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Transação e Redução de Passivos Tributários em Tempos de Pandemia da COVID-19 – LEI Nº 13.988/2020

Por Valdirene Lopes Franhani

Num momento delicadíssimo da economia e da atividade empresarial, em face da pandemia da COVID-19, enfim, a Presidência da República sancionou no último dia 14/04, a Lei nº 13.988/20, também conhecida como “Lei do Contribuinte Legal”, que trouxe a possibilidade da transação e regularização de débitos junto à Fazenda Pública Federal.

É fato que o Governo Federal, por conta da pandemia, já vinha adotando medidas visando a postergação do pagamento de alguns tributos, com raríssimas reduções da carga tributária, dando assim um suposto e temporário fôlego aos contribuintes. Todavia, nenhuma dessas medidas, até então, lidava e nem resolvia um problema anterior à pandemia – a grande quantidade de litígios e débitos em aberto envolvendo passivos com a União Federal.

Segundo dados oficiais, esse passivo representa mais de um trilhão de reais e decorre, grande parte, de tributos não pagos em face de autuações, cobranças e execuções fiscais em andamento, com ou sem garantia, bem como teses e discussões com provável possibilidade de perda no Judiciário. E o momento é propício para verificação deste passivo pelas empresas, já que a Procuradoria da Fazenda Nacional – PGFN também suspendeu, desde 17 de março, por 90 dias, os prazos de instauração de novos procedimentos de cobrança, do encaminhamento de certidões da dívida ativa para cartórios de protesto e de instauração de procedimentos de exclusão de parcelamentos em atraso.

De certo modo, o texto original da MP nº 899/19 (que originou a lei) e  Portarias da PGFN editadas desde o final do ano passado já tinham dado início a tão esperada possibilidade de transação nesses casos, mas agora, com a conversão do texto em lei e as novas Portarias da PGFN nº 9.917/20 e nº 9.924/20, espera-se a efetiva mudança de postura e de paradigmas no trato deste tema pelo Poder Público.

Afinal, em tempos de calamidade pública decorrente da COVID-19, que já causam prejuízos incalculáveis, há o sério risco desses passivos tributários aumentarem, tornando-se impagáveis pelos contribuintes, caso não sejam adotadas medidas imediatas de avaliação e controle, mesmo considerando a retomada da atividade econômica. Assim, a possibilidade de transação entre Fisco e contribuinte vem em boa hora e pode significar, em alguns casos, a redução considerável desse passivo e dos gastos com a manutenção de litígios e suas respectivas garantias, evitando-se prejuízos maiores no futuro, tanto para o Fisco como para os contribuintes.

A chamada transação, que consiste, basicamente, na criação de um acordo entre as partes mediante concessões mútuas, está prevista no artigo 171 do Código Tributário Nacional e já foi experimentada, de alguma forma, ao longo dos anos, através dos reiterados programas de Regularização Fiscal (REFIS). Tais programas ajudaram inúmeros contribuintes a resolverem seus passivos tributários, com descontos razoáveis para pagamento à vista ou, ainda, com bons prazos de pagamento. Por outro lado, como esses programas acabavam sendo reeditados de tempos em tempos, também propiciaram para alguns contribuintes o efeito nefasto do refinanciamento eterno e abusivo de dívidas tributárias.

Com novas regras, a recente Lei do Contribuinte Legal é um avanço pois, além de criar novas modalidades de transação semelhantes ao antigo REFIS por adesão com descontos e prazos maiores para pagamento, agora permite a utilização de novas garantias, como cessão de direitos creditórios, imóveis e precatórios, e também cria uma nova e importante modalidade feita “sob medida”: a transação individual por iniciativa do contribuinte ou do Fisco. Nessa nova modalidade que atinge, entre outros, empresas em difícil situação, créditos irrecuperáveis, ou ainda dívidas acima de R$ 15 milhões ou garantidas acima de R$ 1 milhão, o contribuinte poderá apresentar e negociar diretamente com a União Federal os descontos, os termos e a forma de pagamento, desde que observados alguns critérios e limites.

Há também a transação extraordinária em face desse período de crise trazido pela COVID-19, com entrada de 1% da dívida parcelada em três vezes e a possibilidade de postergação do pagamento da primeira parcela para o último dia útil do terceiro mês consecutivo ao mês da adesão. Ao todo, são cinco modalidades e os descontos de transação variam de 50% a 70% da dívida, preservando-se o principal, e poderão ser pagos em até 60, 84 ou 145 parcelas, a depender do valor e tipo do débito ou do contribuinte (veja quadro abaixo).

Como novidade, a lei e as portarias criam critérios de análise da capacidade financeira dos contribuintes, bem como classificação e recuperabilidade dos créditos, de modo a impedir que contribuintes considerados “contumazes” aproveitem e abusem dos benefícios. Embora seja o primeiro e importante passo, espera-se a evolução deste novo instituto da transação tributária de modo que o excesso de critérios e limites impostos pelo Fisco não torne frustrada a expectativa trazida pela norma.

Considerando esses tempos de COVID-19 e seus reflexos que ainda estão por vir, de fato, espera-se que haja mudança de paradigmas, com maior abertura para o diálogo entre Fisco e contribuinte, diálogo este tendente a realizar efetivas composições que permitam ajudar as empresas nesse momento delicado a retomarem suas atividades e reduzirem os efeitos e os custos decorrentes do passivo tributário.

TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA – QUADRO RESUMO

 

TIPOS DE TRANSAÇÃO REGRAS
GERAIS
PRAZOS**** DESCONTOS
Por Proposta Individual
– débitos superiores a 15 milhões;
– devedores falidos, em recuperação ou liquidação (créditos irrecuperáveis e/ou de difícil recuperação)*;
 débitos iguais ou superiores a 1 milhão c/ garantia/suspenso por decisão
Sujeitos à análise e deferimento

formas especiais de pagamento e oferecimento, substituição ou alienação de garantias;

– possibilidade de se convencionar a suspensão do processo.

– Aceitação das condições do Edital;

– Prazo de adesão e de pagamento previstas em Proposta Individual/Edital;

– Limite: 84 meses (regra geral) ou 145 meses (PF, microempresa e EPP);

– Deduções e exigências/concessões previstas em Proposta Individual/Edital;

– Limite: 50%  (regra geral) ou  70% (PF, microempresa e EPP)

Por Adesão – débitos iguais ou inferiores a 15 milhões
Por Adesão – Contencioso de Pequeno Valor – Aceitação das condições do Edital;
– Contencioso de Pequeno Valor**;
(PF, microempresa ou EPP);
-Descontos, formas especiais de pagamento e oferecimento, substituição ou alienação de garantias.
Prazo de adesão e de pagamento previstas em Edital;

-Limite: 60 meses;

– Deduções e exigências/concessões previstas em Edital;

– Limite: 50%

Por Adesão – Demais casos de Contencioso Judicial ou Adm. Aceitação das condições do Edital;
-Teses específicas/ Relevante e disseminada controvérsia jurídica***
– Prazo de adesão e de pagamento previstas em Edital;
– Limite: 84 meses;
– Deduções e exigências/concessões previstas em Edital;
– Limite: 50%
Extraordinária por Adesão: débitos inscritos em dívida ativa
até 15 milhões
– Adesão até 30 de junho de 2020;
Entrada de 1% do valor total dos débitos, divididos em até 3 parcelas com diferimento do pagamento da 1ª parcela para o último dia útil do terceiro mês
Limite: 81 meses (regra geral) ou 142
meses (PF, micro empresas, EPP, instituições de ensino, Santas Casas de Misericórdia,
sociedades cooperativas, etc.)
Não há

* Lei 13.988/2020 Art. 11, § 5º.

** Lei 13.988/2020, Art. 23, inciso I: até 60 salários mínimos

*** Lei 13.988/2020, Art. 16, § 3º

**** Em todos as modalidades, as transações envolvendo contribuições previdenciárias patronal e do empregado devem ter prazo de pagamento de até 57 ou 60 meses, conforme Portarias.

 

Valdirene Lopes Franhani é advogada sócia do escritório Lopes Franhani Advogados, LLM em Direito Tributário e Societário pelo Insper de São Paulo, Especialista em Direito Empresarial e Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Membro do IBDT, ABAT e do Comitê de Tributos do IBEF-SP

 

As opiniões e conceitos emitidos no texto [acima] não refletem, necessariamente, o posicionamento do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF) a respeito do tema, sendo seu conteúdo de responsabilidade do autor.  

 

 

 

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