insegurança jurídica.

Tratado não é o bastante – Ainda que o país passe no primeiro teste – se aquele imposto é considerado imposto de renda pelos EUA – ou tenha um tratado que permita pular esse teste, há mais etapas, explicou o especialista. A segunda fase é verificar se há arm’s length para o IRPJ estrangeiro. “Se a hipótese de incidência for de IRPJ, ainda que eu tenha tratado e ainda que eu entenda que aquele imposto de renda estrangeiro é IRPJ, ele tem que ser apurado segundo o padrão arm’s length. E isso pegou o Brasil porque, mesmo que a gente tivesse tratado, a nossa regra de preço de transferência não é arm’s length”, disse Romero.

O IR Fonte é outro pedaço da equação.Segundo o sócio da PwC, na leitura do Tesouro Americano, o IR Fonte é o imposto de renda que se aplica no lugar de um imposto de renda sobre o lucro líquido. Nesse caso, há três testes na interpretação do Tesouro Americano, para que reconheça o direito ao crédito do IRRF: 1 – tem que derivar de IRPJ estrangeiro qualificado como tal; 2 – o IRPJ estrangeiro tem que aplicar o padrão arm’s length; 3 – o IR Fonte tem que ter nexo jurisdicional (nova definição de fonte). No caso de rendimento de capital, o nexo americano seria semelhante ao brasileiro, como no caso de juros e dividendos. Já para serviços, o nexo jurisdicional é onde o serviço é executado, e não onde o resultado do serviço se verifica.

“Então, nessas hipóteses onde pagamos serviço para fora, ele deixa de ter nexo jurisdicional. Antes, entendia-se que havia um conflito de nexo, mas se creditava assim mesmo, poderia ser aproveitado na apuração consolidada (a menos que o contribuinte americano não apurasse lucro estrangeiro suficiente para aproveitar tais créditos). Agora não. Então, essa retenção na fonte deixa de ser aproveitável nessa hipótese de nexo de serviços”, explicou Romero.

No caso de royalties, na visão do Tesouro Americano, o nexo está onde o intangível é usado, e não de onde a licença pelo seu uso é paga. No caso brasileiro, como o fato gerador não é definido por esse viés, mas pelo pagamento feito a partir do Brasil, o país também falharia no teste. Há ainda outras hipóteses para ganho de capital de não residentes, completou o especialista, também problemáticas. “Resumindo: nexo jurisdicional se aplica para o IR Fonte, depois que ele passou pelo primeiro teste do IR. Por isso que é tão complicado”, observou o sócio da PwC.

Mais um “custo Brasil” – Posto tudo isso, conclui-se que o framework apresentado pelo TD 9959 é muito mais complicado para a bitributação entre Brasil e Estados Unidos do que só preço de transferência, resumiu Romero.

Mas há oportunidade para mitigar alguns impactos. O sócio da PwC ponderou que, muito embora exista a interpretação do Tesouro Americano de que o Brasil extrapola a sua jurisdição tributária, talvez o Tesouro Americano extrapole a sua autoridade administrativa ao rever os conceitos com essa profundidade através de um ato declaratório, o que poderia ser até mesmo ilegal. Assim, é muito provável que através das demandas de litígio nos EUA em torno da questão, o Tesouro Americano reveja o grau de rigor das definições ou melhore a redação do ato normativo.

Contudo, o Brasil também tem lição de casa a fazer, enfatizou Romero. Além de não possuir tratado para evitar bitributação com os EUA, o que poderia solucionar o problema de definição do IR, o país não possui arm’s length para IRPJ e nem nexo jurisdicional para as hipóteses citadas anteriormente, e que são importantes para muitas empresas.

Essa situação gera mais um “custo Brasil”, do dia para a noite, alertou o especialista. “Essa é uma norma em que os EUA olham para o Brasil. Então, não importa se na apuração da sua empresa só tem IR Fonte sobre fundos ou se tem apenas IRPJ e não tem IR Fonte. Porque se o primeiro teste do IR falhar, falha para todo mundo, para o Brasil inteiro. Então, é nesse sentido que todas as companhias americanas que estão aqui, e todas as empresas que adquirem serviços, tecnologia ou outros produtos dos EUA estão correndo o mesmo risco”, disse Romero. “Se o teste do IR falhar, todo o IR vira custo. Esse é o grande problema que estamos tentando endereçar”.

Visão do CFO – Adolpho Neto, VP e CFO para a América Latina da Whirlpool Corporation, companhia dona das marcas Brastemp e Consul, trouxe a visão do executivo de finanças sobre as mudanças e seus impactos para as decisões de investimento no país. Ele observou que a organização é um exemplo das várias que não desejam correr riscos, portanto já têm o impacto das novas regras contratado no planejamento de 2022 e 2023, se nada mudar.

Para tangibilizar o que seria o aumento desse “custo Brasil” em números, Adolpho observou que a alíquota consolidada referente a IRPJ e CSLL – considerando uma base 100 de lucro antes do tributo – salta de cerca de 34% + 2% (com a compensação de 80% de créditos nos EUA) para 44% (sem a compensação).  

“É uma coisa gigantesca quando você coloca isso num fluxo de caixa ao longo de vários anos. Somos constantemente avaliados e as decisões de capital da empresa levam em conta, entre outras coisas, o retorno sobre o investimento. Então, vamos comparar com um investimento feito na China, na Índia, ou em um país mais próximo, como o México, na América Latina, que tem uma alíquota de 30% e faz parte da OCDE. Então, ficaria 44% contra 30% – e isso não falo em projetos de exportação para outros países, mas projetos para o mercado local mesmo”, observou o CFO.

Mobilização em diversas frentes – Nesse sentido, Adolpho reforçou a importância da mobilização das empresas para mitigar esses impactos em duas frentes: no Brasil e nos Estados Unidos.

Com relação à pressão que pode ser realizada nos EUA, ele informou que há uma articulação muito forte liderada pela Amcham-Brasil, com a preparação de uma carta para que os CEOs das filiais brasileiras possam encaminhar aos CEOs das empresas nos Estados Unidos. Essa carta trata aspectos como: bitributação (mais imposto para o acionista); impacto para exportações de serviços e perda de empregos nos EUA; redução de investimento em P&D e tecnologia nos EUA frente aos custos de centros de desenvolvimentos em outros países; e insegurança jurídica. O objetivo é que a pressão ajude a adiar os efeitos do ato do Tesouro Americano por pelo menos 24 meses, até que o tema seja esclarecido

Com relação ao Brasil, é importante que as empresas continuem demandando o governo e o Congresso Nacional – de forma organizada através de associações setoriais para que a comunicação seja unificada e efetiva, a exemplo da própria Amcham-Brasil, com apoio da CNI e do IBEF-SP – para solucionar questões como viabilizar a negociação do Acordo para evitar a Dupla Tributação (ADT) entre Brasil e EUA, maior celeridade na edição de novas regras de preços de transferência com plena convergência internacional (que apesar de terem sido apresentadas pela Receita Federal neste mês, ainda não se tem o projeto de lei efetivo, nem cronograma). 

Assim a mensagem dos painelistas é que os executivos de finanças, além de atentarem para soluções internas e temporárias de planejamento empresarial que eventualmente possa mitigar ou postergar o problema, colaborem para essa mobilização em ambos os países, participando das interlocuções organizadas por associações, bem como no diálogo com os CEOs de suas empresas, nos Estados Unidos. “Normalmente, o efeito é muito maior quando você faz através de uma associação, uma câmara, do que fazer individualmente. Então, essa articulação é uma coisa super relevante e temos esses polos aqui para que possamos executar essa agenda”, completou Adolpho.

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